"Krammer versus Krammer"
segunda-feira, novembro 29, 2004
O Senhor Conselheiro Simas Santos veio a terreiro abençoar o STJ e condenar uma jornalista a propósito de uma decisão polémica deste tribunal.
Teve o cuidado de apregoar a sua independência, pois não foi subscritor da decisão, embora, em qualquer caso, sempre seria de esperar que, mesmo comentando um comentário, fosse independente, pois um juiz, e muito mais do STJ, é sempre independente.
Ficou-me, porém, a dúvida se o Senhor Conselheiro, ao afirmar não ser co-autor da decisão quereria só marcar a distância, ou também quereria demarcar a distância.
Não conheço o acórdão do STJ e, mesmo que conhecesse, não o comentaria, pois já me ensinaram que se não deve comentar a sabedoria da estratoesfera sob pena de se pagar caro, mesmo sem se saber as razões ou a quem.
O caso, contudo, assume algum relevo, não apenas o concreto caso, mas pelo que ele significa e pela ressonância social que teve.
Demonstra, à saciedade, e só quanto a mim, quão longe da vida gravitam os nossos tribunais superiores, com suas doutíssimas decisões, tão doutas que, muitas vezes, os condenados nem percebem se o foram, ou por que o foram.
Com certeza, admito-o piamente, nesta questão, a razão estará tanto do lado do STJ e, daí que do senhor Conselheiro, como, por outra banda, do lado da jornalista cujas crónicas, digo-o sem receios e malgré tout, aprecio.
Do STJ porque, como STJ, tem sempre razão, dado que as suas decisões são insusceptíveis de recurso e, assim, definitivas. E isto não é de estranhar num estado democrático. De contrário, entraríamos num verdadeiro mito de Sísifo em que jamais se findariam as questões, os processos e as relações conflituosas. E ainda porque o veredicto que elabora é suposto estar fundamentado substancialmente (lei substantiva) e formalmente (lei adjectiva).
Do lado da jornalista porque é a voz, ou parte da voz, dos que não entendem, mas tentam entender, certo tipo de argumentos, certas fórmulas, certo esoterismo das decisões dos tribunais.
É óbvio que o comum dos cidadãos não olha para um acórdão do STJ como um Conselheiro, é óbvio que os olhos de uma jornalista não encaram uma decisão de um tribunal com as mesmas perspectivas de um juiz. Traz antes uma visão, aliás salutar, que não é jurídica, nem formal e, por isso mesmo, relevante e que deve merecer atenção por parte dos tribunais, aí incluso o STJ.
Os tribunais, se órgãos de soberania, não podem alhear-se da vida real, do sentimento do povo em cujo nome fazem justiça. Por mais tecnicista que seja uma decisão, por mais fundamentada nas leis e fórmulas, por mais que assente no cardápio das leis, a verdade é que, se, como no caso do "esturrar a comida", o tribunal não consegue fazer-se entender, algo está mal, a mensagem decisória não passou, a sua capacidade de convencimento ficou quedada a montante.
Por isso tudo, e por muito mais que não digo porque não vivemos em democracia, é que não vejo muito bem como é que se pode escapar ao comentário da jornalista e por isso me parece que o Senhor Conselheiro Simas Santos, que afirma não ser autor ou co-autor do acórdão, e seguramente que o não é, me parece, dizia, entrou num jogo de quase "Krammer versus Krammer".
Alberto Pinto Nogueira
Publicado por josé 15:25:00
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«Em resumo, esta a factualidade relevante para a determinação da pena. Analisada e ponderada à luz dos princípios e critérios subjacentes à previsão do art. 72.º CP, dela não resulta qualquer motivação susceptível de justificar atenuação especial da pena. Para além dos abalos psíquicos e de eventuais problemas/doenças do foro psiquiátrico, parece ainda que faltou a ambos - recorrente e vítima - tolerância, resignação, paciência e compreensão para ultrapassarem a tragédia da morte da filha. Refugiaram-se em comportamentos que conduziram à destruição do casal e, pior do que isso, à morte da esposa. Não são por certo algumas falhas reveladas pela vítima na confecção de alimentos, nem as saídas à noite para tomar café, ainda que não desse conhecimento ao arguido de uma deslocação; nem o facto de ter mostrado a barriga nas condições descritas; nem os levantamentos de dinheiro, ignorando-se em que condições e qual a motivação (sendo certo que as contas eram do casal); e nem a participação criminal apresentada contra a vítima, por ameaça com arma, quando não se provou qualquer ameaça nem a existência de arma; não são, dizíamos, estas circunstâncias (que o recorrente invocou como justificativas de atenuação especial) que revelam acentuada diminuição de ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ademais e não obstante o estado de saúde da vítima, depauperado a nível psíquico, o recorrente não deixou de reagir e com violência (maus tratos) àqueles comportamentos, os quais, de resto e tal como resultaram provados, nem sequer se mostram eivados de qualquer carga provocatória ou ofensiva da honra do arguido. A última agressão, incluída nos maus tratos ocorreu em 16 de Maio; em 18, o recorrente apresenta a tal queixa crime contra a esposa; e só em 28 veio a matar a mulher, por estrangulamento, após discussão por razões não apuradas. Ora, continuando o recorrente a negar qualquer intenção e vontade de matar a esposa; não apresentando quaisquer sinais de arrependimento; não se verificando qualquer provocação injusta ou ofensa imerecida; e nem se vislumbrando quaisquer outras circunstâncias de preponderante valor, há-de a pena encontrar-se na moldura legal do crime de homicídio simples, 8 a 16 anos de prisão, sem recurso a qualquer atenuação especial. Retomando as considerações já atrás expendidas, não perdendo de vista as necessidades de prevenção geral de ressocialização, que, no caso, até nem se afiguram de particular exigência, havemos de convir que a pena aplicada ao homicídio se apresenta de algum modo exagerada e desproporcionada à situação concreta. Na verdade, o arguido, com 44 anos de idade, é primário, foi emigrante na Suiça onde angariou poupanças que investiu em Portugal; dedicou toda a sua vida ao trabalho na construção civil; do casamento (com a vítima) teve dois filhos e sempre zelou pela sua educação, preocupando-se com o seu futuro; é considerado um bom pai de família e estimado por todos os seus amigos. Com a prisão preventiva que vem sofrendo, interiorizou já o verdadeiro sentido de uma medida detentiva. Aparte as desavenças conjugais (onde por regra não existe apenas um culpado) que conduziram ao crime em apreço, o arguido mostra-se socialmente inserido. Será o típico homicídio ocasional, que, com fortes probabilidades, não reincidirá após cumprimento da pena. Dai que se tenha prognosticado não serem de forte densidade as exigências de prevenção especial de ressocialização. Acresce que não terão sido alheias as condutas anteriores da vítima, designadamente os levantamentos bancários, deixando as contas do casal a zero, a ponto de o arguido ficar sem dinheiro para pagar o almoço; e, talvez isto, o detonador da raiva que conduziu ao homicídio! Não se esqueça que "a capacidade para cometer crime dormita em cada homem e sustentar o contrário é puro farisaísmo" (Figueiredo Dias,...). Muitas vezes, só falta aquele detonador! Tudo ponderado (...), considera-se mais adequada a pena de 10 anos de prisão pela prática do crime de homicídio. Cumulando-se esta pena com a que foi aplicada pelo crime de maus tratos a cônjuge, fixa-se a pena única em 11 anos de prisão (...)»
posto por Simas Santos | 29.11.04 | Blog Cum grano salis