Vasco Pulido Valente
"Santana Contra Mundis "

A campanha de Santana Lopes começa a merecer algum interesse pela sua própria extravagância. Como trata dele, e só dele, acabou por se tornar num romance de aeroporto sobre a loucura e queda de um político. Espero que alguém o escreva ou, pelo menos, que a "Oficina do Livro" o encomende. A personagem intriga e a história da ambição falhada foi sempre um tema literário popular. Além disso, Santana passou por tudo: pelo partido, pelo governo, pelos jornais, pela televisão, pelo futebol e até, ou principalmente, pela chamada "noite de Lisboa". O melodrama e a "modernidade" estão lá, basta aproveitar; e, ainda por cima, ele não se esqueceu de fornecer um fim digno do seu princípio. Não sai com um suspiro, sai com um estrondo. Não deixa de ser admirável, pelo puro espectáculo, a fúria e a cegueira com que tenta salvar a sua amada pessoa. O país desapareceu e o PSD também. Ficou ele. A realidade excede a ficção. Quem se lembraria de um cartaz como o do "Contra Ventos e Marés"? Parece o desafio de Rastignac: "E, agora, Paris, nós dois". Portugal não entra ali, é Santana contra mundis, mais nada. Claro que, neste romance, o inimigo, omnipresente e perverso, persegue o herói sem culpa, porque obrigatoriamente Santana tem de triunfar da injustiça, da traição, da indiferença, da manha e, em geral, da maldade humana. Mas não sem luta, não sem provar primeiro a sua força e a sua razão. A Sampaio, que o tramou. Aos companheiros, que o traíram. Aos rivais, que o esfaquearam. Ao CDS, que o despreza. À "mega-fraude" das sondagens que o dão por acabado. E à imprensa, que "não o leva ao colo". No fundo, ao destino. A glória virá, depois do martírio, do incorrupto povo do PPD/PSD. Não porque esse povo descubra de repente qualquer vantagem em o eleger. De certa maneira, Santana já largou a política e, politicamente, a sua campanha não faz sentido. O que interessa no romance é o reconhecimento, na última cena do último capítulo, da íntima natureza do herói e o perdão dos seus pecados; o reencontro do PPD/PSD com o seu filho querido. Quer aconteça ou não, na noite de 20 de Fevereiro, e com certeza que não acontece, esta apoteose deve fechar a carreira sentimental, imensamente pública, de Santana Lopes. O menor vestígio de pudor e bom senso seria absurdo.

in Público

Publicado por Manuel 13:53:00  

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