"Cumplicidade"


Ante as prédicas dominicais do professor, conheci muita gente que trazia aquele discurso muito primitivo com que se encara a publicidade: não se cria nele, mas a ele se aderia.

O comunicador era um misto de pregador pelas liberdades cívicas, um crítico das instituições, a voz de muitos descontentes e, igualmente, o som tonitruante de muitas coisas vazias.

Pela casta a que pertence, pelo imenso auditório, pela empatia que conseguiu gerar ao longo de anos, parecia que ninguém poderia crer que, um dia, um homem sinuoso, provindo do sino, o pudesse calar.

Mas calou. O pregador saltou do púlpito e apregoa que o silêncio é uma forma de falar. E é. Mas não disse o comunicador, e devia ter dito, que o totalitarismo se inicia quando nos tiram a palavra e que, no mundo novo, a palavra, como necessidade de comunicação/ligação com o semelhante, é uma realidade a que ninguém se pode escapulir.

É verdade, penso eu, que o silêncio permite a pausa adequada a reanalisar, a elaborar a síntese, não sendo, assim, uma simples ausência de sentido, a simples quebra de interligação com o outro. Permite preparar a palavra.

Todavia, já não faz ele sentido nenhum, sempre que nos é imposto, por proibição da palavra que preparou.

O professor tinha o poder da palavra, era o actor que, ao domingo, dava corpo à obra a que muitos assistiam, esses sim, em silêncio, como num ritual de cinema em que o espectador está calado, dando a palavra aos actores.

A partir do momento em que o actor se resta mudo, a fita acaba, deixa de comunicar, o realizador é pateado, os espectadores deixam a sala, lamuriando o preço que pagaram. Se o actor é dos que ostentam o galardão de ouro e se cala à autoritarite de um governante de circunstância, nem sequer eleito, ou de um empresário de terceira, o público não fica desiludido. Sente-se Traído.

Ora, o nosso pegador de domingo, não era só um comentador, era um político, de direita, mas democrata, que dirigiu, em tempos difíceis um jornal de referência. E é professor catedrático de Direito Constitucional. Tem obrigações, não só na linha de Cascais, mas com o país, com os portugueses, ouvintes ou não ouvintes, admiradores ou não admiradores, apoiantes ou não apoiantes, do PSD ou do PCP.

Um professor de Direito Constitucional tem de dar o exemplo, pela palavra e pela acção, que respeita e faz respeitar a Constituição da República e os Instrumentos Internacionais sobre os mais elementares direitos do cidadão, aí que se inclua a liberdade de expressão e de pensamento.

Quando um professor de Direito Constitucional se verga não se sabe a quê, permitindo especulações sobre violações desses direitos, o que vão pensar os respectivos alunos e os seus concidadãos?

Onde estão os princípios constitucionais que se vendem na faculdade de direito, mas que se permite, por acção ou omissão, que sejam abalroados por interesse ocultos e inconfessáveis?

O professor pode ter sido vítima (duvido muito) de arranjos de autoritarismo, mas está numa posição de privilégio para denunciar os abusos, participando desse modo na luta pela democracia. O seu silêncio traz a mancha da cumplicidade.

Alberto Pinto Nogueira

Publicado por josé 17:54:00  

5 Comments:

  1. Anónimo said...
    Não alinhando na ideia de vitimização de MRS, mais uma vez o PN demonstrou ser um magistrado de convicções firmes na defesa dos direitos e liberdades. Que me desculpe o elogio público, mas merece-o.

    Um colega
    Lynx Pardinus said...
    O professor está numa encruzilhada e isso explica o seu silêncio. A verdade é que não se passou nada e isto é tudo uma encenação, um verdadeiro golpe de teatro (de rua, claro está!). É pena que alguém com pretensõe a Presidente não consiga pôr o sentido de Estado acima das suas "dores de cotovelo" pessoais. Enfim... este silêncio beneficia o esclarecimento da verdade porque quanto mais tempo passar, mais teremos a certeza que não se passou nada, apenas "circo".

    Manuel A. de Miranda
    zazie said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    zazie said...
    dá ideia que nos estão a dizer que é uma história em que não nos diz respeito... e se calhar nem diz. Então não foi o predidente que recebeu o comentador em vez de falar com o ministro?
    Anónimo said...
    http://www.portugaldiario.iol.pt/noticias/noticia.php?id=456337

    giro

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