As novas linguagens e o código epc

A crónica de Eduardo Prado Coelho, no Público de hoje, dá conta da perplexidade do antigo semiólogo na busca dos sinais de uma geração: a dos pré-adolescentes de hoje, em contraponto à geração do seu tempo, lá nos idos dos cinquenta, nos alvores do rock n´roll e antes dos horizontes da nova fronteira que nessa altura, para os de cá, deste burgo à beira-mar, parava na França de De Gaulle.

Nesse tempo, de um passado longínquo, em vez de novela, falava-se em Nouveau Roman -


(Claude Simon, Michel Butor, Alain Robbe-Grillet, Samuel Beckett, Nathalie Sarraute, Robert Pinget, Jean Ricardou, Claude Ollier) se retrouvent dans une même critique du réalisme littéraire. De fait, avec le Nouveau Roman, la littérature entre dans «l'ère du soupçon» (selon le titre d'un essai de Sarraute publié en 1956), ce qui a pour principale conséquence la remise en question de la nécessité du vraisemblable, d'où le rejet de la description et le refus de ce que Barthes appelle l'«effet de réel» . Cette critique de l'hégémonie du vraisemblable, inscrite dans la lignée des recherches littéraires de Joyce, se double d'une attention toute particulière portée non pas à l'intrigue en tant que telle mais à l'«aventure» que constitue l'écriture elle-même

Neste pré-contexto, percebe-se a perplexidade do cronista de hoje que escreve em lamento...

Sento-me numa esplanada, ao sol, olhando o mar, e ouvindo com curiosidade e algum espanto as conversas de alguns pré-adolescentes que estão perto de mim. O espanto vem certamente de eu não pertencer, longe disso, a esta geração, e nem sempre entender tudo o que mudou. A sensação que tenho é a de que conversam sobre coisa nenhuma. Ou melhor, conversam sobre formas de comunicação, que passam por três instâncias privilegiadas: o telemóvel, com relações orais e mensagens escritas, a Internet, e a discoteca.

E perante esta verificação pontual, atestada pela atenção dispendida, emerge o conflito entre sinais...

Há um aspecto que vale a pena citar. Estes jovens não têm os mesmos rituais linguísticos que nós tínhamos. Na minha geração, a linguagem era um instrumento de sedução em que a rapariga deixava que as palavras a tocassem afectivamente. Aflorar com a mão o joelho trémulo era o mesmo que ir buscar uma citação de um poeta: mostrava-se entre duas pessoas um espaço de encanto e delicadeza. Hoje, rapazes e raparigas falam exactamente a mesma linguagem, feita de piadas algo boçais e convites explícitos. A linguagem não tem zonas secretas nem assimetrias sexuais. Instrumentalizou-se sem invenção nem insinuação. Os códigos amorosos perderam subtileza e requinte.

Pois... o tal requinte perdeu-se! Os códigos amorosos passaram-se para outros registos, aparentemente com outras chaves de decifrar e de uma época de leituras e mais leituras, sufragadas em tertúlias de emulação, desemboca-se, segundo EPC numa aparente alarvidade codificada em sms.

Será mesmo assim?!

Entre a geração de EPC e a minha, medeia o tempo da televisão dos anos sessenta. As leituras da pré-adolescência para mim, rapaz do campo e da cidade, eram facilitadas por bibliotecas ambulantes, financiadas pela Gulbenkian, por inacessibilidade dos livros. E a música popular passou a contar, por entrar nos tops e as rádios passarem os hits.

Todavia, foi nos anos sessenta que se firmaram certas ideias que os EPC que leram o Nouveau Roman, tomaram como destino fatal da humanidade- e enganaram-se, redondamente. Acreditaram piamente, já na adolescência retardada, que a intelectualidade francesa era o sol que iluminava, por excelência, os espíritos incultos e essa intelectualidade fulgurante de Sartres, Robbes Grillets, Sollers, Lacans e tutti quanti, traduzia o nec plus ultra do pensamento contemporâneo e que se reflectiu inevitavelmente em saberes para manuais escolares. Daí a Maio de 1968 foi um passinho de alguns anos apenas.

Alguma dessa mitologia, transformada em tralha ideológica, enformou-nos o ensino durante décadas. Ou não foi assim?! Onde foram beber os ideólogos dos manuais escolares e os pedagogos que têm orientado o nosso ensino de há décadas a esta parte? Quem os ensinou?

A perplexidade de EPC ao verificar o vazio dos "códigos amorosos" ( até esta expressão é sintomática!), dos adolescentes da actualidade, tem explicação e ela reside a meu ver, em parte na educação recebida e nos "códigos" de ensino actualmente plasmados nos manuais e no "ar do tempo".

Então, é altura de perguntar...

Qual foi a geração que delineou este "código" de ensino? A que geração pertencem os brilhantes pedagogos que temos?! De que lhes serviu essa paixão assolapada por intelectuais cujas ideias, em muitos casos, se revelaram um logro? Alguma vez fizeram o mea culpa que aprenderam na cartilha? Finalmente, estarão dispostos a mudar?

Os miúdos de hoje são o produto da educação de ontem- e ontem já foi há muito tempo. Tanto como o que Eduardo Prado Coelho já conta. É assim a vida.

Publicado por josé 11:25:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    Brilhante! O Boaventura, a Filomena Mónica e o EPC que se cuidem. Temos mestre.
    Luís Bonifácio said...
    Nunca concordei com o epiteto de "geração rasca" que Vicente Jorge Silva baptizou os teenagers de hoje. Concordo em absoluto com o texto do José, pois "Rasca" é a geração que ensinou (talvez "não ensinou" seja mais apropriado) os teenagers de hoje.
    António Viriato said...
    Alto lá, veneráveis ! A geração rasca é mesmo rasca, ainda que tenha sido mal educada pelos que assim a classificaram. A cada um, segundo a sua responsabilidade... Não branqueemos situações, nem escamoteemos a realidade... Além disso, O Altíssimo não condenou inexoravelmente ninguém às trevas. Hoje até existem muitos mais meios de formação do que dantes, para sacudir o espesso manto daquelas... E, contudo, o resultado de tudo isso é menos que sofrível... Lá vêm os testes de aferição internacional para no-lo lembrarem... É tempo de acabar com a comédia da desresponsabilização ilimitada da Democracia Virtuosa...Afinal, o livro único ainda ensinava alguma coisa de válido... Ai, Portugal, Portugal... Vê se não voltas a Condado outra vez...

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