Teresa de Sousa - O Medo e a "Realpolitik"
terça-feira, setembro 07, 2004
- 1."Mãe, eles não nos vão matar, pois não?". O menino morreu. A mãe sobreviveu para viver e testemunhar a mais terrível das dores, que os terroristas de Beslan multiplicaram por mil, numa orgia de ódio e de violência que nunca conseguiremos explicar ou entender. É este o nosso mundo. Foi o maior atentado desde o 11 de Setembro. Nas margens da Europa, onde a Europa é mais vulnerável. Nas margens da democracia, onde a democracia é cada vez mais frágil. O novo terrorismo global só tem espaço para a violência cega, a mais incompreensível e inaceitável das violências. Não tem espaço para a negociação. Provavelmente, o sequestro da escola de Beslan terminaria com sangue, fossem quais fossem as circunstâncias. Mas, mesmo antes que o turbilhão de acontecimentos lançasse o caos e espalhasse a morte em Beslan, já toda a gente previa um banho de sangue. É esse o padrão de comportamento do regime russo de Putin. O Kremlin lida com o terrorismo controlando a informação e recorrendo à força bruta. Desde o 11 de Setembro, conta com a solidariedade incondicional das democracias ocidentais, que rapidamente esqueceram as causas mais profundas que alimentam o terrorismo tchetcheno.
Podem as democracias limitar-se à solidariedade? Estamos condenados a aceitar a força como o único instrumento e a única solução para combater o terrorismo? Fazendo tábua rasa das causas, aceitando todos os métodos, apoiando todos os regimes?
Poder-se-ia imaginar o que se passou em Beslan numa escola de Paris? São perguntas que nos deixam perplexos mas também que nos obrigam à racionalidade.- 2. O massacre insuportável de Beslan é igual ao 11 de Setembro pela dimensão da matança e pela lógica do mal absoluto que comanda os terroristas. Putin foi, no entanto, mais longe, apressando-se a apontar o dedo à Al-Qaeda. Mas a última vaga de terror na Rússia tem provavelmente muito menos a ver com Bin Laden do que a desastrosa política de Moscovo na Tchetchénia.
Em 1999, quando chegou ao poder, o Presidente russo comprometeu-se a resolver o conflito tchetcheno. Fê-lo de três maneiras: enviando de novo o exército russo para reprimir a revolta pela força; recusando qualquer diálogo com vista a uma solução negociada, mesmo com as forças mais moderadas do separatismo tchetcheno, e criando um governo-fantoche na república rebelde; pensando que podia controlar e silenciar a comunicação social. As "viúvas negras" que espalham o terror em Beslan, nas ruas de Moscovo ou nos aviões da Aeroflot são o resultado directo desta política e a expressão do seu total fracasso.
O Kremlin pôde controlar a televisão durante algum tempo, pôde ameaçar jornalistas, mas não pode tudo todo o tempo na era da internet e da globalização da informação. Hoje, Putin encabeça um regime cada vez mais autoritário e a Rússia está, no entanto, mais frágil e mais vulnerável do que nunca. Uma solução política para o conflito tchetcheno, que teria sido possível há alguns anos, é hoje uma simples miragem.
As democracias ocidentais podem ignorar tudo isto em nome do combate ao terrorismo global?- 3. Pouco antes do massacre de Beslan e um dia depois das eleições do novo presidente-fantoche na Tchetchénia, os líderes da França e da Alemanha, Jacques Chirac e Gerhard Schroeder, de visita a Putin na estância de veraneio de Sotchi, não hesitaram em manifestar-lhe o seu apoio total perante a vaga de atentados que assolava Moscovo
"Na Tchetchénia, uma solução política é essencial", disse o Presidente Chirac, ao lado do seu amigo Putin, parceiro inestimável da "frente da paz" contra a guerra americana no Iraque. Para acrescentar de imediato: "É por isso que a Rússia está a lutar e que está - disse-o claramente - completamente aberta a qualquer discussão sobre uma solução política".
George W. Bush, que fez do medo ao terror o grande trunfo para a sua reeleição, também não regateia ao seu homólogo russo um apoio "de qualquer espécie e em todas as circunstâncias".
A presidência holandesa da União Europeia viu-se obrigada a meter os pés pelas mãos, depois de ter descoberto até que ponto estava isolada, quando se lembrou, com todo o direito e toda a legitimidade, de pedir a Moscovo algumas explicações sobre o que se passou na escola de Beslan. "Infâmia", gritou o Kremlin. Silêncio, gritaram os líderes das principais potências europeias, amigos de Putin em todas as horas mesmo que críticos virulentos de Bush em certas horas.
Em que mundo vivemos? Certamente e cada vez mais na "república do medo". Que há-de garantir provavelmente mais quatro anos de Casa Branca a George W. Bush, mau grado o fracasso do Iraque, que é hoje, como a Tchetchénia, um alfobre de terroristas. Que coloca "Chirac contra Chirac", como escrevia o "Monde" em recente editorial, denunciando a esquizofrenia da diplomacia francesa - um dia disposta a negociar por todos os meios e vias possíveis a vida de dois jornalistas franceses reféns de um grupo terrorista no Iraque, no outro abençoando os métodos brutais de Putin na Tchetchénia e em Beslan.
Chirac, como escreve o "Monde", não hesitou em denunciar o aventureirismo americano no Iraque. Não diz nada sobre a brutalidade russa na Tchetchénia. Como se o facto de Putin intervir no que considera a sua "zona de soberania" justificasse o seu sinistro desprezo pela vida humana.
Entre a defesa dos seus belos princípios democráticos e a gelada "realpolitik", as democracias arriscam-se a perder a alma e a racionalidade.- 4. Não há bom nem mau terrorismo, nem há justificação para ele em nenhuma circunstância. Mas não querer olhar as suas causas é condenarmo-nos a ficar à sua mercê. É preciso libertarmo-nos da retórica da "guerra ao terror" de George W. Bush ou da fria "realpolitik" de Jacques Chirac. É preciso examinar tanto as causas como os efeitos do terror global. Perceber que isso não é desculpá-lo mas um passo fundamental para combatê-lo. O caminho errado é aceitar tudo em nome desse combate.
"A vitória [sobre o terrorismo] dependerá do valor, da decisão e do empenho em defendermos aquilo que é valioso para nós e os EUA fazem bem em recordá-lo", escrevia há dias no "Guardian" o historiador britânico Timothy Garton-Ash, a propósito da importância para o mundo da vitória de John Kerry em Novembro. E acrescentava: "Isso dependerá de serviços secretos eficientes e de duro trabalho policial. Mas sobretudo, de que se enfrentem as causas políticas e económicas do terrorismo, para poder secar os pântanos em que se criam os mosquitos da Al-Qaeda." E também da nossa capacidade em mostrar as vantagens das nossa sociedades livres. No Iraque como na Tchetchénia.
in Público
Entretanto daqui...
Russian officials put a Chechen man they identified as a captured guerrilla on state television Monday night to make the first public statement by any of those involved in seizing the school. Visibly injured and having trouble talking, the prisoner described one of the ring leaders giving the orders for the attack.
"We gathered in the forest and the Colonel -- it's his nickname -- and they said we must seize the school in Beslan," said the man, who had short, dark hair and no beard. He said the orders came from Basayev and another Chechen commander, Aslan Maskhadov, and that his group included Arabs and Uzbeks as well as Chechens and people of other nationalities. "When we asked the Colonel why we must do it, he said, 'Because we need to start war in the entire territory of the North Caucasus.' "
Publicado por Manuel 07:25:00
3 Comments:
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Para guardar e reler de quando em vez. E já agora para ter presente quando alguém tiver a oportunidade de fazer perguntas aos nossos lideres democráticos.
e há uma coisa com que toda a gente se escandaliza quando se fala mas que me parece cada vez mais necessária: a criação de outro tipo de armas. As pistolas e metralhadoras tradicionais estão obsoletas para estes casos.
Vocês podem achar que isto é efeito de muito filme de ficção e se calhar até acertam mas vai ser mesmo necessário esse tipo de armas: Uns raios anestesiantes, que ponham a dormir auqilo tudo, umas armas imobilizadoras que o terrorismo está para dar e durar...
":O.