Vasco Pulido Valente - "Justiça"
sábado, agosto 14, 2004
Desde o princípio do escândalo da Casa Pia que se vêem na televisão dezenas de figuras supostamente veneráveis jurando pela sua alma e a sua honra que «a justiça funciona». A repetição indica a mentira com cristalina clareza: a justiça não funciona. E toda a gente sabe. Os portugueses, como é público e notório, têm medo dos tribunais. «Ir a tribunal» foi sempre uma tragédia, uma catástrofe, o equivalente a uma doença grave ou a morte na família. Pior: foi sempre inútil ou nocivo. Qualquer pessoa de qualquer «classe» ou de qualquer educação sente que a lei não a protege de rigorosamente nada: da fraude, da burla, da calúnia, da agressão física, da negligência médica ou do próprio Estado. E de uma infinidade de outras coisas, que no dia-a-dia se aguentam e sofrem por pura impotência. A complicação da lei e a lentidão do processo instituíram uma espécie de impunidade universal. Por estranho que pareça nunca amanheceu no cérebro dos nossos governos democráticos a ideia simples de que a democracia se fundava na eficiência e celeridade da justiça. Não se investiu na justiça e não existe evidentemente uma democracia a sério. Como, por estranho que pareça, nunca amanheceu no cérebro dos governos, nem no cérebro muito mais pequeno dos peritos que a primeira condição da «confiança» e, portanto, do «desenvolvimento» era, igualmente, uma justiça que, além de impor um respeito geral pelas regras do mercado, garantisse os contratos, esmagasse a corrupção e radicalmente eliminasse o favor político. Não se investiu na justiça e o resultado acabou por ser uma economia suspeita e miserável. Mas, no meio disto, só a pedofilia comove a opinião. E o Primeiro-Ministro, a pretexto de umas gravações, quer fazer um «pacto» com o PS. Não lhe disseram com certeza que, em matéria de justiça, o «Bloco Central» está feito. Para fins diferentes.
Publicado por Manuel 02:34:00
4 Comments:
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Mas, já agora, algum jornalista português chegou ao pé de, por exemplo, Ferro Rodrigues e perguntou: "O Senhor já abusou sexualmente de menores?". Não. O Dr. FRodrigues vem sempre dar conferências de imprensa, como um rei que não responde a perguntas...
Isto para chegar ao ponto em que discordo: "Só (?????!!!!) a pedofilia comove a opinião pública". Lamento discordar de VPV: as regras do mercado, os contratos, a corrupção e o favor político são muito graves, mas a pedofilia é mais. Então agora é pacóvio comover-se com os crimes de pedofilia?
Já reparei que alguns pensadores (e a esquerda "pura e dura" em geral) consideram os crimes patrimoniais mais graves, mais "comovedores" que os crimes sobre as pessoas. Discordo desse ponto de vista. Eu, parte da oponião pública anónima, vejo os malefícios éticos e práticos da violação das "regras do mercado", dos contratos, mas não me comove ao ponto da violação de crianças e jovens.
é que isto das emoções e coisa fácil. Emoção vende e quando é preciso até dá marchinha branca com pombinha e patrocínio de quem sabia do caso em tempos mas também calou por "prudência".
Eu para emoção barata não dou. Porque os mesmos que tantas vezes enchem a boca do sofrimento das criancinhas são os que depois mandam aquelas "boutades" definitivas como: só depois de o tribunal declarar é que há culpados. Até lá são todos inocentes. E querem fazer crer que um povo com sentido de justiça ou vergonha na cara há-de ser um povo silencioso, que não toque nos poderosos para não parecer difamação, que seja neutro e passivo até ao milagroso dia em que um milagroso tribunal decrete.
Este é o mal do velho respeitinho que ainda temos entranhado. Respeitinho, cobardia e muita emoção para lavar a alminha.