"Prisão/Dignidade"
segunda-feira, outubro 18, 2004
Num interessante e pungente artigo publicado no Le Monde Diplomatique do mês corrente, Loic Wacquant(1) afirma algo que toda a gente sabe e que toda a gente faz que não sabe, inclusive os governos democráticos, pois que lhes convém...
...a história penal revela-nos que nunca e em nenhuma sociedade a prisão soube levar a cabo a missão de correcção e reintegração social que parece ser a sua...
A ideia mais ou menos teorizada da reinserção social pelas penas privativas da liberdade ganhou forma nos anos sessenta pela caneta de Marc Ansel, mas nunca ninguém duvidou de que a prisão não passasse de um puro gheto murado, onde o cidadão detido, em última e drástica instância, se queda, pura e simplesmente, fora da lei.
Um preso é só um preso, não é cidadão, fica sem direitos, a não ser o de estar preso e sujeito a toda a espécie de abusos, por mais que os governos nos preguem a estafada rezinha de “humanização das cadeias”.
Haverá, aqui e ali, alguma ténue excepção. No geral, todavia, a prisão é isso só: prisão.
O preso é um homem a quem o estado subtrai dignidade. Os estabelecimentos prisionais são, para salvar as aparências, e muito de longe, “vigiados” por um juiz, o de execução de penas, mas muito gostaria de saber quantas vezes, num ano, um juiz exerce qualquer controlo que não seja filtrado pela administração secular.
Mesmo os advogados têm a sua acção bem delimitada nos estabelecimentos de cárcere, como dá nota a “Galeria dos Horrores” da Ordem respectiva, de Setembro/Outubro de 2004.
Não vai lá muito tempo, um condenado, que se dizia justamente condenado, e que achava justa a privação da liberdade, encontrando-se detido havia dez anos, clamava por justiça em prol da sua Dignidade. Justa, segundo ele, era a condenação, mas já não a existência de um regulamento prisional, que desconhecia, ou protestava desconhecer, e que o proibia de ter no bolso mais que 30 euros. Por isso fora punido disciplinarmente em repreensão escrita.
E tendo-lhe o juiz permitido saídas precárias de oito dias, segundo ele, a cadeia lhe fora retirar dois desses dias, reduzindo-lhe o tempo de saída, como corolário da sanção disciplinar de repreensão de tamanha quantia em dinheiro.... tipo pena acessória.
Um sistema prisional em que o condenado é punido por deter uns tostões a mais do que os regulamentos permitem, onde o juiz não controla nada, onde os advogados são controlados nas confidências com os clientes, onde era suposto o Ministério Público, como defensor da legalidade democrática, ter algo a dizer, um sistema prisional assim, não é um sistema prisional, antes um sistema que deve cobrir de desonra o estado democrático.
Já ninguém pede estabelecimentos prisionais com decoro, uma política séria de reinserção social, pois, como dizia o autor, a prisão não produz reinserção nenhuma, antes e apenas pune, mas toda a gente deve exigir que os cidadãos cumprindo penas de prisão sejam tratados como tal. Que os juízes controlem, que o Ministério Público exerça aí as funções adequadas, que os advogados não sejam impedidos de exercer a advocacia, que a administração prisional não faça, nem permita que se faça , os regulamentos que lhe apetece.
Com as limitações e condicionantes da situação em que se encontram, os presos, nem por isso, deixam de ser cidadãos, seres humanos.
A vigilância efectiva por órgãos não administrativos do que se passa na escuridão das prisões deveria constar, com cristalina proclamação, do chamado “Pacto da Justiça”. Para isso, contudo, seria necessário que quem manda soubesse o que se lá passa. E não sabe.
E que, sabendo-o, se interessasse por isso.
Alberto Pinto Nogueira
(1) Professor na Universidade da Califórnia
Publicado por josé 23:41:00
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