a cartilha do Poder...

A reter a crónica de José António Lima no Expresso Online.


Está visto que não têm emenda. Depois de Gomes da Silva e de Morais Sarmento já terem sido suficientemente inábeis com o «caso Marcelo», depois de Bagão Félix ter dito que as empresas internacionais de notação financeira fazem as suas avaliações da economia portuguesa pelos títulos dos jornais, depois de tudo isto só faltava o ministro-para-todas-as-estações Álvaro Barreto vir borrar ainda mais a pintura. E veio mesmo.

Numa entrevista à Rádio Renascença e ao «Público», Álvaro Barreto fez algumas afirmações extraordinárias. E reveladoras da sua leveza política bem como da sua peculiar visão dos poderes numa sociedade democrática. Vejamos.

Diz Álvaro Barreto que «é perfeitamente normal que todos os empresários de todos os países adoptem políticas de não hostilização dos governos». Acrescenta que acha igualmente «normal que um empresário» como Pais do Amaral tenha dito a Marcelo qualquer coisa como: «Veja lá se não podemos encarar um modelo diferente que não crie esta hostilização». E que, se estivesse no lugar de Pais do Amaral, também «era capaz de o fazer. Não considero que seja pressão». A concluir as suas elucidativas divagações sobre o tema, Álvaro Barreto salienta, com bonomia, que «não há ninguém nos Governos que não tenha a tentação de influenciar a comunicação social quando ela é muito crítica. Uns fazem-no mais inteligentemente do que outros».

A concepção de Álvaro Barreto da relação entre o poder político e o poder económico, entre governos e empresários, é, por si só, ilustrativa. Nós, empresários, não vos hostilizamos, qualquer que seja o vosso partido, o vosso modelo de desenvolvimento, as vossas medidas ou decisões políticas. Vocês, políticos, facilitam os nossos negócios, não nos criam entraves, não nos sobrecarregam com impostos, repartem as oportunidades e o bolo por todos (mesmo que com um natural favorecimento dos que vos são mais próximos e dos que menos, ou nunca, vos hostilizem). É a cartilha típica do «bloco central» e da promiscuidade invertebrada entre empresários e governantes. Um conhecido patrão de um dos maiores grupos financeiros portugueses costuma, aliás, dizer que os empresários têm obrigação de ser como as prostitutas e de estarem sempre prestáveis para com o governo em função, qualquer que seja a sua cor. Para Álvaro Barreto, um empresário como Belmiro de Azevedo, entre outros, que mantém o seu espírito crítico e diz o que pensa sobre o mundo onde vive, incluindo sobre os políticos, deve ser uma aberração.

(...) Com uma tocante clareza, Álvaro Barreto não só confirma as óbvias pressões condicionadoras exercidas pelo empresário Pais do Amaral como defende, sem rodeios, a subordinação da liberdade de opinião e da comunicação social, constitucionalmente consagradas, ao pode económico dos patrões e, em simultâneo, às conveniências do poder político do dia. Eis o simulacro de democracia com o qual o ministro se identifica e tem a desfaçatez de nos propor.

(...) O problema - como Álvaro Barreto demonstra abundantemente nesta entrevista e nem sempre com muita inteligência, apesar da sua reputada maturidade - já não é só a obsessão doentia que Santana Lopes e o seu Governo têm com a comunicação social. O problema é o conceito antidemocrático, cada vez mais patente, que manifestam sobre o relacionamento do poder político e do poder económico com a liberdade de expressão, com uma comunicação social plural e crítica. Não têm, decididamente, emenda.

Publicado por Manuel 16:40:00  

2 Comments:

  1. josé said...
    Bem, chegou a altura de me citar, nuns comentários aí para baixo, sobre o mesmo assunto:

    "Houve alguém que disse que o tal Barreto, Álvaro, seria ministro de qualquer governo para que fosse convidado.
    Deve julgar-se uma pessoa com aptidões excepcionais para governar a coisa pública.
    E de inteligência, nasceu farto!
    Ora veja-se:
    Pergunta o Público/RR: Dizer a um comentador: páre de fazer críticas porque tenho um negócio para acabar, não é pressão?
    Resposta:
    Não há nenhum grupo económico nacional ou internacional que não tenha essa preocupação.
    Diz o Público/RR: O grupo SOnae...
    Resposta:
    É uma excepção.(...) Mas não encontro nenhum empresário que o faça. Não vi nenhuma pressão sobre o Prof. Marcelo. Acho normal que um empresário de uma determinada empresa (...) tenha dito:"veja lá se não podemos encontrar um modelo diferente que não crie esta hostilização".
    E a seguir vem a cereja em cima deste bolo:
    "Todos ( os governos em que participou)têm a tentação de influenciar a comunicação social. Uns fazem-no mais inteligentemente do que outros."

    Deve ser por estes e outros de igual calibre que Portugal está na cauda da Europa em vários sectores. Só pode ser. É uma tristeza.

    O Barreto, Álvaro referia-se a Belmiro de Azevedo como o único empresário que sendo independente dos governos "sempre disse o que pensou, para o bem e para o mal." E a seguir é que disse: "Mas não encontro mais nenhum empresário que o faça."
    E assim é que se percebe que afinal o empresário da Media Capital, no entender de Barreto, ÁLvaro, não tenha feito pressão sobre o Prof. Marcelo...
    É de facto um raciocínio inteligente e a par da inteligência média deste GOverno que pelos vistos tenta de modo subtil e despercebida à maioria das pessoas, fazer aquilo que o Barreto, Álvaro considera normalíssimo e que aconteceu em todos os governos em que participou: a manipulação dos media!
    É de facto, de gritos. Não do Munchen, como o Venerável Manuel assinala pictoricamente, mas, sei lá, dos irmãos Marx. Do mudo, já agora."

    Em complemento:

    Álvaro Barreto;Mira Amaral; Dias Loureiro;Leonor Beleza;Marques Mendes;Durão Barroso;João de Deus Pinheiro e alguns outros, são a face visível deste PSD e a nata dos governos de Cavaco que aparentemente nunca incomodaram personagens agora escandalizadas como é o caso de Pacheco Pereira.
    É disto, -passe a expressão que não é ad hominem -que nós temos, em Portugal?! É com exemplos desta inteligência fervilhante que podemos contar para nos governarem?!

    Foram esses e mais alguns que mandaram efectivamente durante uns bons anos em tudo o que importava.Puderam mudar algumas coisa e fizeram-no, sempre que a oposição permitiu ou sem ela quando tiveram a absoluta maioria.
    A obra é boa?! O resultado enobrece-os?!
    Estamos melhor do que há quinze anos?! O desenvolvimento merece-os?
    NÓS MERECEMOS ESTA GENTE?!!
    Anónimo said...
    Anda esta Grande Loja com falta de assunto, obviamente...
    Demos tambem como repetidos os meus comentarios mais abaixo neste Blogue...

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