Os Militares e a "Floresta" (corr.)
domingo, agosto 01, 2004
Escreveu aqui o António a propósito dos incêncios, do seu combate e da sua prevenção...
É impossível ter um Canadair em cada concelho, é impossível ter um bombeiro em cada hectar, mas uma das perguntas que mais me coloco, é o que fazem os militares nos quarteis acantonados durante o Inverno/Primavera?
Hum... Os militares - suponho que apenas os do Exército - estão de facto acantonados no Inverno/Primavera? Se os houver esse acontanamento faz sentido? O que deveriam estar a fazer? Tudo perguntas legítimas mas julgo que orientadas para a seguinte conclusão de retórica: Que agarrarem em malhos, podões, corta-matos e motoserras e limpem as matas.
A meu ver, os soldados de infantaria são tão adequados a prevenir e combater incêndios como os submarinos são adequados para vigiar e combater o narcotráfico. Dito isto, é fácil verificar que não é apenas o António a lembrar-se deles quando se fala de incêndios.
Podemos equacionar tais meios (a tropa) para tais objectivos (prevenção e combate aos fogos) mas não podemos esperar mais do que vantagens marginais dessa relação.
Há naturalmente um conjunto de funções e exercícios que se enquadram no treino militar dos quais podem resultar externalidades positivas no que toca à defesa das matas, mas apontar este argumento, em quase todas as convesas onde se fale do problema florestal português, como algo relevante, é um puro engano. Não é, nem pode ser para isso que temos FA. Se parte delas estiver desocupada durante parte do ano, não me parece que faça qualquer sentido "arranjar-lhes que fazer" na mata.
Caminhamos paulatinamente, há mais de uma década, para a profissionalização das FA com os necessários ajustamentos (redução no número de efectivos e de unidades) e passámos por infindáveis e inconclusivas discussões e estudos em torno do papel estratégico que queremos atribuir às mesmas.
Patinámos nesta reforma avançando com promessas e transformações legislativas parcelares, desconexas, irrealistas. Tentemos perceber o porquê do atraso na abolição do serviço militar obrigatório ou, mais tenebrosamente, o bizarro processo de substituição da G3, por exemplo.
Em suma, faltou saber o que fazer e como fazer, faltou a capacidade e, fundamentalmente, a vontade política.
A degradação visível e notória das FA a vários níveis coincidiu nos últimos anos - desde Guterres - com uma utilização activa das mesmas enquanto instrumento da política externa portuguesa. Pela primeira vez em muitos anos, como consequência da sua utilização, começou-se a perceber difusamente qual poderia e deveria ser o papel principal das FA ao serviço do Estado. Na prática o "o quanto mais me bates mais gosto de ti" parecia (parece) ser o lema de serviço público que temos pedido às FA.
Contudo, há um consenso alargado, publicamente enunciado, no sentido da profissionalização: menos militares, recrutados em regime de voluntariado, altamente qualificados, intensivamente treinados e utilizados amiúde como instrumento de defesa nacional/política externa.
Passando ao lado da discussão quanto à bondade de algumas das prioridade da Lei de Programação Militar (submarinos e afins) acredito que, não optando pela extinção das FA, esse é o caminho correcto e, com maiores ou menores atrasos, será esse o futuro próximo das forças armadas: a especialização e os elevados padrões de profissionalismo definindo-se o "edifício" militar português à luz das necessidades percebidas e do papel que nos for destinado e que desejemos cumprir no seio da NATO e das demais organizações militares às quais Portugal está vinculado.
Esta confusão de dimensões que se arrisca a querer fazer do Exército um instrumento permanente e não esporádico de administração interna, parece-me que não ajuda a clarificar a confusão que ainda reina entre as hostes militares e políticas.
Publicado por Rui MCB 21:00:00
4 Comments:
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È ponto assente que todos sem excepção não concordamos com a situação trágica que se vive anualmente no panorama dos incêndios em Portugal. È ponto assente que cada um dos portugueses apresenta certamente soluções várias, ambas com vantagens e com desvantagens, mas todas elas com o benefício de solicitarem o debate na sociedade.
Logicamente que este papel, numa sociedade onde deveria ser a classe política a realiza-lo, quando é desempenhado pela sociedade civil, apenas se resume a chamada participação da sociedade civil no debate político. Ainda que os políticos não oiçam, por vezes um sussuro tantas vezes sussurado transforma-se num berro.
E se os incêndios são um drama que nos afectam a todos, porque não considerar que todos podem ter o seu pequeno papel na resolução ou na atenuação do mesmo. Ou serão as forças armadas um caso de excepção, acima de todos e de tudo. Talvez esse pensamento seja em parte uma das razões do visível afastamento das forças armadas da sociedade, e por essa ordem, talvez seja essa umas das razões pela qual os portugueses não compreendem o investimento de 600 milhões de euros na aquisição de dois submarinos.
Como é do conhecimento público, o caminho desejável da profissionalização dos 3 ramos das forças armadas, fará diminuir consideravelmente o número de alistados, mas fará aumentar gradualmente a qualificação dos seus elementos. São visíveis as vantagens, já que como em tudo, o que não é obrigação pode assumir o desejo de realização.
Portugal tem participado apenas em operações coordenadas pela NATO ou pelas Nações Unidas nos últimos 28 anos, não tendo nesse espaço temporal, exigido por sua livre iniciativa ou por ataques à nossa soberania, a intervenção dos ramos das forças armadas, mas mesmo assim as forças armadas têm um papel de relevo e de importância nada desprezível para que possamos aceitar de imediato a ideia de ver um militar com um malho na mão, sem que nos venha a ideia se de facto é para isso que eles lá estão.
Eu pessoalmente entendo que as forças armadas são um dever do Estado, de um Estado de direito , e que os incêndios são uma ameaça não a soberania, mas ao modus vivendi de mlhares e milhares de portugueses. Não é o papel das forças armadas proteger os portugueses de todos os ataques externos ou internos que visem alterar o modo de vida instituído ? Não são os incêndios uma ameaça real e constante a economia portuguesa ?
Por isso não considero que se obtenham apenas vantagens marginais na participação dos militares que se encontram acontonados nos quartéis.
De qualquer forma se a profissionalização das forças armadas não é consentânea com a utilização dos militares na prevenção e combate dos fogos, poderemos dizer que a profissionalização dos militares assenta na utilização dos militares para abanarem bandeirinhas e segurarem em peixinhos em cerimónias de abertura e encerramento do Euro-2004 ?
Partes do pressuposto de que há tropa desocupada no inverno/primavera, ou seja, acantonada sem funções que se enquadrem na sua preparação. Estará? E que tropa?
Ouvindo os chefes militares e atendendo aos recursos disponibilizado às FA, o país está nos limites da capacidade de intervenção externa. Por outro lado estamos em pleno processo de alteração das formas de recrutamento / vínculo profissional entre os futuros militares e os estado, falo do voluntariado, do dimensionamento das FA às necessidades, etc.
Logo, os que estarão e têm estado "desocupados" não me parece que tenham muito mais preparação para limpar a mata do que eu. Pessoal de secretaria? Se calhar até menos do que eu...
Depois é preciso clarificarmos de que tipo de intervenção falas: de uma participação esporádica numa situação de emergência (cheias, incêndios, queda de pontes, etc) ou de uma actividade planificada e de carácter regular? Ocupação em exclusividade à limpeza de mata entre Dezembro e Março? Ou de patrulhamento entre Maio e Setembro? Mas para isso não precisamos de militares mas antes de guardas florestais e sapadores florestais. Militares com o equipamento às costas para prevenir incêndios? Não me parece grande ideia.
Se houver militares desocupados é porque temos militares a mais ou andam mal organizados (por vezes falta-lhes apenas dinheiro para o combustível dos veículos...). Reduza-se o quadro! Agora ter militares em part time... Ná!
Quanto ao teu último parágrafo... Não me parece que defendas que a tropa só serve para agitar bandeirinha e combater incêndios, mas é exactamente isso que dizes.
Há situações como o patrulhamento oceânico ou aéreo onde há uma grande facilidade em conjugares objectivos de manutenção da capacidade militar com acções valiosas em tempo de paz. No caso concreto do exército como te disse parece-me bem mais difícil que as vantagens, pensando na "defesa" das matas, sejam mais do que marginais.
Provavelmente estaremos a ter o debate que deveria existir noutros locais de responsabilidade neste país, mas já que nos calhou a nós, continuemos.
Em primeiro lugar parece-me a mim claro que existe de facto tropa desocupada durante largos meses, estacionada em quartéis e fazendo exercícios que já os sabem de cor. Depois o nosso papel na intervenção externa tem assumido a participação de determinados ramos das forças armadas, entenda-se aqui a marinha nas operações conjuntas com a NATO, e o exercito integrando forças de manutenção da paz.
Em segundo lugar, e penso que concordaras comigo, o modelo actual gerido pela Direcção Geral de Florestas acompanhado pela ténue legislação, em pouco ou nada ajuda a definir qual é o papel do Estado na preservação, prevenção e conservação da floresta do domínio público bem como domínio privado.
Isto não implica liminarmente que a solução para a limpeza das matas, esteja nas forças armadas, antes pelo contrário. No limite as forças armadas podem e porque os seus princípios de defesa, assim o indicam, serem parte integrante de um modelo de prevenção e combate aos incêndios. Agora o desígnio das forças armadas não se esgotará em minha opinião em combater e limpar as matas. Longe disso.
Logicamente que enquanto não passarmos de um modelo de voluntariado para a profissionalização dos 3 ramos das forças armadas, será difícil sabermos ao certo, com quem e como poderemos contar com as mesmas forças armadas.
Dentro da linha do comentário anterior, a ideia passará e porque a participação do exército no combate em fogos florestais tem sido uma realidade, na criação de algumas unidades de actuação rápida em situações de catastrofe sejam elas de cheias ou de fogos, dotadas de equipamento àereo e terrestre próprio, mas especialmente treinados para o efeito.
Poderão e com razão reclamar que esse papel foge aos designios das forças armadas ? Se entendermos que a defesa do território, dos bens e das pessoas è uma das funções das forças armadas e que os incêndios podem efectivamente causar isso, então penso que a ideia de o exército em colaboração com a força àerea, formarem uma unidade de actuação rápida, não é de todo descabida.
Por exemplo, nos fogos do Algarve deste ano, estiveram presentes 500 militares. Aí concordo inteiramente consigo, e provavelmente muitos deles nunca viram um fogo florestal. Aliás a mesma questão se coloca na utilização de bombeiros sapadores urbanos no combate aos fogos florestais.
O último parágrafo Caro Rui, limitava-se a demonstrar que as forças armadas merecem obviamente mais respeito do que serem utilizadas para abanarem bandeiras e andarem com catanas nas mãos.
Logicamente que a minha ideia do papel das mesmas ultrapassa largamente essas funções.