Armas cruzadas
sexta-feira, outubro 22, 2004
Carlos Cruz foi acusado pelo Ministério Público; foi pronunciado por um juiz e vai ser julgado, no próximo dia 25 de Novembro, no âmbito de um processo crime, por abuso sexual de menores.
Não se trata apenas de um único crime, mas uma série deles, de abuso sexual de crianças e que lhe podem valer, se provados, pesada pena de prisão.
Entrevistado pelo JN e pela Sábado (e outras que certamente não irão fazer-se rogadas), Carlos Cruz, diz que já foi condenado no tribunal da opinião pública e por isso, o livro que escreveu e que agora publica, a poucos dias do julgamento, dirige-se a esse tribunal que o condenou sem o ouvir...
De facto, tem havido dois tribunais neste caso singular:
O primeiro, foi logo o judicial que o prendeu, por factos que se mostraram ter a consistência de algo muito grave e que se se provar em audiência de julgamento, significará também a eventual aplicação de pena de prisão.
Relativamente a este tribunal e às provas que existem, Carlos Cruz também se pronuncia para dizer que a prova da acusação se reduz ao depoimento ...
de seis ou sete rapazes que se conhecem há muito tempo.
Não quero aqui glosar sobre o modo como funcionou esse tribunal. Tal tribunal que se estende por várias instâncias, tem actuado à vista de toda a gente e com regras processuais que apesar de contestadas deram o resultado que é visível - Carlos Cruz vai ser julgado!
O outro tribunal, o da opinião pública, funciona com regras informais e para já, sem conhecimento preciso dos factos a não ser os que fugiram do processo do tribunal através de entorses ao segredo de justiça.
Porém, Carlos Cruz, neste tribunal, não se pode queixar muito das armas que dispõe.
Desde o início da instrução no outro tribunal que Carlos Cruz pode contar com diversas munições para guerrear a opinião pública e deve dizer-se que não as desperdiçou - entrevistas, na televisão, rádio e jornais, antes de ser preso e logo que se começou a falar no assunto. Depois disso, livros editados em sua defesa; almoços de solidariedade e campanhas promocionais constantes, em revistas ditas "del corazon", como Caras, VIP, Lux e muitas mais, a maioria ligadas ao fenómeno dos medias televisivos e que os exploram para se manterem à tona das vendas.
Carlos Cruz, neste tribunal da opinião pública e publicada, teve todas as armas e armadilhas mediaticamente preparadas, ao seu dispor. Muitas mais, certamente, do que aqueles que o acusam (e são seis ou sete indivíduos...rapazes, segundo ele)!
Todas as semanas dos 458 dias, do preso 374, e as outras a seguir, estas ainda com mais intensidade, o preso 374 teve direito a foto, notícia, reportagem, curiosidade emocional, escancarada nos escaparates e bancas, da rua de bairro ao hipermercado de subúrbio.
Aí, no pátio em que a opinião pública se forma, pôde fazer ouvir a sua voz e apresentar a sua defesa, aliás, sempre a mesma - a mais completa e redonda inocência!
E nem assim a conseguiu provar, nesse tribunal sui generis e implacável! Porquê? Acho que se devia interrogar seriamente, estando inocente.
Agora, que se aproxima o julgamento no tribunal judicial, aposta abertamente no recurso da decisão do tribunal da opinião pública. E já começou a apresentar alegações. De modo mais intenso e com artilharia mais pesada do que durante os 458 dias.
Se está inocente, faz bem e até fará de menos.
Contudo, deve reconhecer que essa oportunidade de utilizar armas de alta tecnologia informativa, só a si lhe é reconhecida. Os outros, mesmo os mais culpados, por terem já assumido a culpa, não tem essa oportunidade. E a lei é igual para todos... e a todos se devia aplicar por igual.
Estamos, por isso, no improvável mundo de Orwell - e foi isso que o Procurador Geral da República Souta Moura falou em Badajoz. Disse o que toda a gente sabe que é verdade e o próprio Carlos Cruz se se reconhece em honestidade também sabe. E a verdade não precisa de formalismos ou salamaleques.
Não quero neste escrito pronunciar-me sobre a inocência ou culpabilidade de Carlos Cruz. Não posso, porque não conheço o processo do tribunal judicial e as provas ainda não foram realmente produzidas.
Por outro lado, o juizo que posso fazer no tribunal da opinião pública – hélas! - não difere muito daquele que o condenou já. Apesar de toda a campanha apologética, é assim mesmo. Creio até que tal campanha funciona ao contrário do pretendido por quem a movimenta - o que é lamentável como fenómeno de desperdício.
Mesmo assim, espero sinceramente estar enganado e que a inocência dele se consiga provar - se estiver mesmo inocente!
Ou seja, o juizo de opinião pública, para mim, conta racionalmente pouco, mas conta subliminarmente. É terrível, mas é mesmo assim. Se calhar, é pelo mesmo motivo que Carlos Cruz condenou já o Farfalha dos Açores.
Por isso, espero o outro julgamento, o verdadeiro, e que pode passar ou não no tribunal judicial. Ver-se-á.
A prova destes crimes é essencialmente a que as vítimas podem apresentar. Sempre foi, neste tipo de crimes. Não adianta muito pretender infirmar credibilidades se a verdade se impuser de per se.
E toda a gente minimamente inteligente tem capacidade para perceber a verdade destes casos, se lhes for permitido ver e ouvir as provas existentes. Espero por isso.
Não obstante, nas entrevistas agora publicadas, no JN e na Sábado, a defesa que faz da sua inocência volta a ser algo estranhamente canhestra.
Diz que tem pena do Bibi e desvaloriza o facto de o ter acusado, adiantando-o como pessoa frágil e ácerca do qual duvida que "aguente um discurso coerente no julgamento". Já vimos que as testemunhas são o "grupo de seis ou sete rapazes que se conhecem há muito tempo" e que não há outras provas. De Carlos Mota o seu empregado fugido e despedido por ele, numa atitude de grande solidariedade, diz que a fuga interessa à acusação, insinuando abertamente na Sábado que pode estar aí a razão do seu desaparecimento.
Diz ainda que a investigação dos Açores foi "séria, serena, discreta, com recolha de fortes indícios, filmagens, fotografias, escutas telefónicas." Enfim, para Carlos Cruz , o Farfalha é já um condenado, sem recurso - muito menos no tribunal da opinião pública!
Com ele, nada dessa seriedade aconteceu. Foi só a prisão e depois construiu-se a história à volta das histórias dos "seis ou sete rapazes".
Posto perante as declarações do PGR, ainda disse que em França " os depoimentos são todos registados em vídeo na fase de inquérito" e acrescentou ainda que na fase de instrução há dois juizes, "que fazem o contraditório um do outro" ( sic).
Quanto ao alegado "contraditório", deverá talvez esclarecer-se o seguinte...
Em França a investigação criminal não é como cá. Lá, quem a faz, é um juiz de instrução. Faz toda a investigação e dirige-a efectivamente, com controlo remoto do MP que pode assistir a determinados actos processuais.
A história da existência de dois juizes que fazem o "contraditório" está mal contada, mas Carlos Cruz também não é jurista.
Lá, o juiz que pode de alguma forma fazer o contraditório chama-se, desde 2001 "juiz das liberdades" que se distingue do juiz de instrução. É um juiz que prende a pedido do juiz de instrução e verifica as condições do pedido, os pressupostos da prisão preventiva.
Não faz, como diz Carlos Cruz, o contraditório dos actos de instrução. Esta, por outro lado e ao contrário de Portugal, são efectuados sem controlo directo, pelo juiz de instrução. Ponto.
Depois, a história das gravações vídeo, em actos processuais, é verdadeira. Mas atenção! Não é obrigatória e tem lugar em crimes de natureza sexual!
A sua regulamentação está aqui, vinda do Código de processo Penal francês...
Article 706-52
(Loi nº 98-468 du 17 juin 1998 art. 28 Journal Officiel du 18 juin 1998)
(Ordonnance nº 2000-916 du 19 septembre 2000 art. 3 Journal Officiel du 22 septembre 2000 en vigueur le 1er janvier 2002)
Au cours de l'enquête et de l'information, l'audition d'un mineur victime de l'une des infractions mentionnées à l'article 706-47 fait, avec son consentement ou, s'il n'est pas en état de le donner, celui de son représentant légal, l'objet d'un enregistrement audiovisuel.L'enregistrement prévu à l'alinéa précédent peut être exclusivement sonore si le mineur ou son représentant légal en fait la demande.Lorsque le procureur de la République ou le juge d'instruction décide de ne pas procéder à cet enregistrement, cette décision doit être motivée.Le procureur de la République, le juge d'instruction ou l'officier de police judiciaire chargé de l'enquête ou agissant sur commission rogatoire peut requérir toute personne qualifiée pour procéder à cet enregistrement. Les dispositions de l'article 60 sont applicables à cette personne, qui est tenue au secret professionnel dans les conditions de l'article 11.Il est par ailleurs établi une copie de l'enregistrement aux fins d'en faciliter la consultation ultérieure au cours de la procédure. Cette copie est versée au dossier. L'enregistrement original est placé sous scellés fermés.Sur décision du juge d'instruction, l'enregistrement peut être visionné ou écouté au cours de la procédure. La copie de ce dernier peut toutefois être visionnée ou écoutée par les parties, les avocats ou les experts, en présence du juge d'instruction ou d'un greffier.Les huit derniers alinéas de l'article 114 du code de procédure pénale ne sont pas applicables à l'enregistrement. La copie de ce dernier peut toutefois être visionnée par les avocats des parties au palais de justice dans des conditions qui garantissent la confidentialité de cette consultation.Le fait, pour toute personne, de diffuser un enregistrement ou une copie réalisée en application du présent article est puni d'un an d'emprisonnement et de 15000 euros d'amende.A l'expiration d'un délai de cinq ans à compter de la date de l'extinction de l'action publique, l'enregistrement et sa copie sont détruits dans le délai d'un mois.
Por outro lado, não se chega a perceber se Carlos Cruz apoia esse género de recolha de prova. No seu caso concreto, não aprovou e essa é a simples e plana verdade, indesmentível. E não se percebe bem porquê, pois ele não explica como preferiu impedir o depoimento em vídeo conferência, com todas as garantias de defesa, " dos seis ou sete rapazes"...
Finalmente, Carlos Cruz ainda refere que
...dizem-me todos os advogados que em teoria, os juizes nem deveriam ler o processo.
E o interessante é que ...tem razão!
O nosso Código de Processo Penal obriga a que toda a prova se produza em julgamento, para ser válida - artigo 355º do CPP. Logo, tem toda a razão: se ficar calado em audiência e " os seis ou sete rapazes" meterem os pés pelas mãos, das duas uma: ou se prova a inocência real ou se prova a ...inocência formal! Tem muitas hipóteses de tal suceder - e ele sabe disso concerteza.
Contudo, aquela prova real, para mim, é fundamental!
Daí que pode escrever todos os livros do mundo; dar todas as entrevistas que quiser e publicar toda a "friendly press" que conseguir que nem assim lá chega, a essa inocência almejada, se a não tiver de facto.
Como disse o ex-juiz Paulo Pinto de Albuquerque que fugiu do processo Casa Pia como o diabo da cruz, o problema da prova, nesse processo, resume-se a uma questão - convicção do tribunal!
Subscrevo, pelo que conheço.
E quanto a Carlos Cruz, espero que ele próprio esteja mesmo convicto da sua inocência. Como a prova tem que ser feita por outros, espero ainda que o seja de facto, não chegando ser de direito. Sinceramente.
Publicado por josé 14:39:00
Trata-se agora do seu testemunho. E então? Não tem direito a gritar o que lhe vai na alma?
O senhor procurador de Viana do Castelo faz o que esperam de si: suspira por CENSURA.
Cale-se e trabalhe, homem!
Ou então fale, fale sobre o que vai na sua repartiçãozeca do MP, dos abusos, dos condenados inocentes, da prepotência, da censura, da tirania.
E depois disso tudo, regresse para casa, olhe para a sua mulher e responda-lhe simplesmente: «o que raio faço eu neste mundo?»
Pelo que aqui leio, noto que anda por cá só por ver andar os outros. Um pobre diabo.
«Por outro lado, não se chega a perceber se CC apoia esse género de recolha de prova. No seu caso concreto, não aprovou e essa é a simples e plana verdade, indesmentível. E não se percebe bem porquê, pois ele não explica como preferiu impedir o depoimento em vídeo conferência, com todas as garantias de defesa, " dos seis ou sete rapazes"...»
O que CC se deve estar a referir é que os interrogatórios aos «rapazes» (todos os interogatórios) não foram gravados em video (nem em som).
São os interrogatórios, estúpido. E não o show-off para memória futura.
Cappicce?
A isso chama-se corporativismo... proteger o camarada de armas...
E não se esqueça que segundo ele: "No meu caso, não há uma escuta telefónica, uma fotografia, um vídeo, um depoimento, além do grupo de seis ou sete rapazes..."
A meu ver era preciso ter lata para que existissem provas e ele falar com esta "calma".
Ou seja, a ser verdade junta-se meia dúzia de amigos e vamos de cana, acrescenta-se um pouco de share e estraga-se (ou estragam-se) umas vidas.
Que se lixe desde que venda.
"O nosso Código de Processo Penal obriga a que toda a prova se produza em julgamento, para ser válida ..."
Mas também pode ser produzida em memória futura assim é porreiro não se faz contraditório (decente) porque está tudo em segredo de justiça e não se sabe o que se pode perguntar quando já não está já não se contradiz pois a prova já foi feita... espertos!
Porque não elabora já agora sobre a cabala que o "mártir" serve para encobrir nas palavras do próprio, ou já agora sobre o julgamento sumário do Sr. Farfalha sobre cuja culpabilidade o sr. Carlos Cruz tem tantas certezas ?... Seria demasiado rídiculo, eu sei...
É nestas alturas que tenho pena que o Harry Callahan seja só ficção...