Ar puro, precisa-se!

Daqui a dois meses, temos eleições! Para escolher quem nos representará no Parlamento e quem nos governará, executando políticas de ensino, saúde, economia, justiça e as suas múltiplas declinações . A escolha para preencher os 230 lugares sentados do Parlamento, far-se-á entre listas de nomes que são apontados pelos directórios dos partidos.

Há muito que se discute a qualidade dos nossos políticos e políticas e se critica a falta delas. É até um lugar comum, dizer que em Portugal os políticos são maus - como se a excelência fosse regra e essa guarda avançada da sociedade, a excepção triste.

Entre os estudiosos do fenómeno avultam empiristas que debitam as suas teses em crónicas de fim de semana e há doutorados que as expôem em entrevistas de hora e meia, em conversas fragmentadas.

Neste grupo, anda Marques Bessa, professor do ISCSP e que na semana passada, em entrevista ao O Diabo, aviltrava, perguntado sobre o modo de erradicar a mediocridade da política...

Schumpeter, historiador e ministro da economia austríaco da década de 30, teorizou sobre a mediocridade na política. Seguindo a sua teoria, a mediocridade na política pode ser extinguida( sic) com a despartidarização da política abrindo esta actividade a outros quadrantes da sociedade , movimentos e associações cívicas, estabilizadas e com credibilidade. (...) Schumpeter constatou a dependência das elites das estruturas do Estado dos partidos, prevendo a sua degradação inexorável. Robert Michaels com a sua "Lei de Ferro da Oligarquia" quando tentou encontrar democracia no partido social democrata que investigou, deparou-se com uma forte ditadura partidária que só admitia para os postos-chaves quem muito bem entendia.
A seguir, à pergunta “Reformar o sistema político a fundo seria uma solução?, o prof. responde...
Uma reforma política profunda poderia dar uma certa saúde à democracia portuguesa, mas isso nenhum partido quer porque trucidaria valores próprios dos partidos. Como reparará, as forças políticas só falam no bem do partido, ou seja, no seu bem próprio, como ganhar as eleições, como explorar as fraquezas alheias, etc. Está errado: deviam pensar o que é que convém ao interesse do país e o que é que podemos fazer mais ou corrigir o que os nossos antecessores fizeram! Mas realmente o que fazem na prática, é ocupar lugares deixados vagos e continuarem na mesma política chã.

Depois de ler isto, apetece colocar estas questões a um Sérgio Sousa Pinto ou a um Marco António... sim, porque a um Marques Mendes, já não valeria sequer a pena.

Vasco Pulido Valente, esta semana, dizia a O Independente algumas coisas sobre o assunto.

Independente- Num artigo que escreveu há pouco tempo enumerava uma série de razões para termos maus políticos. Uma delas explicava que a política pode ser “uma vadiagem reconhecida e glorificada que atrai os piores”. Estava a pensar em termos abstractos ou era um diagnóstico concreto da realidade portuguesa?

Vasco Pulido Valente - Nem uma coisa nem outra. Estava a dar a lista das razões tradicionais que se tem apontado sucessivamente em Portugal, desde que há governos representativos, para termos maus políticos. Uma delas é que a política é uma actividade má que atrai as pessoas más. Malformadas, desonestas, corruptas.

Ind.- Isto vem na sequência de um artigo que Cavaco escreveu no “Expresso” sobre os políticos incompetentes...

VPV- Não, não. O professor Cavaco escreveu sobre os maus políticos portugueses. Essa é uma polémica muito antiga. É uma ideia muito velha que começa com Saint Simon no século XIX e que continua com Comte. Comte foi talvez, até mais que Marx, uma grande influência no pensamento político português. Por um lado, pelo “parti-pris” que tinha com os políticos que o levava a desejar uma sociedade dirigida por tecnocratas. Essa influência também se nota pela crença de que a melhor maneira de desenvolver economicamente uma sociedade é educar as pessoas. São ideias muito antigas e desactualizadas.

Ind
.- Vamos por partes. Porque é que um político não precisa de ser um técnico competente?

VPV
- O político tem é que ser capaz de gerir as forças sociais de maneira a introduzir certas reformas e ser capaz de escolher as reformas certas. Isso é que é o bom político. Um bom ministro das Obras Públicas não precisa de saber fazer pontes. Precisa de saber se se deve fazer a ponte ou não, onde é que se deve fazer e que espécie de ponte. Depois precisa de saber transmitir às pessoas a necessidade da ponte. Mas não tem que saber como é que se faz a ponte.

Ind
.- E porque é que a educação não é fundamental para o desenvolvimento do país?

VPV
-Nós temos dezenas de milhares de licenciados no desemprego. E já temos muita gente com mestrados também no desemprego.Uma das principais razões pelas quais temos tão maus resultados no ensino secundário e taxas de abandono tão altas é que a economia não os quer. Claro que a principal causa foi a massificação do ensino.Mas se houvesse mercado eram os próprios alunos que desde muito cedo tinham interesse em qualificar-se.Como não há uma relação visível entre o mercado de trabalho e a educação, esta começa a ser considerada quase desnecessária.

Ind-A solução poderia passar por tornar a educação numa coisa elitista?

VPV
- Uma educação completamente democratizada deve ter instituições elitistas. Nunca se pode fazer é aquilo que se fez em Portugal, que foi acabar com todas as instituições de elite. Deixa de haver um metro. E todos os sistemas de ensino precisam de ter um metro.Aquilo a que se chama em Portugal instituições de excelência não o são.Deixámos de ter um metro.Veja, por exemplo, que com tantos constitucionalistas ilustres continua a haver buracos na Constituição e se o primeiro-ministro tivesse abandonado funções, como ele chegou a ponderar com uma irresponsabilidade totalmente devastadora, que sempre foi a dele, aliás, criava-se uma crise constitucional gravíssima.
(...)

Ind
- Mas, fazendo parte da elite intelectual portuguesa, não deveria ter um papel de mudança mais activo?

VPV
- O problema não é de pessoas mas das instituições políticas portuguesas que promovem a escolha da mediocridade. Os círculos eleitorais actuais são enormes e favorecem a entrada na política das pessoas que querem tratar dos seus negócios. No Parlamento, onde se sentam 230 deputados, bastaria que lá estivessem 50 para funcionar em pleno.Todas as decisões são tomadas pelos chefes dos grupos parlamentares, os outros estão lá para se sentaram e levantarem quando os mandam. Os outros deputados não estão lá para dizer nada e ninguém espera que eles digam nada. Nem sequer sabemos o
nome dessa gente. Esta carreira política que não promove o mérito não atrai e não pode atrair ninguém de qualidade. Isto não é novo: o Eça conta que em algumas casas da burguesia os políticos não eram recebidos porque as senhoras tinham nojo.

Ind.- Foi membro do Governo e deputado. Chegou a ser político?

VPV
- Durante o período da Aliança Democrática, em 1978/80, a política era a minha profissão. Em 1995 estive lá durante escassos três meses e meio.
Ind.- Os círculos uninominais seriam uma solução para trazer os melhores para a política?

VPV- As coisas podem ficar ainda pior com um Parlamento cheio de Valentins Loureiros e de Avelinos Ferreira Torres,mas nesta República já percebemos que os que lá estão não servem; então, vamos experimentar outros. Os círculos uninominais põem as pessoas mais à prova e permitem que se assumam mais responsabilidades. Penso, por outro lado, que só membros eleitos dos partidos deviam eleger o respectivo chefe porque só eles têm responsabilidades perante o povo.Os delegados dos partidos são eleitos por pequenas maiorias que não representam ninguém e não têm qualquer responsabilidade perante o eleitorado. Estão lá para decidir que empreiteiro constrói a escola e a rotunda.As pessoas são eleitas chefes por serem as melhores segundo a máquina partidária e mais susceptíveis de ganhar as eleições. Não são os melhores que são escolhidos para defender os interesses do país e esta situação repele as outras pessoas a entrarem na política.

Hoje, no Público, um grupo de Docentes da Faculdade de Economia do Porto - Paulo Amaral de Sousa, José Peres Jorge, Maria do Rosário Moreira, Rui Henrique Alves e Samuel Alves Pereira- escreviam em colectivo, um artigo com algum interesse sobre a matéria, onde, além do mais, diziam...
Para nós, como para John Galbraith - esse grande economista de Harvard que tão profundamente estudou o Poder -, existe uma mais preponderante fonte de poder: a organização. É que ainda nenhum estudo ou inquérito foi feito para que se apurasse o número e a qualidade de todos aqueles que tomam (ou tomariam) a iniciativa individual de se aproximar da política e que são, pura, simples e literalmente, esmagados nas suas mais nobres pretensões por essas gigantescas máquinas que são os aparelhos partidários. Como podem aqueles jovens, os mais capacitados, os mais sonhadores, os mais tocados pela vocação política - que os há ainda muitos - combater sozinhos a barragem intransponível que enfrentam nas portadas dos partidos? Como podem eles se levam como únicos aliados os seus ideais? O pé do elefante é demasiado pesado mesmo para a mais determinada formiga... Por vezes apelam à participação destes sonhadores, sim, mas apenas para fazer número, para fazer de figurantes, em jantares e em festividades do partido...

É aos líderes que compete fazer cair estas barreiras. Têm essa responsabilidade patriótica, esse dever cívico. No entanto, no discurso político oficial e oficioso destes não se lobriga o menor vislumbre de intenção ou de planos de promoção da qualidade no seio das organizações que dirigem. Se eles não tomam a iniciativa de facilitar o acesso de gente de qualidade aos partidos, quem mais a poderá tomar? Os melhores bem que podem acorrer todos aos partidos... mas de lá todos vêm recambiados, pois que não vão em grupo organizado, ou sequer em grupo. Se estivessem organizados, constituiriam uma força política e o problema de que padece a nação portuguesa não existiria.

Talvez o escrutínio público pressione os líderes a deixar vingar os mais competentes nos partidos. Por isso, aqui fica uma palavra de repto à comunicação social: perguntem aos dirigentes partidários, todos os dias, todos os meses, todos os anos, nas televisões, nas rádios, nos jornais, pelas medidas que tomaram, nesse dia, nesse mês, nesse ano, para promover a vinda de novos valores para a vida política. “


Não estou a ver como é que o PS e o PSD, num futuro condicional, vão mudar o ambiente político, expurgando-o dos espectros que lhe empestam o ar... e por isso vamos continuar a ler cronistas, professores e comentadores a lamentarem o ar que respiram.

Não será tempo de fazer entrar ar puro, como diz um outro para aí?!

Publicado por josé 18:38:00  

1 Comment:

  1. António Viriato said...
    O ar puro, para entrar, precisaria de uma janela, acanhada que fosse. E, essa, só à custa de muita luta, perseverante e socialmente incómoda, se conseguirá abrir. Talvez só com uma refundação geral, que, a meu ver, deveria atingir os dois principais partidos da Parceria Nacional.De contrário, continuaremos a assistir a este funesto espectáculo e a ouvir analistas, como V.P.Valente, eternamente irados, descrentes e até cínicos, deixando a Pátria num desespero, com as suas desgraçadas profecias.

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