Achas para uma fogueira

O flagelo das propinas nos EUA

O que está actualmente a acontecer no ensino universitário americano dá toda a razão a todos aqueles que se insurgiram contra a aplicação indiscriminada de propinas no sistema universitário, especialmente num país com graves carências educacionais como é caso português. Para que se possa ter uma ideia do verdadeiro flagelo que está a acontecer no ensino universitário americano, vamos aos números:

- Nos últimos 10 anos as despesas de inscrição nos estabelecimentos públicos universitários subiram 47%, nos privados subiram 42%.

- 600 mil estudantes por ano abandonam os estudos antes de obter o diploma final por causa de dívidas incomportáveis contraídas para pagar os estudos.

- A dívida média de um aluno que acaba o curso de direito: 80 000$ (36 000$/ano salário de um emprego de início de carreira)

-17,9 milhões de americanos com idades compreendidas entre os 18 e os 34 anos não possuem qualquer cobertura médica de base.

Resulta deste tipo de políticas um sistema de ensino universitário orientado para alunos de famílias ricas e para uma reduzida minoria de alunos que conseguem obter bolsas por mérito estudantil atribuídas por algumas empresas privadas e pelos ministérios da educação e da ciência de países europeus e asiáticos. Não estranha pois que os EUA tenham o Presidente que têm, um indivíduo que era um exemplo de insucesso escolar transformado num licenciado em Yale. Um medíocre rico pode ser o que quiser, um bom aluno pobre arrisca-se a ter que abdicar dos mais altos graus do ensino.

Quem defende o regime de propinas (há até quem diga que são baratas em Portugal) deveria reflectir seriamente sobre este exemplo. Porque este é um exemplo claro como a água.

Adoptou-se um determinado tipo de política e os resultados são o que são.

É certo que os EUA continuam a ter as melhores universidades do mundo, mas é do conhecimento geral que a Europa ultrapassou vertiginosamente a produção científica dos EUA há cerca de dois anos e estudos recentes indicam que as empresas de países europeus como a Alemanha e a França - que não adoptaram esta política de propinas - são neste momento em média mais produtivas que as empresas americanas.

in Klepsýdra (Rui Curado Silva)

Publicado por Rui MCB 10:48:00  

18 Comments:

  1. Anónimo said...
    Então porque é que se acentua o sifão de investigadores europeus para as universidades americanas?
    Então porque é que a revista Time publicou um artigo em 2004 onde os europeus, sobretudo alemães e franceses, se queixam do sistema existente? Lembro-me do caso de um investigador alemão que após o doutiramento nos EUA regressou ao país natal interessado em trabalhar na Alemanha, tendo recusado convites nos EUA. Quando teve de prencher 4 impressos para requisitar um PC em 2ª mão, começou a ver a vida a andar para trás e regressou aos EUA.
    Então porque é que os investigadores em França, em 2004, estiveram não sei quantos dias em greve de protesto contra o sistema francês.
    zazie said...
    Creio que o JB já disse tudo. É isso que se passa e não é nos EUA que as coisas são más para professores e investigadores. Aí até são bem pagos e há uma enorme possibilidade de variantes de bolsas para tudo.
    Agora em Inglaterra há famílias que se hipotecam para poderem colocar os filhos no ensino privado de modo a entrarem numa universidade. Isso é totalmente verdade. E os profs são muitíssimo mal pagos. Os do liceu então nem se fala. Até por acaso já comentei o caso com alguns e perguntando de que modo podiam continuar a manter um ensino de qualidade com tão má oferta monetária (pública e privada).
    Já o campo da investigação tem outro tipo de condicionantes. Tudo o que é meramente teórico tem muitos mais cortes. Nas bolsas, na possibilidade de se tornar investigador, em tudo. O patrocínio tecnológico e utilitário está cada vez mais à frente. E isto vale tanto para países com altas propinas como para França que não as tem.
    zazie said...
    agora o que existe por lá é que não tem paralelo na nossa terra. Já imaginaram alguém a fazer post doc em Oxford no ramo de Ciência Teórica e depois voltar para os EUA para ser bate chapa numa oficina de automóveis? Ou ser trolha num país de leste e fazer investigação em movimentos caóticos nos tempos livres?
    E não são casos esporádicos. E o status não conta como cá. Até porque, como já contou o bacano do Memória Inventada, o homem do lixo ganha mais que um investigador ":O)))
    zazie said...
    mas valia a pena fazer-se uma investigação num outro sentido. Comparar as exigências feitas aos profs para se subir na carreira por cá com as que são praticadas lá fora.
    Eu pergunto onde é que existe, a nível liceal, a possibilidade de não se dar provas de competências específicas e poder ter um emprego vitalício e chegar ao topo à custa de formações onde se aprende a fazer tricot, onde se ensina e mal como colocar uma nota de rodapé num texto de word ou como disparar uma máquina fotográfica automática. E isto tanto seja para a especialidade do ensino da biologia como da filosofia ou da matemática.
    Já para não falar na possibilidade de se acumular mil e um cargos em mil e uma universidades, mesmo sem precisar de la colocar os pés e ainda se ser um ilustre político, comunicador social ou deputado de carreira e próspero gerente comercial de empresa pública...
    zazie said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    Anónimo said...
    Nunca estudei numa universidade portuguesa, mas ensino há trinta anos no Canadá. Aqui não há universidades privadas, mas a bagunça é a mesma. Com uma grande diferença: os estudantes também pagam propinas elevadíssimas e os gestores académicos apenas são "accountable to themselves". Por outras palavras, as universidades canadenses são "de jure" públicas, mas funcionam como se fossem privadas. Se bem que os fundos venham da bolsa dos contribuintes e das propinas, ninguém as controla. Como diz o rifão: The grass is always greener on the other side of the mountain.
    Manuel said...
    "é do conhecimento geral que a Europa ultrapassou vertiginosamente a produção científica dos EUA há cerca de dois anos e estudos recentes indicam que as empresas de países europeus como a Alemanha e a França - que não adoptaram esta política de propinas - são neste momento em média mais produtivas que as empresas americanas." (sic)

    Será... Eu, como rústico que sou, gostava de mesmo é de ver os tais estudos...
    Anónimo said...
    Na mesma linha de ideias do Manuel, também eu gostaria de ver as ditas estatísticas que dão a superioridade à investigação europeia. São mais umas balelas dos medíocres...O que eles têm é dor de cotovelo. Digam lá para donde querem ir (e vão!) quase todos os Prémios Nobel...que se saiba, não é para Coimbra ou a Sorbonne! Bull shit! Ou, mais à portuguesa, dor de cotovelo!
    zazie said...
    Foi um momento de descontracção “:O)))
    Rui Curado Silva said...
    Como podemos ler neste artigo já de 2003 do Economist:

    http://www.economist.com/printedition/displayStory.cfm?Story_ID=1974475

    "The figures certainly show that when they are actually at their desks (or lathes) the Germans, French and Dutch (though not the British) are more productive than Americans"

    É que na Europa a média de tempo de férias é 6 semanas. Nos EUA é 15 dias e não são obrigatórias.
    zazie said...
    este artigo é treta. É óbvio que o nível de produtividade nos EUA ultrapassa em muito o Europeu. E isto pode ser confirmado por quem já trabalhou lá. E nem creio que tenha a ver com as férias. É diário e é produto duma exigência e competitividade muito maior.

    Agora que seja desejável ou agradável como forma de vida isso é outra coisa ";O)
    Rui Curado Silva said...
    Zazie, criam-se mitos neste planeta que estão errados e depois dizemos que é óbvio, o que está de facto errado.
    Já que achas que o artigo da Economist é treta, sem fundamentares a tua opinião, escolhi "quem já trabalhou lá" e trabalhou cá na Europa para te dar uma resposta mais clara. Jeremy Rifkin é americano e presidente da Foundation on Economic Trends em Washington e também já trabalhou em vários países europeus. Portanto conhece bem a diferença entre os dois continentes. Eis o que escreve Rifkin:

    "Americans have long believed that our workers are the most productive in the world. (...) Nontheless, in 2002, the average worker in Norway produced $45.55 of output per hour, compared to $38.83 per hour in the U.S.. Belgium, Ireland and Netherlands also produced more output per hour than the U.S. (...) Germany in 2002 enjoyed higher productivity per hour worked than America. The average worker produced $39.39 of output per hour. And the coup de grâce? French workers produced $41.85 of output per hour, or $3.02 more output per hour than American workers."

    A cereja em cima do bolo é que os Franceses foram mais produtivos que os americanos em 2002 num regime de trabalho de 35 horas semanais, o que desafia toda a lógica dos mitos (esses sim grandes tretas) criados pelos empresários americanos.
    Rui Curado Silva said...
    A referência do texto de Rifkin é do livro "The European Dream", Polity, 2004
    http://www.amazon.com/exec/obidos/tg/detail/-/1585423459/qid=1102943163/sr=1-1/ref=sr_1_1/102-9316115-0124922?v=glance&s=books
    Anónimo said...
    Então se a Europa é mais produtiva que os EUA para que é precia a estratéfia de Lisboa? Qual era a sua finalidade?
    zazie said...
    Olha, eu cá não conheço o Rifkin mas conheço o meio académico para te dizer que isso está errado. E quanto à produção empresarial por acaso estive a falar sobre o assunto no Natal com quem está por dentro e trabalhou na alta finança de Chicago e Nova Iorquina. E estivemos precisamente a falar dessa questão óbvia: o raio dos gajos têm um ritmo de trabalho lixado a que não há hipótese de fazer frente.
    E só mais uma coisa: eu não andei à pesca destas informações em nenhum jornal nem por qualquer motivo ideológico anti-americano ou pró -americano mas porque o assunto envolvia pessoas concretas que conheço.
    ";O)
    zazie said...
    agora posso-te dizer uma coisa. Referia-me à investigação de topo e trabalho empresarial de topo. Porque, se fores para o trabalho mais baixo aí és capaz de ter surpresas. Por exemplo uma que também desmente um mito muito usado politicamente: trabalha-se muito mais horas cá, possuindo muito mais habilitações que os gerentes das próprias empresas do que lá fora ":O))
    E por cá ganha-se muito menos. Essa é que é essa...
    Que isto do ritmo de trabalho também tem muito que se diga e não pode ser aferido apenas com a ideia vaga de empresa e de produção. Há muito mais diferenças.
    zazie said...
    e mais: o mesmo tipo de trabalho pode ser comparado entre os EUA, a Europa e nós e eras capaz de encontrar mais horas de trabalho cá, piores pagas, e com menor rendimento. O que tu tens lá fora é muito mais exigência e os EUA têm-na mais do que todos os outros.
    zazie said...
    mas ia jurar (posso estar enganada) que esta história já tinha originado debate na blogosfera envolvendo o bacano do Jorge Palinhos. E o que aí se disse foi mais ou menos isto. O número de horas não serve para aferir produtividade.
    Mas eu cá de economia não pesco nada ":O)))

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