105 anos — Aprendamos todos com Emídio Guerreiro
terça-feira, setembro 07, 2004
Emídio Guerreiro — resistente anti-fascista, pensador e político, antigo presidente do PSD — completou, esta segunda-feira, 105 anos. Leram bem: 105 anos. Notável.
Ainda mais notável que atingir tão provecta idade é manter uma completa lucidez, um espírito crítico e aberto ao mundo, informado e interessado.
Emídio concedeu uma impressionante entrevista à PÚBLICA do passado domingo. Foi um autêntico tratado da condição humana, um testemunho vivo de mais de um século de existência.
Aprendamos, então, com aquela que será, certamente, a mais lúcida mente (raciocínio articulado, argumentos intactos, memória prodigiosa) de quem nasceu antes de 1900 (sim, é verdade: parece impossível, mas Emídio Guerreiro nasceu em 1899).
Na interessantíssima entrevista concedida a António Melo, Emídio Guerreiro retira quaisquer ilusões de romantismo sobre a velhice:
A velhice é uma espécie de condescendência da vida. Chega-se a um termo, que é aquele em que eu estou, em que já não há nada a dar. Sente-se uma espécie de vácuo. Mas é ridículo tentar filosofar aos 105 anos de idade. A meu ver é um limite máximo de vida. O que me resta são fragmentos das noções que tive quando tinha uma verdadeira vida. É um naufrágio».
Apesar das esperanças do entrevistador, Guerreiro insite na inevitabilidade da queda:
Aquilo de que tenho horror não é da morte, é da velhice. A velhice é que não suporto mais (…) Não suporto essa velhice que se agarra à vida. A parte de uma sobre-vida não é uma super-vida. Eu entendo que a partir do momento em que o homem não é senhor da sua autonomia já não vive. A velihice não permite nada. É, de facto, a antecâmara da morte
E se é ele quem o diz…
E quanto às reflexões filosóficas deixadas por Emídio Guerreiro, aqui vão algumas das que mais nos fazem pensar...
O homem nasce bom, dizia Rousseau (1712-1778), o que o torna mau é a imersão na sociedade; daí que para preservarmos a nossa identidade individual, a sociedade tenha que passar um ‘contrato social’ entre os seus membros
Hoje, o trabalhador tem condições que nem sonhava na altura (ndr: em 1917).Não havia sequer o descanso semanal. Foi a I República que instituiu o domingo como dia de descanso obrigatório. A minha avó tinha um comércio e quando se instituiu essa lei ela deitou as mãos à cabeça a dizer que ia ser a falência. Não foi
Ou ainda...
O racionalismo é uma grande descoberta da emancipação humana, permite-nos saber que somos homens». (…) «A individualidade é a marca da humanidade, pois estou convencido que não há dois homens iguais. Há sempre qualquer coisa que os faz singulares
Numa entrevista em que cita Descartes, Galileu e Rousseau; em que recorda episódios políticos e sociais do último século, Emídio Guerreiro deixou-nos um impressionante exemplo de que vale sempre a pena trabalhar o intelecto. Nenhum de nós, quase de certeza, chegará à sua idade. Aproveitemos, por isso, os seus ensinamentos.
Publicado por André 01:26:00
Estamos de acordo. Gostei da sua lucidez sobre o fim de uma civilização ( a nossa ), pois eu partilho a mesma ideia, há bastante tempo. E prevejo que dentro de 20-30 anos vão forçosamente ter de regressar regimes autoritários... e é isso que me preocupa. As pessoas não souberam, nem sabem, e parecem não querer, viver a liberdade. Os abusos da liberdade vão transformá-la em regimes, de novo autoritários. O fim da civilização não é só isso, é mais do que isso, mas também é isso.
Os paradigmas, os valores, as acções --veja-se a história dos tempos e civilizações passados-- estão completamente subvertidos. Por exemplo: a democracia (de esquerda, em portugal, passou 30 anos a censurar a associação de cristãos, principalmente o rito católico, na televisão, jornais, comícios, etc.. Mas nem uma palavra em público de repúdio para com as novas seitas de "pactos com o diabo" que exercem em Portugal (e não só), que têm feito homicídios e a sacrifícios humanos e outros crimes, como é público!!!
Quando se mata inocentes,crianças,indefesos, mulheres, homens, em nome de Alá, de Deus ou do Diabo (diabo é o espírito humano desumanizado, e nessa perspectiva existe)como nas últimas décadas, ja não falando da I e II grande Guerra, não há dúvia, que a passos largos, a nossa civilização desaparece, como a de Esparta, de Atenas, Homérica, fenícia, romana, etc. etc.
Há para aí um "jovem" de 80 anos que, com o nosso dinheiro, inventa efabulações históricas, colocando o seu pai (Figura terciária da 1ª Républica) como o Republicano mais republicano de Portugal.