Crónica de fiascos anunciados

O Expresso desta semana diz na última página que “Processo da JAE foi arquivado”, pela juíza Fátima Mata-Mouros, a tal que em 17/11/2003, dizia ao Público que “O papel de um juiz de Instrução é saber dizer não às polícias e ao MP”.

Tirando esta “boutade”, o que resulta do Expresso é que a tal de Mata-Mouros, rejeitou a acusação do MP, de corrupção, contra Donas Botto e José Pantaleão (antigos responsáveis da JAE) e António Mota (presidente da Mota & Companhia, agora Mota/Engil) e não os pronunciou, por falta de indícios.

Que corrupção?! – A de a empresa de Mota ter pago viagens de férias aos responsáveis da JAE, em contrapartida de adjudicação de obras públicas. Outra das severas acusações era a de peculato, por alegadamente Donas Botto ter utilizado um cartão de crédito da JAE, para pagar férias. Diz ainda a notícia que o MP vai recorrer

Pois!

Esta semana a PGR veio a público, num sóbrio comunicado, dizer que Sócrates não era suspeito de qualquer ilícito criminal na actual fase do processo de investigação do processo de licenciamento da Freeport.

Esta declaração, aliás, remete imediatamente para uma outra, na véspera do Natal de 1995, por ocasião da candidatura de Cavaco Silva a Belém. O Independente (toujours le même!) de 22/12/1995, dirigido por Isaías Gomes Teixeira, noticiava que a PJ e o MP estavam a investigar o financiamento do PSD e da candidatura presidencial de Cavaco, na sequência do inquérito sobre a compra de quatro aviões Airbus, pela TAP, dirigida por Santos Martins. Para o jornal, as suspeitas de corrupção que recaíam sobre Santos Martins, eram consistentes (o Inquérito, tinha começado no dia 23/10/1995…) e a ligação ao candidato, seguras, por causa de compadrio (Cavaco e Santos Martins eram compadres).

Nesse mesmo dia, Cavaco exigiu à PJ um desmentido e a polícia não o deu. Então, a Comissão Política da candidatura da “boa moeda” ( Dias Loureiro, Proença de Carvalho, Rui Machete, José António Barreiros, Marcelo Rebelo de Sousa, António Pinto Leite, Nunes Liberato, Paulo Teixeira Pinto e Joaquim Aguiar) exigiu à PGR, de Cunha Rodrigues, o atestado de insuspeição. E foi-lhe dado. A PGR, no fim do dia, desmentia formalmente que o MP ou a PJ estivessem a investigar o financiamento do PSD e da candidatura de Cavaco. Nessa altura, o artº 86º nº9 al. a) do C.P.P. ainda não tinha a actual redacção e ainda hoje estou para saber a justificação legal para tal comunicado. Mas toda a gente ficou satisfeita

Passados anos (muitos!) esse Inquérito sobre as luvas na TAP, deuem nada! Foi arquivado! Provou-se que tinha havido corrupção, mas não se descobriu ocorrompido! Anedótico?!

Vejamos então o caso da JAE, segundo relatavam os jornais da época...

Em Outubro de 1998, Garcia dos Santos dizia ao Expresso...

existe corrupção na JAE em termos pessoais e em termos de financiamento dos partidos políticos

Nesse mês e ano, João Cravinho, ministro do PS, mandou realizar uma sindicância à JAE, que foi dirigida por Pinto dos Santos, magistrado do MP. O relatório dessa sindicância é impressionante quanto a escândalos e revelador de uma anomia generalizada. Em Fevereiro de 1999, propôs-se aí a instauração de 10 Inquéritos.

E foi apenas a investigação no âmbito de uma sindicância! Sem investigação criminal! Sem escutas, sem buscas, sem bisbilhotice em contas particulares, e chegou-se a números e a indícios graves.

A Inspecção Geral de Finanças, em Outubro de 1999, indicava a saída de 650 mil contos da JAE, sem que fumo se lhe visse; uma auditoria da Roland Berger indicava que entre 1993 e 1998, a JAE pagou 108 milhões de contos em trabalhos a mais. No dia 14 do mesmo mês a PGR avocava os processos JAE e entregava a sua direcção ao novel DCIAP dirigido por Daniel Sanches.

Em Junho de 1999, o Tribunal de Contas escreveu que a gestão eficaz da JAE teria poupado ao Estado cerca 44% do custo geral das obras e que o desvio médio das mesmas atingia 77%.

Para que é que adiantaram estas denúncias, estes números de assustar qualquer gestor privado e liberal? Para investigar em força e rapidez tamanho escândalo com dinheiros públicos e as enormes suspeitas conhecidas de todos, como dizia Garcia dos Santos?! Não propriamente. Adiantaram, sim, para abrir uma guerrilha institucional entre Cunha Rodrigues e o então director da PJ, o empertigado Fernando Negrão.

Em 17/10/1998, o jornal 24 horas, noticiava que o então PGR dizia que a PJ só tinha apenas um agente a investigar o caso JAE. O Sindicato da PJ negou tal facto e o director afinal acabou por confirmar: um agente responsável pelo processo!

Em 5/12/1998, Cunha Rodrigues dizia ao Expresso que
(…) Em nome do rigor histórico e da distinção entre as esferas do político e do judicial, vim a público esclarecer que nem uma palavra se dizia no relatório da Inspecção Geral de Finanças sobre corrupção ou financiamento partidário” “Os factos estavam a ser investigados pela PJ e não directamente pelo MP. Mandei avocar o processo porque foi levantada uma suspeição generalizada sobre a transparência do Estado e, em especial, do poder político.

A uma pergunta do jornalista sobre se não caberia ao MP ter interpretado melhor os sinais do relatório da IGF, Cunha Rodrigues respondeu assim...
Interpretou-os bem e remeteu o processo para a PJ. O modo como estava a ser feita a investigação era correcto no contexto dos meios de que PJ dispõe.

E a seguir, depois de ouvir do jornalista que o caso não dera resultados, e à pergunta sobre se o MP não tinha sempre a tutela do processo, disse...
Tem a tutela funcional, mas não tem os meios. Que imposta ter a tutela funcional se não adjudicados meios ao processo? (…) A PJ tem excelentes investigadores. Interrogo-me: então porque é que investiga bem certos crimes e não outros? Não será por problemas de organização, de meios e de métodos?

Em 15 de Janeiro de 2000, no Expresso, Saldanha Sanches escrevia, sobre o assunto (As Comissões) e o facto de Cravinho mandar fazer a sindicância...
“Sabendo que pedir um Inquérito à PGR para uma situação como estas só iria suscitar o gáudio público e provocar comentários cínicos foi desencantar um magistrado que fizesse uma investigação séria: mas nem assim as coisas correram bem para Cravinho. O seu afastamento do governo tem pois um sentido muito claro: as obras públicas foram entregues ao homem do aparelho.” Quem?! Vocês há-dem ver!

Isto foi em 2000, em pleno início do séc XXI. No ano da graça de 2005, o Inquérito da JAE onde se acusavam os “pobres” engenheiros da antiga junta, Botto e Pantaleão, de corrupção por causa de umas viagenzitas de férias, pagas pelo empreiteiro, foi agora rematado para canto, para o cesto da não pronúncia, pela juíza Mata-Mouros!

Onde pára então a corrupção? Onde estará o financiamento dos partidos?

Bem, em princípio este tipo de assuntos, por obrigação institucional deviam estar a ser tratados no DCIAP, dirigido pela sucessora daquele Daniel Sanches - Cândida de Almeida.

Em entrevista à Visão, de 20/5/2004, esta dizia assim, quando lhe fizeram o reparo de que “Os media relatam suspeitas de corrupção…”...
- As pessoas falam à vontade sobre corrupção na imprensa, mas quando chegam aqui dizem que não sabem, que ouviram falar. É fácil falar.

Pois é… é um problema! As pessoas não falam. E não há carros. E faltam meios e ainda faltam meios e voltam a faltar meios

De facto, não há meio de sair destes fiascos anunciados. Claro que o da Freeport nem é preciso vaticinar...

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Publicado por josé 00:35:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    Cuidado, muito cuidado. Tantos dados, tantas datas, tantas citações. O autor se não trabalha para uma das secretas anda por lá perto, pois um jornalista ou comum cidadão não tem acesso a "arquivos" destes. Aqui há gato! Cuidado.
    zazie said...
    Bom post!

    " Vocês há-dem ver!"
    ele disse isso? :lol: :lol:
    josé said...
    Pessoalmente não ouvi. Mas li e escrevo de ouvir dizer. E foi considerada anedota nacional à época da dita.
    O dito cujo, aliás, parece-me um intelectual da coisa pública, sempre com discurso aperaltado à circunstância e adeuado ao momento que é sempre de gravidade eminente para o interesse nacional.
    Em suma: é um cromo inigualável! E prepara-se para repetir!
    Cromo repetido, portanto...

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