"Terminal"

Última obra de Spielberg. A crítica americana em geral não gostou, a portuguesa, essa, como habitualmente falou de tudo menos daquilo que porventura é essencial, sendo o orgasmo analítico de Augusto M. Seabra no Público porventura o mais antológico retrato do modus faciendi de uma certa intelectualidade indígena.

"Terminal" é um filme incómodo, politicamente incómodo, incomoda a direita porque mostra a perfídia do cumprimento cego e acrítico das regras de um sistema que, por definição, não deveria ser desumano, incomoda a esquerda porque foge ao maniqueismo fácil dos finais felizes (o "fim" resignado da personagem interpretada por Zeta-Jones é nessa frente emblemático) ou de uma clara destrinça entre bons e maus. E é um filme que incomoda e interpela o espectador.

Mas por muito brilhante que seja a interpretação de Tom Hanks, por muito sóbria que seja Catherine Zeta-Jones, quem definitivamente rouba o filme é o relativamente desconhecido Stanley Tucci (que há uns anos pudemos ver de relance na TV numa ácida e brilhante série sobre os corredores do mundo da alta finança, BULL, passada como é hábito a desoras).



Tucci é suposto representar o mau da fita, é suposto antipatizar-se com ele, e até certo ponto antipatiza-se, mas há na personagem representada por Tucci, o dono do aeroporto, aquele que é promovido por via do seu apego inquestionável às regras, algo de todos nós.

As hesitações de Frank Dixon, representado por Tucci, são o retrato de muitos dos dilemas do nosso tempo, são o espelho fiel da forma como muitas vezes pensamos e agimos, de como chutamos para canto.

Frank Dixon só conhece os regulamentos, as regras; Frank Dixon só se interessa consigo próprio, com a sua carreira, e o seu egoísmo, a sua cegueira não são de esquerda nem de direita, não são sequer maus per se, são apenas um retrato fiel das ambivalências morais e dos relativismos deste tempo.

Houvesse Justiça e Tucci tinha aqui um Óscar mais que seguro para melhor actor secundário (mas não será ele - ou "nós" - afinal o epicentro do filme?). Provavelmente não vai haver justiça. A América, e o ocidente, não gostam de se ver despidos. A série acima citada, BULL, onde Tucci representava o papel de um ambivalente vilão com mais princípios que muitos dos bons, foi cancelada nos EUA por alegadamente dar uma imagem demasiado crua de Wall Street, isto em 2000... Como curiosidade, refira-se que o produtor e argumentista de BULL, Michael S. Chernuchin, tinha antes estado em grande em "Law & Order" e depois como argumentista e consulting producer do mais arrasador retrato dos bastidores do poder jamais feito em televisão - o viciante e bem incómodo "24", com Kiefer Sutherland.

Em suma, "Terminal" é um filme a não perder. O pior que pode fazer ao espectador é devolver-lhe alguma da sua humanidade.

Ainda sobre cinema, o jmf do Terras do Nunca está indignado por termos colocado uma foto da Scarlett Johansson (a quem, diga-se - posição minoritária aqui na Loja -, não acho sequer particular "piada", por ter o pecado capital - para mim - de ser excessivamente bonita) no comentário que abaixo se publicou sobre a comunicação de Bagão Félix à pátria ocorrida esta noite. Certamente tomado pelo choque, o jmf não reparou que a senhora está a fumar e a beber em mais que óbvio estado de choque e surpresa, e prestes a entrar em depressão, com o estado das coisas também em Portugal. Even jmf became lost in translation...

Publicado por Manuel 05:13:00  

1 Comment:

  1. Anónimo said...
    li no Expresso desta semana que há gajo que vive há 16 anos no Charles de Gaulle...

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