"Cumplicidade"
quinta-feira, outubro 14, 2004
Ante as prédicas dominicais do professor, conheci muita gente que trazia aquele discurso muito primitivo com que se encara a publicidade: não se cria nele, mas a ele se aderia.
O comunicador era um misto de pregador pelas liberdades cívicas, um crítico das instituições, a voz de muitos descontentes e, igualmente, o som tonitruante de muitas coisas vazias.
Pela casta a que pertence, pelo imenso auditório, pela empatia que conseguiu gerar ao longo de anos, parecia que ninguém poderia crer que, um dia, um homem sinuoso, provindo do sino, o pudesse calar.
Mas calou. O pregador saltou do púlpito e apregoa que o silêncio é uma forma de falar. E é. Mas não disse o comunicador, e devia ter dito, que o totalitarismo se inicia quando nos tiram a palavra e que, no mundo novo, a palavra, como necessidade de comunicação/ligação com o semelhante, é uma realidade a que ninguém se pode escapulir.
É verdade, penso eu, que o silêncio permite a pausa adequada a reanalisar, a elaborar a síntese, não sendo, assim, uma simples ausência de sentido, a simples quebra de interligação com o outro. Permite preparar a palavra.
Todavia, já não faz ele sentido nenhum, sempre que nos é imposto, por proibição da palavra que preparou.
O professor tinha o poder da palavra, era o actor que, ao domingo, dava corpo à obra a que muitos assistiam, esses sim, em silêncio, como num ritual de cinema em que o espectador está calado, dando a palavra aos actores.
A partir do momento em que o actor se resta mudo, a fita acaba, deixa de comunicar, o realizador é pateado, os espectadores deixam a sala, lamuriando o preço que pagaram. Se o actor é dos que ostentam o galardão de ouro e se cala à autoritarite de um governante de circunstância, nem sequer eleito, ou de um empresário de terceira, o público não fica desiludido. Sente-se Traído.
Ora, o nosso pegador de domingo, não era só um comentador, era um político, de direita, mas democrata, que dirigiu, em tempos difíceis um jornal de referência. E é professor catedrático de Direito Constitucional. Tem obrigações, não só na linha de Cascais, mas com o país, com os portugueses, ouvintes ou não ouvintes, admiradores ou não admiradores, apoiantes ou não apoiantes, do PSD ou do PCP.
Um professor de Direito Constitucional tem de dar o exemplo, pela palavra e pela acção, que respeita e faz respeitar a Constituição da República e os Instrumentos Internacionais sobre os mais elementares direitos do cidadão, aí que se inclua a liberdade de expressão e de pensamento.
Quando um professor de Direito Constitucional se verga não se sabe a quê, permitindo especulações sobre violações desses direitos, o que vão pensar os respectivos alunos e os seus concidadãos?
Onde estão os princípios constitucionais que se vendem na faculdade de direito, mas que se permite, por acção ou omissão, que sejam abalroados por interesse ocultos e inconfessáveis?
O professor pode ter sido vítima (duvido muito) de arranjos de autoritarismo, mas está numa posição de privilégio para denunciar os abusos, participando desse modo na luta pela democracia. O seu silêncio traz a mancha da cumplicidade.
Alberto Pinto Nogueira
Publicado por josé 17:54:00
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