Um choque petrolífero…ameaça ou não ?
quinta-feira, agosto 12, 2004
Os preços do petróleo nos mercados internacionais não param de bater sucessivos máximos históricos. Hoje dia 12 Agosto, atingiram em Londres o máximo de 42,24 dólares, levando a maioria dos especialistas a considerar, que tal facto terá inevitavelmente consequências drásticas na economia mundial.
Depois de termos assistido durante os anos de 1973 e 1979 aos choques petroliferos que originaram graves crises económicas devido ao impacto que a subida do preço petróleo teve nas economias – choques assimétricos sobre a procura – com consequente desiquilíbrio externo, começa a ganhar um peso cada vez maior a possibilidade de assistirmos a um terceiro choque petrolífero, que levará novamente as economias para o vermelho.
Em 1973, após o embargo árabe aos países ocidentais que apoiaram Israel na guerra de Yom Kippur, levou a uma subida em quase 50 % do preço petróleo, e a uma perda de 400 milhões de barris. Em 1979 depois da revolução iraniana de 1978 que derrubou o Xá e levou ao poder Khomeini e logo de seguida a guerra Irão-Iraque, levou a que os preços iniciam-se novamente uma escalada, ainda que neste choque petrolífero, o efeito diferido se fizesse sentir, uma vez que a verdadeira alta dos preços ocorreu entre 1980 e 1982, com consequências nefastas na economia, uma perda de 450 milhões de barris, levando a uma quebra absoluta anual de 4,00 % no consumo, com a inerente consequência na inflexão da economia.
E agora, quais as razões que levam de facto a escalada de preços e quais as consequências.
Ainda que o tema seja de clara dictomia, é um facto que a economia mundial está obviamente nas mãos do petróleo, e esse parece ser o primeiro erro. Depois de em Maio de 2004, o assassinato de 5 engenheiros na àrabia saudita junto ao complexo petroquímico na costa do Mar Vermelho ter levado os mercados a instabilidade, a situação actual que se vive no Iraque, com as complicações em Najaf, Sadr-el city e Nassyria, em nada ajuda a estabilizar aquele que é um dos garantes da produção internacional. A tudo isto junta-se a instabilidade em torno da Yukos, a petrolífera russa, à beira da falência e o referendo de domingo na Venezuela se terminar em violência campal e em novas greves da petrolífera estatal, então o caminho para o choque será uma questão de minutos. Aliado a tudo isto torna-se corrente a instabilidade que a Administração Bush introduz nos mercados, especialmente pela demonstrada volatilidade na política externa e na entrada em conflitos bélicos.
O Mundo após o 11 de Setembro tornou-se um mundo mais sensível ao risco, e por isso qualquer acontecimento que marque o mundo geopolítico faz-se imediatamente sentir nos mercados internacionais. A situação das reservas mundiais que dão para 40 anos, tornam-se talvez no maior problema, pois a longa distância temporal, impede as nações mais ricas de procurar novas alternativas energéticas. Mas até aqui o caminho pode estar perto, pois é sabido que os mercados tem no valor de 50 dólares o máximo suportável e que imediatamente desencadeará o irreversível processo de transformação de energias alternativas.
Para piorar tudo, esta é a primeira crise que ocorre em ciclo ascendente da economia e não em boom económico como as anteriores, o que coloca por si só em causa a fraca retoma económica que vamos tendo por cá, porque os níveis de emprego e de criação de riqueza estão ainda suficientemente baixos e com multiplicadores do efeito da subida do petróleo a funcionarem de uma forma mais corrosiva sobre a economia.
Portugal depende entre 70 % a 75 % do petróleo, e isto obriga-nos imediatamente a fazer contas. Ao mantermos o mesmo nível de consumo, aliás as opções governativas aqui tem sido nesse sentido, obriga-nos a importar cerca de 7,5 Milhões de barris ano. Ora como no ano de 2003, o pagamos 27 dólares por barril é fácil perceber que se tivermos que pagar 40 dólares por barril, que o acréscimo na factura para Portugal rondará os 800 milhões de dólares. Isto directamente.
É verdade que o preço do combustível utilizado na aviação subiu cerca de 58 % nos últimos 12 meses, e que o preço do brent – crude do mar do norte que serve de referência – subiu 58 % no último ano, o que inevitavelmente levará a que as empresas – alguns sectores de uma forma directa inicialmente os outros por arrastamento – façam repercutir no preço dos seus produtos o custo da matéria prima.
O primeiro efeito será uma subida generalizada da generalidade dos preços – a definição perfeita de inflação – que a verificar-se acima do crescimento dos salários nominais , induz uma perda real do poder de compra, com consequente quebra no consumo privado. Logo o consumo privado que se tem manifestado em Portugal como o “falso motor” da retoma. Os governos centrais da União Europeia, nada podem fazer, uma vez que o único instrumento que dispõem é o orçamento, e a única hipotese no caso português seria descer o ISP- imposto sobre petróleo que garante cerca de 10 % das receitas fiscais. Uma descida na taxa de imposto só iria agravar ainda mais o défice orçamental.
A hipotese mais sustentada de reacção a escalada dos preços do petróleo, vem de facto dos bancos centrais, que sabendo os problemas que uma inflação descontrolada causa na economia, irão certamente fazer subir as taxas de juro activas e passivas. O efeito é imediato, pois passará a existir uma maior propensão à poupança, e consequente diminuição da massa monetária em circulação, o que por si só reduz o efeito da inflação. Mas a factura é bem cara, pois uma subida da taxa de juro, retrai obviamente o investimento – o custo do dinheiro aumenta - , aumentando por outro lado o custo do crédito, fazendo diminuir o rendimento disponível das famílias, o que em Portugal face ao elevado endividamento das famílias, terá certamente graves consequências sociais. Com o consumo retraído pelo aumento da inflação., acrescido do investimento em contracção devido à subida da taxa de juro, é perfeitamente plausível a análise do FMI, onde em cada 5 dólares que o petróleo suba, o PIB dos países da OCDE desce em 0,4 %.
Mas existem ainda três considerações, importantes nesta análise , que devem ser de facto realçados :
a) As mudanças climáticas – A cada vez maior certeza de que o clima está em mutação, caminhando o mundo para apenas duas estações –Verão e Inverno- marcadas ainda por extremos – vagas de calor e frio – faz que os mercados estimem um maior consumo de petróleo no futuro . Os futuros de petróleo agradecem.
b) A silly season americana – Em cerca de 20 dias, cerca de 35 milhões americanos consomem nos seus potentes carros, mais combustível, que os 40 milhões de espanhóis num ano interno. Segundo o Expresso, os americanos deverão pagar este ano – ano de eleições – o preço recorde de USD 1,76 por galão.
c) As reservas de petróleo serão em 2020 inferiores em 20 % as existentes em 2010. Em 2050 as mesmas representarão apenas um terço das actuais. Esta questão merece de facto, maior atenção. Devido a questões geopolíticas, a Rússia tem vindo a manter as suas reservas, a Nigéria que tem duas vezes mais reservas que há 10 anos, produz o mesmo, e o Iraque produz muito menos que há 10 anos. Ou seja esixte e bem como disse Nuno Ribeiro da Silva ao DN ," um potencial de oferta que não de desenvolve meramente por razões geo políticas”.
E o cenário só não é mais grave, porque os países da União Europeia, uns mais que outros dependentes do petróleo da OPEC, tem contrariado a subida do preço do petróleo – negociado em dólares – com a valorização da moeda euro face ao dólar.
Associado a isto, o próprio BCE, já admitiu não esperar subir a taxa de juro até ao final do ano, tudo porque o dólar tem funcionado em sentido contrário.
A OPEC atenta a este facto – melhor dizendo ao facto de mercado monetário poder absorver a subida do petróleo – já manifestou a intenção de passar a transaccionar o petróleo em Euros, o que levaria de imediato, ao colapso do dólar – os países europeus deixariam de precisar do dólar e não comprariam mais, o que levaria os estados unidos a mergulhar na maior crise económica – e a uma explosão económica de efeito dómino nas economias europeias. Mais grave é que a OPEC, anunciou na semana passada a intenção em aumentar a quota de produção – normalmente os mercados reagem a estas notícias transaccionando em baixa o petróleo - , e os mercados continuaram a subir.
A última esperança poderá residir na banda de negociação que a OPEC não activa desde Dezembro de 2003, e que levará a um controlo mais ou menos rígido sobre os preços. O défice americano, tem funcionado para os dois lados, pois a necessidade constante de elevados fluxos de dólares, a reserva federal emite moeda para pagar as importações e o resto do mundo compra esses mesmos dólares , aguentando a sua cotação nos mercados financeiros, como forma de financiamento a compra do petróleo.
Para Portugal, as consequências tem se feito sentir, no aumento sucessivo do preço do petróleo, associado a um cartel que as petroliferas tem mantido, com a conivência governamental ao não controlar conforme prometido a liberalização do sector. Portugal onde o ISP representa 68 % do preço da gasolina, é esperado que o preço da gasolina possa atingir o € 1,25 até ao final do ano. E o mesmo só não é maior porque as petrolíferas sabem que não podem repercutir nos consumidores a totalidade dos aumentos, mas para isso adoptaram uma estratégia consonante e que passa por apenas diminuir em 20 % o preço do combustível quando o mercado assim o permite como no passado dia 29 de Junho aquando do anuncio da OPEP no aumento da produção e consequente descida do preço para 33,11 dólares. As petrolíferas tiveram aqui margem de descida de quase 4 cêntimos, mas apenas desceram 0,8 cêntimos e 1,2 cêntimos o gasóleo e a gasolina.
A soluções passam para Portugal, primeiro por uma aposta cada vez maior no uso do transporte público e no desenvolvimento do transporte de mercadorias por via terrestre e marítima. Para além dos inerentes ganhos ambientais o nível de consumo e de exigências energéticas diminuiria drásticamente. Mas poderá um país como Portugal que tem nas travessias do Tejo, dois dos maiores sorvedores de combustível diário abdicar de tais receitas no seu orçamento ? Poder pode, mas os contratos altamente lesivos que celebrou com a Lusoponte, onde o Estado se auto-obriga a pagar o diferencial entre o tràfego diário e o valor que a Lusoponte considerou ser o necessário para sua rentabilidade , quase que deita por terra qualquer esforço nesta àrea. Aliás muita da política de transportes públicos de Lisboa, ou melhor a sua ausência, pode ser vista ao reler com cuidado esses contratos.
Portugal, país com relativas vantagens na recuperação e produção de energia éolica e das máres bem como solar, deveria há muito ter apostado nelas. Hoje estariamos certamente melhor e não na iminência de ter que comprar uma quota ao Zimbabwe para cumprir Quioto.
Publicado por António Duarte 22:29:00
Os países desenvolvidos andam há dezenas de anos a promover, politicamente, o desenvolvimento dos países pobres. Agora percebe-se porque é que esses esforços nunca resultaram na prática: porque não interessa que eles se desenvolvam. Vejam a China que, com o seu crescimento astronómico nos últimos anos, passou também a ser um "player" importante no mercado petrolífero. A oferta potencial de petróleo sempre foi constante nos últimos anos (devido à falta de investimento na extracção de petróleo) e, subitamente, a procura ultrapassou o limiar da oferta devido ao crescimento económico de países pobres como a China e a India. Eles agora também disputam as mesmas reservas de petróleo que os países desenvolvidos consideravam exclusivas das suas economias.
O choque petrolífero que está aí à porta é diferente dos outros dois da década de 70 do século passado. Estes foram conjunturais mas aquele que estamos a antever deriva de causas estruturais. O preço alto veio para ficar. Talvez seja desta que os Governos, especialmente, os Europeus, promovam a sério, não só as energias alternativas como também políticas de conservação/redução do consumo de energia. Um exemplo, só para reflectir, quantos de nós, no emprego, quando vamos almoçar, apagamos as luzes, os monitores ou outros periféricos/equipamentos? É que o custo não é só do empregador, é também do país que tem de entregar divisas para pagar o petróleo/gás que consumiu para gerar a electricidade utilizada. Admito que com o euro o impacto desta ineficiência na Balança de Pagamentos e consecutivamente na política monetária e cambial, é menor, mas ele continua lá.
Sérgio