"O Titanic afunda-se e a orquestra toca"


  • 1. Porque o anúncio feito pelo Governo de medidas contra a evasão e a fraude retirou o condimento principal da discussão; e porque, em geral, ainda se não percebeu quando, como, porquê e pelas mãos de quem as nossas finanças públicas caíram no atoleiro em que se encontram, o Parlamento propiciou um paupérrimo ritual no debate orçamental. Foi um festival de confusões e de trivialidades. Quanto ao essencial, nada se disse.

  • 2. Só a análise sobre um passado dilatado, e não o do ano anterior, permite a formulação de ideias com sentido útil. O Quadro anexo, que abrange um quarto de século, mostra logo que:

    • 1º). As despesas públicas totais subiram, entre 1980 e 2004, quase 20 pp. do produto (coluna 5);

    • 2º). As despesas sociais elevaram-se em quase 14 pp. (coluna 5);

    • 3º). O peso das pensões no produto (SS + CGA) cresceu 9 pp. o que representa, só por si, quase dois terços do agravamento das despesas sociais;

    • 4º). A saúde, a ADSE e a educação aumentaram o equivalente a 4 pp., ou seja, perto de um terço da subida das despesas sociais.

  • 3. O alcance do financiamento fiscal dos gastos públicos, em 1980 e em 2004, resulta do quadro anexo e processa-se do seguinte modo:

    • 1º). As despesas totais ultrapassavam em 28% as receitas fiscais, em 1980 e, em 2004, excediam-nas em 38% (colunas 2 e 4);

    • 2º). O “défice fiscal” elevou-se, por isso, em 7 pp., atingindo já quase 14 pp. do produto, em 2004(1);

    • 3º). A fracção dos impostos absorvida pelas despesas sociais subiu de 60% em 1980 para 76% em 2004 (colunas 2 e 4).

  • 4. Entre 1980 e 2004 acentuou-se a divergência entre o ritmo do crescimento económico e o do aumento das despesas, nos seguintes termos:

    • 1º). A riqueza produzida em 2004 é 80% mais elevada que a de 1980;

    • 2º). Quanto às despesas: as totais, aumentaram 200%; as sociais, 260%; e as das pensões (SS + CGA), 520%;

    • 3º). Os impostos subiram menos que as despesas e atingiram mais 180%. É este desajustamento, profundo e prolongado, durante um quarto de século, entre o volume da riqueza criada, o dos impostos arrecadados e o da expansão das despesas, que suscita as dificuldades orçamentais actuais e gera as maiores preocupações sobre a situação financeira do Estado Português, já a médio prazo.

  • 5. A progressiva debilitação da capacidade fiscal para o financiamento dos gastos públicos é uma evidência. Mas acentua-se fortemente nos anos 90. É então que as despesas primárias totais registam um crescimento que se situa entre +11% e +12% do produto, muito acima do que ocorreu em qualquer dos demais países da UE/15(2). O desmando da política das despesas, praticado nesse período em Portugal, ultrapassa quaisquer limites admissíveis. Especialmente, porque à custa da queda abrupta dos encargos com os juros e da realização de receitas não fiscais, em montantes muito avultados. Com efeito, as privatizações e as transferências da UE terão totalizado, entre 1995 e 2000, cerca de 35 000 milhões de euros, quantia equivalente a 6% do Pib acumulado nesse período(3).

  • 6. As políticas orçamentais de despesas, da parte final dos anos 90, fizeram um aproveitamento exaustivo desta inesperada, transitória e enorme folga financeira. Mas criaram ao Estado português compromissos permanentes, em especial com os salários públicos, com as pensões e com o rendimento social de inserção. Logo em 2001 e nos anos seguintes, aconteceu o que parece não ter sido previsto: a rápida tendência das privatizações para zero e as descidas significativas das transferências da EU. Estas foram, em média anual, de 4% do Pib, entre 1995 e 2000; baixaram para 3% entre 2001 e 2003. A significativa “perda” de receitas, que ocorreu nestes últimos anos, relativamente às privatizações e às transferências da UE é, então, da ordem dos 3 pp. do Pib anual, quando comparada com o período decorrido entre 1995 e 2000.

  • 7. Houve ainda mais facilidades financeiras, surgidas na década de 90, que resultaram da queda dos encargos com os juros: aproximadamente, de -5 pp. do produto (de 1990 a 2000). As despesas correntes registaram, em consequência, um grande e surpreendente alívio, não resultante de qualquer acção política directa. A seguir, a nossa economia desacelerou, até à recessão; o nível dos encargos do Estado com os juros deixou de baixar; quase cessaram as privatizações; e caíu o peso relativo das transferências da UE. Apesar disso, as pensões e os salários públicos continuaram a crescer, implacavelmente, sob o impulso do seu automatismo legal. Foram assim assumidas pesadas obrigações permanentes, pelo Estado, a satisfazer com receitas transitórias e aleatórias, e alívios de curto prazo provocados pela estabilização das taxas de juros. Aqui surge a crise orçamental que vivemos.

  • 8. Este panorama, desastroso e evitável, tem um tempo conhecido de concretização e causas identificáveis. Bem problemática é agora a reparação dos estragos causados duradouramente às contas públicas portuguesas. Para tanto é essencial que os mais altos responsáveis políticos percebam, enfim, certas coisas simples mas fundamentais, a saber:

    • 1ª). Que uma economia que cresce durante um quarto de século à taxa anual média de 2% não pode sustentar, ao longo de mais outro quarto de século, uma despesa pública que continua a subir, anualmente, à taxa de 4,7%, porque se isto fosse pensável, as despesas públicas corresponderiam, em 2030, a 97% do Pib;

    • 2ª). Que o peso irresponsavelmente exorbitante atingido pelas despesas públicas de crescimento automático – salários e pensões – reduz quase até zero a margem de discricionaridade política que se pressuporia existir para qualquer orçamento;

    • 3ª). Que, se por mera hipótese, a nossa economia tivesse continuado a crescer ao ritmo dos anos 60 – dado que, inconscientemente, terá sustentado o modelo constitucional de 1976 -, em 2004 o Pib rondaria os 540 000 milhões de euros e a despesa atingiria um nível equivalente a 13%; mas, quedando-se de facto pelos 133 000 milhões de euros, o peso da despesa representa uns inviáveis 51% do Pib (4);

    • 4ª). Que, ou a economia acelera fortemente, ou as despesas perdem peso relativo e baixam para níveis sustentáveis, ou a crise financeira pública progredirá ameaçadoramente;

    • 5ª). Que, para evitá-la, são necessárias reformas urgentes, profundas e difíceis.

  • 9. Sem comandante, sem imediato e sem rumo, vamos navegando à deriva, arrastados para o Sul e a perder de vista a Europa. Paralisada, a elite politicamente activa e responsável aguarda, sem vergonha, a sentença severamente condenatória que será proferida pelos seus filhos; confusa, ela escuta com ingenuidade os que balbuciam irrelevâncias, mesmo assim não fundamentadas objectivamente; assente na certeza de um futuro pessoal confortável, ela promove só com palavras a justiça social e age como seu principal coveiro; acriticamente e fora do tempo, ela não percebe que o passado luminoso dos “30 gloriosos” é só passado; ela rotula, levianamente, de neoliberais os que se limitam a fazer contas e a mostrar que o perigo não vem das ideias mas da incapacidade que temos para criar riqueza suficiente. Sem as reformas não venceremos o atraso que está na base da nossa debilidade. E a elite politicamente responsável não consegue antecipar os efeitos, social e politicamente arrasadores, que uma crise profunda das finanças públicas provocará, num país com 4 a 5 milhões de pensionistas e funcionários públicos, mas com uma população de 10 milhões de habitantes.

Notas:
(1). ”Défice fiscal” em 1980 de 6,8% do Pib; em 2004, de 13,9%.
(2). Na Alemanha reunificada, entre 1990 e 2002 a despesa primária total subiu apenas 3,7 pp. do Pib.
(3). Os dividendos da PARPÚBLICA entregues ao Estado não são objecto de publicação. Por isso, no texto considera-se como tais a totalidade das receitas das privatizações.
(4). Se o produto tivesse crescido anualmente 5%, entre 1970 e 2004, o Pib atingiria neste último ano 240 000 milhões de euros e a despesa pública os 28%.

Este artigo foi também publicado hoje no Diário Económico.

Publicado por Manuel 16:51:00  

8 Comments:

  1. josé said...
    Perante este quadro de catástrofe anunciada, a primeira coisa que me ocorreu, foi pensar que temos um país ideal para empreendedores: uma das poucas coisas que existe em abundância é a necessidade de criação de riqueza!
    Nesta lógica, não há saturação de mercados, parece-me a mim que sou um diletante nestas matérias ( e noutras também).
    Anónimo said...
    "Sem as reformas não venceremos o atraso que está na base da nossa debilidade"

    E que reformas são essas, Senhor dr. Medina Carreira?

    Acredito que o Senhor é um homem sério e que saberá aonde é que é preciso mexer e com quem nos nos devemos meter.É que anda para aí muito charlatão a vender gato por lebre. A começar por aqueles que vêm a iniciativa privada como a salvação. Acredite, trabalho na AP e desde que o outsorsing entrou na moda nunca se gastou tanto dinheiro.
    Pela minha parte dou a seguinte ideia: Uma discussão pública sobre aquele que deve ser o papel do Estado e por este, entenda-se o que deve ser ele a pagar, independentemente de quem o faz.
    Os meus cumprimentos e parabéns pelo artigo.
    Anónimo said...
    Em Portugal, às diversas formas de revolta contra o Estado, dos anos 60, sucederam-se, com excepções, os comportamentos dúbios a que quase todos se vêm entregado nas últimas 3 décadas, numa inconsequente exploração do Estado.

    A lucidez e rigor de alguns, como a do autor deste artigo, são atributos excepcionais que denunciam uma ausência de dissimulação mas implicam, porventura, o abrandamento do instinto vital, tão necessário a quem pretende sobreviver na política.

    Haverá um número significativo de figuras políticas com igual capacidade de análise para, em conjunto, fazer frente à ameaça de falência a que Portugal assiste? E, como Medina Carreira, terão bagagem e determinação para refrear o instinto de conservação que os impele à duplicidade? Permito-me duvidar, pela avaliação do comportamento da maioria dos dirigentes, nos governos que tenho conhecido.

    Em Portugal continua-se, atavicamente, a desmerecer das conquistas da democracia e a não saber utilizar os direitos de cidadania. A derrota do país, de que só alguns se vêm apercebendo, traduzir-se-á numa crescente vergonha nacional que exigirá uma atitude diferente do reiterado comportamento infantil dos portugueses acomodados, que aderem à incoerência e às promessas torpes e desconfiam do discurso do rigor.

    Ou será que, em situações de crise, o estigma do “salvador” é o único que compreendem?

    PR
    CCz said...
    Só podia ser deste senhor!
    Um artigo que começa por apresentar os factos... e elabora sobre os factos... só podia ser deste senhor!!!
    Que a voz não lhe doa e a mão não lhe pese.
    Anónimo said...
    Ora aqui está um artigo sério e profundo, sobre o problema que grassa Portugal: o excessivo peso do Estado na nossa economia e a sua despesa pública.

    O dr. Medina Carreira parece ser dos poucos, sobretudo na GLQL, que medita com peso, conta e medida e, expurgado da chicana politica, apresenta os problemas, tais como eles são. Excessivo peso do Estado na nossa economia, herdeiro das velhas ideias do "keynesianismo social-democrata", que surgiu durante os Trinta Gloriosos.

    Bate num ponto importante: "ela rotula, levianamente, de neoliberais os que se limitam a fazer contas e a mostrar que o perigo não vem das ideias mas da incapacidade que temos para criar riqueza suficiente."

    Na verdade, já começa a cheirar a mofo a velha ideia que os "malvados neoliberais" querem destruir o modelo social europeu, ou welfarestate, só porque sabem fazer contas, fazem-nas com seriedade e sabem que este nosso modelo de desenvolvimento, o português e europeu, está condenado ao fracassoà partida, sem uma profunda reforma do nosso Estado e, muito antes ainda, da nossa profunda mentalidade estatista, herdeira dos calabouços salazaristas.

    Talvez seja altura dos nossos decisores politicos e economicos acreditarem seriamente, em dois vectores de "ataque" às nossas debilidades estruturais: incapacidade produtiva (que se denota na nossa competitivdade e produtividade); Estado a mais e mau, que necessita uregentemente de ser reformado.

    Uma das reformas tão necessárias é a modernização da gestão dos recursos humanos do Estado. Ou seja, o Estado tem demasiados funcionários públicos (1 em cada 7 trabalhadores são funcionários públicos), mas necessita, antes de mais, reformular objectivos, processos e métodos, para uma verdadeira reforma do Estado. E só sabendo qual o papel do Estado e quais os serviços a prestar, é que se deveria despedir funcionários públicos que estão a mais em determinadas áreas e só depois admitir outros em áreas necessitadas.

    Outra das ideias fundamentais do dr. Medina Carreira é a forma como desmisitifica a gestão do prof. dr. Sousa Franco, que depois do malogrado sucedido passou a ser encarado como uma espécie de Ministro das Finanças sólido e exemplar, quando a sua função foi apenas suficiente e, até em muitos aspectos, co-responsável pela actual crise orçamental, económica e financeira.

    Mas, felizmente, o dr. Medina Carreira aponta vários caminhos. Um deles, evidentemente inadiável, é a reforma do Estado e o seu relacionamento com a sociedade. E só reformando o Estado será possível obviar à resolução dos nossos vários problemas estrturais. Talvez seja altura de pensar seriamente na privatização dos vários sectores onde o Estado detém importante papel, que manifestamente é incapaz, incompetente e muito penalizador das nossas finanças públicas. Por exemplo, o Estado deve garantir o acesso aos mais básicos serviços sociais, sobretudo nas camadas sociais mais desfavorecidas, mas deveria privatizar essa "produção". Falamos da Educação, da Saúde e até da imprensa, como TVs, radios e serviços de informação como a Lusa.

    No sector da Educação, por exemplo, todos os portugueses deveriam ter uma vergonha profunda do estado calamitoso a que se chegou. Portugal é dos países do mundo onde mais gasta dinheiro na Educação e tem dos piores niveis de formação da OCDE. O Relatório de Pisda envergonha-nos como cidadãos e como país.

    E neste sector da Educação, denota-se profundamente que o Estado é mau gestor e mau avaliador. Os sintomas da incompetência estatal estão à vista de todos. E é por falta de dinheiro? Não. Temos escolas bem equipadas a nível de infraestruturas; temos muitos professores; os professores são muito bem pagos; mas no entanto os resultados estão à vista. Francamente maus. Ou seja, gastamos muito dinheiro, mas mal gasto.

    Não seria altura de privatizar as escolas e o Estado apenas financiar os pais e não as escolas? Mudando profundamente as mentalidades reinantes? Dando plena liberdade aos pais de escolherem as escolas que mais julgam servir os interesses dos seus filhos? E dessa forma, também, mudariamos as regras de gestão das nossas escolas, principal pecha nacional?

    Podemos concluir este comentário com uma ideia fundamental, que dr. Medina Carreira explanou. Esta:

    "Que, ou a economia acelera fortemente, ou as despesas perdem peso relativo e baixam para níveis sustentáveis, ou a crise financeira pública progredirá ameaçadoramente"

    Na verdade este é uma ideia a reter por todos que se preocupam com a vida pública nacional. Dito de um modo simplístico, o crescimento da despesa pública tem que ser menor que o crescimento do produto. Esta talvez seja a melhor forma de mudar a trajectória negra da nossa economia, sem sacrificar demasiado o funcionalismo público e demais dependentes do Estado. Sob pena de criarmos uma crise social profunda.

    E analisando o presente, convém lembrar dois pontos importantes. Desde há muitos anos que a despesa pública primária cresce acima do produto e ganha peso relativo sobre o produto. Em 2004, a despesa pública primária deverá subir, ainda, cerca de 4%. Acima do produto nominal.

    Mas, infelizmente os críticos cegos ao actual governo e do dr. Pedro Santana Lopes, parecem não saber que, pela primeira vez em muitos anos, a despesa pública primária cairá em termos reais, segundo o OE para 2005. A despesa pública primária deverá crescer 1,8%, abaixo da inflação esperada, que é de 2%. Na nossa opinião, a inflação esperada é demasiado pessimista. Julgamos que em 2005, a inflação rondará os 1,5% anuais.

    Mas o mais importante é que a despesa pública primária crescerá negativamente ou será nula, com o produto a crescer cerca de 2%, ou mais. Ou seja, ao contrário dos críticos deste governo, a consolidação orçamental será feita pelo lado da despesa. Mas poucos analistas, devido aos seus profundos objectivos políticos e ao ódio ao dr. Pedro Santana Lopes, dão o devido valor.

    Do lado da receita, o OE para 2005 merece-nos especiais reservas. É crível que as receitas fiscais crescerão apenas cerca de 4%? Quando em 2004 estão a subir mais de 6%? Ou será táctica política, ou será conservadorismo previsional (muito salutar) ou o Estado reconhece que perderá a guerra contra a evasão fiscal? Estamos em crer que é uma mistura de táctica política (uma rasteira que quase todos estão a cair, fruto da sua cegueira contra o dr. Pedro Santana Lopes) e um conservadorismo prudente, para o caso de haver percalços económicos, sobretudo devido à alta do euro, petróleo e até as taxas de juro.

    Felizmente, algumas vozes conseguem pôr o dedo na ferida. O dr. Medina Carreira é uma delas. Ainda bem. Reflictamos mais e façamos menos chicana política. O país agradece.

    Bravo, dr. Medina Carreira.
    Anónimo said...
    Ora aqui está um artigo sério e profundo, sobre o problema que grassa Portugal: o excessivo peso do Estado na nossa economia e a sua despesa pública.

    O dr. Medina Carreira parece ser dos poucos, sobretudo na GLQL, que medita com peso, conta e medida e, expurgado da chicana politica, apresenta os problemas, tais como eles são. Excessivo peso do Estado na nossa economia, herdeiro das velhas ideias do "keynesianismo social-democrata", que surgiu durante os Trinta Gloriosos.

    Bate num ponto importante: "ela rotula, levianamente, de neoliberais os que se limitam a fazer contas e a mostrar que o perigo não vem das ideias mas da incapacidade que temos para criar riqueza suficiente."

    Na verdade, já começa a cheirar a mofo a velha ideia que os "malvados neoliberais" querem destruir o modelo social europeu, ou welfarestate, só porque sabem fazer contas, fazem-nas com seriedade e sabem que este nosso modelo de desenvolvimento, o português e europeu, está condenado ao fracassoà partida, sem uma profunda reforma do nosso Estado e, muito antes ainda, da nossa profunda mentalidade estatista, herdeira dos calabouços salazaristas.

    Talvez seja altura dos nossos decisores politicos e economicos acreditarem seriamente, em dois vectores de "ataque" às nossas debilidades estruturais: incapacidade produtiva (que se denota na nossa competitivdade e produtividade); Estado a mais e mau, que necessita uregentemente de ser reformado.

    Uma das reformas tão necessárias é a modernização da gestão dos recursos humanos do Estado. Ou seja, o Estado tem demasiados funcionários públicos (1 em cada 7 trabalhadores são funcionários públicos), mas necessita, antes de mais, reformular objectivos, processos e métodos, para uma verdadeira reforma do Estado. E só sabendo qual o papel do Estado e quais os serviços a prestar, é que se deveria despedir funcionários públicos que estão a mais em determinadas áreas e só depois admitir outros em áreas necessitadas.

    Outra das ideias fundamentais do dr. Medina Carreira é a forma como desmisitifica a gestão do prof. dr. Sousa Franco, que depois do malogrado sucedido passou a ser encarado como uma espécie de Ministro das Finanças sólido e exemplar, quando a sua função foi apenas suficiente e, até em muitos aspectos, co-responsável pela actual crise orçamental, económica e financeira.

    Mas, felizmente, o dr. Medina Carreira aponta vários caminhos. Um deles, evidentemente inadiável, é a reforma do Estado e o seu relacionamento com a sociedade. E só reformando o Estado será possível obviar à resolução dos nossos vários problemas estrturais. Talvez seja altura de pensar seriamente na privatização dos vários sectores onde o Estado detém importante papel, que manifestamente é incapaz, incompetente e muito penalizador das nossas finanças públicas. Por exemplo, o Estado deve garantir o acesso aos mais básicos serviços sociais, sobretudo nas camadas sociais mais desfavorecidas, mas deveria privatizar essa "produção". Falamos da Educação, da Saúde e até da imprensa, como TVs, radios e serviços de informação como a Lusa.

    No sector da Educação, por exemplo, todos os portugueses deveriam ter uma vergonha profunda do estado calamitoso a que se chegou. Portugal é dos países do mundo onde mais gasta dinheiro na Educação e tem dos piores niveis de formação da OCDE. O Relatório de Pisda envergonha-nos como cidadãos e como país.

    E neste sector da Educação, denota-se profundamente que o Estado é mau gestor e mau avaliador. Os sintomas da incompetência estatal estão à vista de todos. E é por falta de dinheiro? Não. Temos escolas bem equipadas a nível de infraestruturas; temos muitos professores; os professores são muito bem pagos; mas no entanto os resultados estão à vista. Francamente maus. Ou seja, gastamos muito dinheiro, mas mal gasto.

    Não seria altura de privatizar as escolas e o Estado apenas financiar os pais e não as escolas? Mudando profundamente as mentalidades reinantes? Dando plena liberdade aos pais de escolherem as escolas que mais julgam servir os interesses dos seus filhos? E dessa forma, também, mudariamos as regras de gestão das nossas escolas, principal pecha nacional?

    Podemos concluir este comentário com uma ideia fundamental, que dr. Medina Carreira explanou. Esta:

    "Que, ou a economia acelera fortemente, ou as despesas perdem peso relativo e baixam para níveis sustentáveis, ou a crise financeira pública progredirá ameaçadoramente"

    Na verdade este é uma ideia a reter por todos que se preocupam com a vida pública nacional. Dito de um modo simplístico, o crescimento da despesa pública tem que ser menor que o crescimento do produto. Esta talvez seja a melhor forma de mudar a trajectória negra da nossa economia, sem sacrificar demasiado o funcionalismo público e demais dependentes do Estado. Sob pena de criarmos uma crise social profunda.

    E analisando o presente, convém lembrar dois pontos importantes. Desde há muitos anos que a despesa pública primária cresce acima do produto e ganha peso relativo sobre o produto. Em 2004, a despesa pública primária deverá subir, ainda, cerca de 4%. Acima do produto nominal.

    Mas, infelizmente os críticos cegos ao actual governo e do dr. Pedro Santana Lopes, parecem não saber que, pela primeira vez em muitos anos, a despesa pública primária cairá em termos reais, segundo o OE para 2005. A despesa pública primária deverá crescer 1,8%, abaixo da inflação esperada, que é de 2%. Na nossa opinião, a inflação esperada é demasiado pessimista. Julgamos que em 2005, a inflação rondará os 1,5% anuais.

    Mas o mais importante é que a despesa pública primária crescerá negativamente ou será nula, com o produto a crescer cerca de 2%, ou mais. Ou seja, ao contrário dos críticos deste governo, a consolidação orçamental será feita pelo lado da despesa. Mas poucos analistas, devido aos seus profundos objectivos políticos e ao ódio ao dr. Pedro Santana Lopes, dão o devido valor.

    Do lado da receita, o OE para 2005 merece-nos especiais reservas. É crível que as receitas fiscais crescerão apenas cerca de 4%? Quando em 2004 estão a subir mais de 6%? Ou será táctica política, ou será conservadorismo previsional (muito salutar) ou o Estado reconhece que perderá a guerra contra a evasão fiscal? Estamos em crer que é uma mistura de táctica política (uma rasteira que quase todos estão a cair, fruto da sua cegueira contra o dr. Pedro Santana Lopes) e um conservadorismo prudente, para o caso de haver percalços económicos, sobretudo devido à alta do euro, petróleo e até as taxas de juro.

    Felizmente, algumas vozes conseguem pôr o dedo na ferida. O dr. Medina Carreira é uma delas. Ainda bem. Reflictamos mais e façamos menos chicana política. O país agradece.

    Bravo, dr. Medina Carreira.
    Anónimo said...
    Permitam-me discordar do Anónimo das 05:09PM.
    A lucidez e crueza da exposição de M.Carreira interroga-nos sobre um mal profundo e permanente: somos um povo que queremos ser uma coisa para a qual implica ter, mas que ainda não temos, nem sei se queremos ter.
    Ao confundir desejo com realidade somos incapazes de usar a razão, e a emoção que sobra oscila entre a euforia e a depressão.
    A propósito do Estado (ele é tanta coisa...):Não será que a insatisfação advém, não do evidente gigantismo iniciado ainda por Marcelo Caetano, mas da sua gestão efectiva, da qual os cidadãos estão completamente arredados e sem poderem exigir responsabilidades, quer políticas quer técnicas, pela sua (in)eficácia e pelos seus custos.(Estado - pai protector e repressor?!)
    Um governo baseado nos cidadãos administraria a coisa pública com transparência e equidade - exigindo de cada um consoante as suas possibilidades e desempenho, e satisfazendo cada um consoante as necessidades.
    Porque é que nunca vi um tal governo, nem senti esta sociedade como justa e solidária?
    Porque há quem se sinta mal numa sociedade de iguais, em deveres e direitos, e não tenha escrúpulos em conviver com a miséria e a hipocrisia.
    Iguais sim, mas diferentes na condição, no pensamento, na personalidade e nas escolhas.
    Os valores hedonistas e niilistas que dominam o nosso tempo não auguram nada de radioso para o futuro...
    Há que voltar a estudar o passado...onde há muita resposta para o Futuro!
    Mesmo que M.Carreira seja um profeta a pregar no deserto...alguém o ouvirá.
    Nós ouvimos...mas ignoramos.
    Pode é ser escutado daqui a 30 ou 40 anos.
    Tarde demais...

    Ass.Maria da Fonte II
    Anónimo said...
    Caro dr. Maria da Fonte, o problema do Estado não começou com o prof. Marcelo Caetano. Começou muito antes. Começou com a "terceira via salazarista", que qual "social-cristão", não acreditava nos "modernismos" capitalistas da industrialização e "sonhava" com um Portugal de tamancas controlado, condicionado e regulado pelo "Pai-Protector" Estado.

    O prof. Salazar não acreditava nas virtudes do povo e nas suas liberdades. Não acreditava que esse povo fosse capaz, sozinho, de se governar e pensar pela própria cabeça. Vai daí, acreditava nos falanstérios socialistas, herdeiros das corporações dos "mesteres artes e ofícios" da velha idade média. Controlados, regulados e condicionados pelo Estado, leia-se, o "sábio" prof. Oliveira Salazar.

    Se calhar isto não é bem assim:

    "A propósito do Estado (ele é tanta coisa...):Não será que a insatisfação advém, não do evidente gigantismo iniciado ainda por Marcelo Caetano, mas da sua gestão efectiva, da qual os cidadãos estão completamente arredados e sem poderem exigir responsabilidades, quer políticas quer técnicas, pela sua (in)eficácia e pelos seus custos.(Estado - pai protector e repressor?!)"

    Se calhar o gigantismo iniciado por Marcelo Caetano não é, nada mais, nada menos, que a social-"democracia" dos tempos da altura. Ou seja, crença profunda nas politicas keynesianas, inspiradas nos nórdicos, com uma democracia mitigada e assente em corporativismos saloios e na extensão do Estado. Pode-se dizer, até, que as politicas e modelos economico-sociais do eng. António Guterres são a maior expressão democrática do pensamento do prof. Marcelo, aplicado em tempos de democráticos. Basta atentar ao famoso "modelo social de emprego", empregos estatais, da chamada "Nova Maioria", nos processo de concentração empresarial, espécie de oligarquias internas para se lançar nos mercados externos, a chamada "internacionalização", à custa das boas margens financeiras internas para conquistar o mercado brasileiro, espanhol, ex-colónias e outras oportunidades que surgissem. A pouca crença nas nossas capacidades fizeram com que o eng. António Guterres abandonasse uma tentativa rumo ao pleno emprego, e em politicas fomentadoras da produtividade, e usasse o Estado como alavanca para criar um Estado-protector, com a admissão de 100 funcionários públicos por dia, durante o seu consulado.

    Dizer que a coisa começou em Marcelo Caetano não está correcto, à luz da história. A coisa começou antes, no pensamento anti-liberal e anti-capitalista do prof. Salazar. Que se estende até aos dias de hoje, nas reservas que tem a nossa esquerda, herdeiras das lutas anti-ditadura, mas também do pensamento económico e social do salazarismo, em especial do marcelismo e sua "terceira via".

    Mas o problema, que o dr. Maria da Fonte aponta como português não é exclusivo. O problema do excesso do Estado, e "da sua gestão efectiva, da qual os cidadãos estão completamente arredados e sem poderem exigir responsabilidades, quer políticas quer técnicas, pela sua (in)eficácia e pelos seus custos." não é caso único português. Este é um problema com que se debate a europa, em especial os países onde o Estado detém um peso excessivo. Basta atentar à Alemanha, França e, até, nas sociedades nórdicas, as primeiras a lançarem reformas "neo-liberais" e a baixarem o peso do Estado na economia.

    O caso português é especial, pois nunca tivemos um verdadeiro welfarestate, pois a nossa industrialização é tardia, e quando temos um ror de protecções sociais, já não temos sequer uma demografia que nos permita almejar sequer copiar os modelos esgotados do norte da europa. Por isso, vamos tarde, mas vamos a caminho do desastre, se nada for feito.

    Se só vai ser escutado daqui a 30 ou 40 anos? Não cremos. Felizmente tem sido a direita quem toma a dianteira no "pegar de frente os cornos do toiro", e avança rumo às reformas necessárias. Com a esquerda a contra-vapor e sempre atrasada na história. Tem sido sempre assim. Desde o fim do Conselho da Revolução à privatização da economia; desde o fim dos monopólios estatais à crença no orçamento equilibrado. A direita pode não fazer tudo bem, mas nas horas decisivas, contra tudo e todos, faz. E desde que tenham coragem para fazer as reformas necessárias...

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