"Haja Decência"


Como assalariado do Estado, operário do Ministério Público, e não pertencendo à respectiva nomenclatura, é-me, em verdade, indiferente quem o Governo propõe e quem o Presidente nomeia para o cargo de procurador-geral da República. Indiferença essa que se alarga à demisssão deste.

Já encaro por outro ângulo, como cidadão, a mesma demissão, em certo momento do respectivo mandato. Não se demite o PGR como quem demite um ministro que tem contas na Suíça e as esconde, por exemplo, do Fisco.

A demissão do chefe superior de uma magistratura não é, segundo julgo, um acto que se tome de ânimo leve, numa reunião do partido, ou mesmo numa reunião de propaganda partidária Ou que se anuncie aí se...um dia se for Governo. Como se fora uma medida de governação a adicionar àquelas cinco dezenas de medidas que Miguel Sousa Tavares tomaria se viesse a ser 1º ministro.

A política, fazendo-se, ou executando-se com pessoas, não se resume a estas, antes a ideias criadoras, imaginativas que sirvam todo o país.

Pessoalmente, não sou capaz de captar “COMO” a demissão seja lá de quem for possa constituir uma medida de um futuro ou presente Governo. Por isso que sou impotente para entender que medida é essa de natureza política, e para a JUSTIÇA, que faz parte do programa de dois candidatos do Partido Socialista . E o mais assustador é que outras medidas políticas para o sector da justiça lhes são ignoradas. Demitem, ou vão propor a demissão do PGR e fica a Justiça satisfeita, tudo corre em linhas certas e não há mais problemas. Se tais candidatos anunciassem uma reorganização séria do Ministério Público, uma reorganização séria dos Tribunais, uma reforma profunda do código de processo penal, tornando-o célere e garantindo, do mesmo passo, os direitos, liberdades e garantias, bateria palmas, mesmo que me viessem dizer que, para esse programa para a Justiça entendesse necessária outra chefia superior do Ministério Público.

Tais candidatos travam ainda, na linha da “tralha ferrista” – e a expressão é deles, não minha – o que dizem ser “...o combate da sua vida...”. E com isso se referem a certo processo que não menciono, mas que toda a gente sabe qual seja. Que me lembre, o Partido Socialista, por quem, aliás, nutro simpatias, com a mesma distância que me separa de todos os outros, nunca foi, como tal, indiciado, acusado, pronunciado . Os mesmos candidatos a chefes do partido e a 1º ministro não têm em conta as próprias competências do PGR. Actuam como se estivéssemos no regime que, honradamente e com muito esforço, combateram e em que o PRG, a mando de um ministro, inclusive da Justiça, enviava um ofício confidencial, fazia um telefonema e dava uma ordem em certo sentido, com ou sem lei que o permitisse. Isto, senhores candidatos, não é admissível no Estado de Direito que os senhores muito ajudaram a construir e se vai, aos poucos, construindo. V.Exªs sabem, mas fazem que não sabem, que o PGR não despacha processos, não tem o poder de dar ordens neste ou naquele sentido em certo processo, seja ele qual for. V.Excªs sabem que as ordens genéricas do PGR são publicadas no Diário da República?
Se não sabem, informem-se.

V.Excªs sabem quem fez a proposta de nomeação do actual PGR ao presidente?. Se não sabem, informem-se. Sabem quando termina o mandato do mesmo? Se não sabem, informem-se. Se vencerem as eleições legislativas, sabem quando vão tomar posse de governantes e, nessa altura, quantas semanas ou meses faltam para o fim deste mandato do PGR?

Arranjem outro programa para a Justiça que este já cansa e os cidadãos muito esperam dos senhores.

Alberto Pinto Nogueira

Publicado por josé 13:02:00  

5 Comments:

  1. josé said...
    Subscrevo inteiramente e com agrado o postal de A.P.Nogueira.

    Este discurso de equilíbrio e ponderação, deveria ser o discurso corrente na opinião pública, ou até publicada. Mas não é! Infelizmente, é mesmo contra a corrente.
    O exemplo apontado, dos candidatos a líderes do PS, em discurso directo, até se torna exemplar do que não deveria ser corrente.

    Por exemplo, o candidato João Soares, não se coibiu de afirmar, sem que alguém o contestasse, o seguinte:

    "João Soares lembrou que Souto Moura dissera publicamente que admitia que, por decisão de um juiz de primeira instância, pudesse ele próprio ser sujeito a ficar sob escuta telefónica.
    A partir desse momento, concluí que o Procurador-Geral da República deixara de ter condições para o exercício desse cargo".

    Esta singular concepção dos poderes do Estado, em particular do poder judicial, denota várias coisas que se me afiguram muito mais graves do que o célebre grito de ipiranga do antigo Ferro: "estou-me a cagar para o segredo de justiça". Nós sabíamos isso! Só era precisa a confirmação...

    Neste caso do Soares filho, a coisa é mais grave e mais séria. Numa penada, vão para as malvas, as disposições constitucionais sobre o princípio da igualdade de todos peran te a lei. Numa assentada, é postergado o entendimento legal de que um juiz, na sua função e enquanto decisor, é titular do órgão de soberania Tribunais. De embalada, dá-se guarida a uma concepção profundamente anti-democrática e já denunciada no célebre romance de Orwell, O triunfo dos Porcos: "todos os porcos( ou animais emn geral, mas estamos a falar de uns em particular) são iguais; mas há uns mais iguais que outros".

    Toda a gente percebe quem são aqueles que João Soares quer que sejam mais iguais que os restantes: os políticos e apaniguados do regime!

    Se fosse só João Soares, ainda seria um problema menor, pois não me parece que o tipo tenha estaleca para chegar, sozinho, seja aonde for, mesmo que seja ali à Praça das FLores...
    Mas não me parece que seja caso isolado. Entre a classe política há muito quem assim pense e de facto, parece-me ser essa a única razão porque andam a pedir a demissão do actual PGR.

    A conclusão: é preciso uma mudança urgente da classe política que se instalou a governar Portugal, de há vinte anos para cá!
    A seu tempo, esta urgência se tornará óbvia.
    Quosque tandem?
    Anónimo said...
    Ou estou enganado ou o PN está candidatar-se a distrital.Sabe-se lá, capaz disso é ele.
    Anónimo said...
    é óbvio que o PN não é candidato a lugar nenhum. Não é maçon, não é da Obra do Senhor, não é do PS nem do PSD, não é de nenhuma claque nem quer ter uma e ainda por cima pensa (demasiado alto) pela própria cabeça... Em suma não conta para o totobola. Tipos como o PN são um resquício da história, de um tempo (68) em que uns jovens gaiteiros achavam que podiam mudar o mundo. PN ainda não aprendeu que é preciso ser pragmático, discreto, decorativo, até obdiente. Podia ter aprendido quando não o deixaram ir para o Supremo e talvez tivesse reciclagem, não aprendeu. Num tempo onde não há espaço para heróis PN é um... Nunca será convidado para nada... É uma ameaça demasiado grande, uma carta fora do baralho.
    Manuel said...
    É por estas e por outras que o anonimato ainda que relativo tem as suas virtualidades.

    Que raio de país é este em que quando alguém diz alguma coisa da sua cabeça e sem obdecer a lógicas "superiores" logo alguém se põe a perorar sobre o que "esse" alguém quer ?

    Será que a liberdade de expressão é apenas virtual ?

    Será que já não se pode dizer e exprimir livremente o que se pensa sem se ser constantemente incomodado com os porquês de se pensar assim e se dizer aquilo (a bondade das afirmações pensamentos de nada interessa)? Será que em 25/4/74 houve mesmo uma revolução ?

    Cada vez tenho mais dúvidas ... A lógica corporativa do Estado Novo continua aí. Só não vê quem não quer.
    Anónimo said...
    Parabéns Pinto Nogueira! São estes exemplos que ainda nos vão reconfortando.

    Melusine...
    ";O)

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