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Numa noite desensonada em que nada - ou quase - sai direito à primeira, dou comigo a pensar que a diferença entre se ter tudo e não ser ter nada às vezes é terrivelmente ténue. Mas o que é ter tudo, num mundo em o que conta - para a maioria - é apenas e literalmente sobreviver, estar a postos para o próximo episódio? O certo e o errado como se avaliam? Por gráficos, por indíces de "productividade", de eficácia de tiro? Pelo que é que vale a pena lutar ? O que é efémero? E o que é perene? O que é que nunca vai ter fim? Às vezes apetece ser autista, fútil, predador, igual ao Luis Delgado até, ou então simplesmente congelar, desaparecer, e esperar que as coisas voltem ao sítio, se é que tem, tiveram, ou alguma vez terão um sítio definido. Apetece imaginar um mundo sem pessoas, sem emoções, sem vícios, sem responsabilidades, sem meias-verdades, sem demasiadas realidades todas alternativas, apetece ser um clone como tantos outros, apetece não ter que ganhar coragem para ter que pedir desculpa a uns, que acreditaram em nós que no fundo desistimos, ou deixámos de acreditar, sem aviso prévio. Apetece não ter que dizer a outros aos berros, para que o mundo saiba, porque tem direito a saber, que foram, e não passam de, uma fraude absuluta em que se acreditou pia e cegamente durante anos, apetece não ser e fazer seja o que for, apetece não pensar, apetece apagar partes de um passado, refugiarmo-nos noutras, apetece ser uma absoluta inutilidade num mundo feito, apetece desistir, não acreditar em milagres, não pedir a ninguém que acredite, em si, em nós, ou neste mundo, que é possível mudar algo, ou construir algo maior ou superior, porque o pior é que se continua a querer tudo mesmo sabendo que o mundo é o que é, e que até se vai conseguir - como pena e castigo - desse tudo a maior parte, mas apenas o que no fundo não interessa. Apetece não acreditar em nada, nem em ninguém, nem em nós, porque é mais seguro, porque às vezes, às vezes, um sonho e um pesadelo são a mesma coisa, mas outras vezes não, e no entanto continua-se a sonhar, e a tentar ganhar lastro, e coragem, e vontade, não sei é para quê, ou sei, sei ao menos porquê, resta saber se isso chega ou sequer interessa... Boa Noite.

Publicado por Manuel 05:08:00  

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