"Baudolino"
sábado, setembro 11, 2004
Às vezes quando não se querem enfrentar os factos opta-se pela ficção. Antigamente chamava-se a isto a mentira piedosa.
Luis Nobre Guedes, Ministro do Ambiente, está na baila. Ferveu em pouca água afirmam uns, inoportuno dizem outros, desautorizado sussuram sorridentes outros ainda. Tudo por causa dos resultados do inquérito ao incidente ocorrido na refinaria da GALP de Matosinhos e das declarações públicas do ministro.
Só que as coisas não são bem assim, nunca foram. Luis Nobre Guedes é para todos os efeitos o mais frio, contido, cerebral e glaciar membro deste governo, a sua frieza faz - por comparação - Marcelo parecer ter a emotividade de Jorge Sampaio.
As pessoas já não se lembram mas ele pela voz de Portas tinha jurado vingança aquando dos tristes e nada edificantes episódios (com José Luis Arnaut) de partilha de instalações ocorridos logo nos primeiros dias após a tomada de posse deste Governo. As pessoas não reparam mas depois de o PP conquistar o Ambiente para si (e toda a gente sambe o que isso significou para personagens chave deste PSD) Santana Lopes impôs a Nobre Guedes o seu ex(-futuro) chefe de gabinete, Miguel Almeida, para funcionar como uma espécie de controleiro...
Passou desapercebido mas no seio do PSD crescem as vozes que clamam que Santana deve ir sozinho a votos nas próximas legislativas (o último foi Balsemão na "Universidade" de Versão do PSD, esta semana) como no seio do PP são muitos os que se queixam da humilhação que o Lopes impõe diariamente a Portas por não o deixar pôr nos eixos Alberto João Jardim.
O pretexto foi o incidente da refinaria de Matozinhos, podia ser outra coisa qualquer. Luis Nobre Guedes, sem rendas nem floreados, explicou simplesmente a Santana quem manda, e quem manda é ele.
Nobre Guedes tem a grande vantagem de não querer para si o palco nem a luz dos holofotes. Sempre foi um homem dos bastidores, um estratega, um negociador, o palco - esse - sempre o ofereceu de bandeja a quem quis, quando o quis. Nobre Guedes aparentando perder só ganha.
Ganha peso, espaço e dá uma margem de manobra brutal ao PP e ao seu Paulo Portas, que pasme-se ainda pode vir a parecer como um moderado, um contemporizador.
Substantivamente, e até pode ser por acaso, e no caso do inquérito, Nobre Guedes tem razão. Não pelas razões que se calhar invoca, mas mais pelas gaffes que lhe são imputadas. Um inquérito é um inquérito, ou é sério e objectivo ou não é. Se é sério e objectivo não precisa de visto prévio de metade do governo para ver se fere ou não susceptibilidades, e por aqui cai a queixa de Álvaro Barreto de que não foi previamente informado.
Depois temos Mexia, António Mexia, o jovem boy do BES feito wonderboy de Pina Moura, antes de se tornar, em noite de autárquicas, intimo de Santana e Arnaut. Por muito que este o queira omitir o facto incontornável ainda há bem pouco tempo Mexia era o todo poderoso CEO da GALP.
Aquilo que a GALP é ou deixa de ser estruturalmente não o é por obra e graça da actual administração - é-o por obra e graça de alguém que se chama pura e simplesmente António Mexia, pelo que é patético e constrangedor ver discutir platonicamente a continuidade da actual administração, a tal que a Mexia sucedeu, por via da responsabilidade que poderá ter havido nas dificiências anotadas nas conclusões do célebre inquérito.
Se há responsabilidade, o responsável tem inequivocamente um nome, e a questão que se põe, é a de saber se esse nome, caso ainda hoje fosse CEO da GALP e depois do flop espanhol e deste affair, teria condições para continuar a exercer tal cargo. E se não as teria tem-nas agora para ser ministro ? Uma matéria de (in)consciência dirão.
Mas este mostrar de dentes de Luis Nobre Guedes - para além de ter provavelmente garantido de uma forma definitiva uma nova Alternativa Democrática quando houver legislativas e se Santana for o candidato a Primeiro Ministro do PSD - teve também outras virtualidades colaterais, mostrou à saciedade que há, clara e objectivamente, tal como com Barroso, e se calhar até mais, um déficit de liderança e de autoridade neste Governo, mostrou que não há em áreas estratégicas vitais uma linha de rumo, uma estratégia e orientação comuns, deixou antever a inexistência de uma política económica de fundo e provou sobretudo aquilo que já muitos temiam - que a orgânica deste Governo não tem nem pés nem cabeça, que só será uma fonte de problemas, naquilo que já se percebeu é um autêntico saco de gatos...
Mas para quê preocuparmo-nos com tudo isto quando todos, a imprensa, os analistas, os spinners, andam por aí entretidos a contar, tal como o Baudolino, de Eco, tão boas histórias ?
E por falar em boas histórias que dizer do regresso anunciado de Luis Delgado, esse mesmo, ao Diário de Notícias ? Que dizer da pose dos senhores juízes do Tribunal Constitucional (a quem competiria cooptar um novo Presidente) à espera de instruções dos Partidos Políticos que por sua vez vez estão expectantes que o GOL, sempre o GOL, indique, quando lhe aprouver, quem lhe aprouver para quarta figura do Estado.
A lógica essa é sempre a mesma - somos uma democracia muito jovem...
Publicado por Manuel 15:12:00
7 Comments:
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- Vimos e confirmámos que não chegámos lá. É diferente. Bem escolhido o exemplo do Baudolino, Manuel!
E essa referência às autárquics prende-se com? E esse "com" justifica intimidade?
Eu sei, eu sei, para o Manuel, todas as perguntas são retóricas, especialmente quando concretas. Para o efeito, contudo, a retórica é quanto basta.
E o que está a ser preparado? E por isso Nobre Guedes no Governo? Nada de mais, apenas uma série de números para serem atirados em tempo de campanha que, com os floreados do costume, permitam a Portas esgrimir as "enormes" diferenças(verticalidade, verdade, O Estado acima de tudo, excepto o estado a que esta merda chegou, onde não aparece a Democracia) que afastam o PP do PSD. Só sei que vai ser bonito. A Madeira é só uma amostra do que está para chegar!
primo Sousa
e sou fã do Baudolino ":OP
Bem dizia a minha avózinha. Deve ser por isso que é Domingo e estou a trabalhar :)).