"O Diário Secreto de Santana Lopes com a Idade de 48 Anos"
quarta-feira, agosto 04, 2004
1 de Agosto - Finalmente, tenho um pouco de paz, pelo que decidi escrever um diário. Faz hoje onze dias que tomei posse. Diante das câmaras, o Presidente Sampaio deu-se ares, mas eu quero lá saber do que ele pensa. Nem eu, nem ninguém. O importante - a não concretização de eleições - consegui-o. Na política, como disse Maquiavel, os resultados é que interessam. A tomada de posse foi bonita. Eu estava bem, com o cabelo ajustado à nuca e um aspecto aprumado. Mesma a Cinha teve de o reconhecer.
Alguns jornais, especialmente o PÚBLICO, tentaram ensombrar a minha imagem, mas, em geral, as reportagens, nacionais e internacionais, foram excelentes. Houve aquela página, inteira, do "The Sunday Times", a dizer que me zangara com o meu querido amigo Durão Barroso por, em tempos, ter tido um affaire amoroso com a mulher dele (até declaravam que existiam cartas secretas!), mas o Portugal profundo não tem por hábito ler os jornais do Rupert Murdoch.
A minha presença no Parlamento decorreu igualmente de forma esplêndida. Planeei tudo com cuidado. Decidi não ligar aos deputados, especialmente aos da oposição. Com o calor que fazia, foi fácil. Gostei de ver na galeria, coitadinha, a minha querida Conceição Monteiro, uma das mulheres - e não são poucas - que me compreende. Até os esquerdistas do PÚBLICO foram forçados a citar a sua frase no sentido de que a minha cabeça "fervilha" de ideias. Só os velhos queques do Porto, como o Miguel Veiga, a Mona Lisa de Lisboa que dá pelo nome de Teresa Gouveia, e o sex symbol da Lapa, o romântico romancista Miguel Sousa Tavares, não querem admitir o facto. São umas múmias a quem ninguém dá importância.
A minha passagem pelo poder continua a correr gloriosamente. As ideias saiem do meu crâneo em catadupa. Aquela, de mandar os secretários de Estado, sem lhes ter dito nada antes, para Braga, Aveiro, Coimbra, Santarém, Évora e Faro, foi sensacional. De uma cajadada, matei dois coelhos. Demonstrei aos partidos, mesmo ao meu, que isto da descentralização é comigo; por outro lado, livrei-me de um ninho de intriguistas. Claro que sei que 80 por cento da população vive no litoral - não sou analfabeto - mas ninguém conhece este número. Toda a gente, à direita e à esquerda, tem pena do "interior". Não me esquecer de dizer ao Arnault, um bom rapaz mas que precisa de orientação, para fornecer argumentos aos autarcas, se algum jornalista atrevido lhes vier com esta estatística no bolso. Os autarcas não primam pela inteligência.
O futuro é meu. Basta olhar para o estado da oposição. Sob as vagas de deslocalização das indústrias (dizer ao António Monteiro que deixe de pensar em Paris e faça antes um plano para irmos a Pequim), os intelectuais anti-globalização estão em vias de agonizar. Embora, sendo quem são, não se tenham apercebido do facto. Depois de ter acusado Sampaio de, ao nomear-me PM, ter morto a engº Pintasilgo, eis que, a 29 do mês passado, na sua coluna da "Visão", o Prof. Sousa Santos declarava estar "Portugal no grau zero das alternativas". Se fosse a ele, estava caladinho. Caso contrário, ainda divulgo os poemas que publicou, num livrinho chamado Têmpera, editado pela Centelha, em 1980, sobre as "rachas das meninas". Quanto à extrema-esquerda e ao PCP, estamos conversados.
No PS, a balbúrdia é total. O Sócrates, que se acha "um esteta", disse à Judite de Sousa, na RTP, que o seu escritor preferido era o Bernstein. Deve haver confusão: este não era o maestro que aparecia na televisão? Quereria ele referir-se ao "renegado" dos anos 1930? Mas, tanto quanto me lembro, este chamava-se Kautsky. De qualquer forma, cheira-me a marxismo. Vou pedir à Carmo Seabra para mandar averiguar.
2 de Agosto de 2004 - O país está a arder mas a culpa, disse o Presidente da República, é de todos. Fico descansado. O Alegre declarou que, caso seja eleito secretário-geral do PS, defenderá o Estado Estratega". Vou pedir ao Portas para mandar averiguar. Por outro lado, o Presidente Sampaio "pediu-me" para governar - como se eu carecesse de pedidos! - e à oposição para "criar alternativas". Talvez se esteja a referir ao João Soares, mas duvido: tenho de observar se o Soares-filho "olha em frente" como o Presidente quer.
O Alberto João, que é um querido, declarou que não se ia candidatar à Presidência da República, o que me deixa o caminho aberto. Apesar do Prof. Marcelo - é um pena ele ser tão inteligente! - andar para aí a vender a ideia de que o Cavaco Silva é melhor do que eu, o homem não vai lá chegar. Depois de uns meses de governação minha, o povo não vai desejar a ressureição do cara de pau. Antes de partir para Bruxelas, o Durão Barroso apresentou-me o Raffarin (interrogar o António Monteiro sobre o que são os previstos "seminários temáticos", certamente mais uma parvoíce europeia).
Continua a fazer muito calor, mas, como não tenho de ser internado no Hospital de Faro, onde a taxa de ocupação é de 120 por cento (perguntar à Graça Carvalho se esta estatística tem pés para andar) não me importa. Em S. Bento há ar condicionado.
Falar com a Maria João Bustorff sobre a aquisição do quadro de Bacon, intitulado "Estudo segundo o Retrato de Inocêncio X de Velasquez", que não encontrou comprador no Reino Unido. Talvez ela saiba como o avô manobrava para adquirir antiquidades.
Fiquei contente com a sentença do Tribunal Administrativo quanto às obras em redor do Convento de Alcobaça. Desta vez, o malandro do José Sá Fernandes não obteve a providência cautelar que pretendia. Este advogado tem a mania de que, antes de proceder ao que quer que seja, as câmaras são obrigadas a fazer estudos. Ia dando cabo de mim por causa do túnel do Marquês de Pombal. Mas afinal quem é que os lisboetas tinham eleito: a ele ou a mim? Felizmente, já me vi livre daquele sarilho. Há dias, a propósito da nova Cidade Judiciária, criou outro. Mas já não recordo se Caxias pertence à Câmara de Lisboa ou à de Oeiras.
Já agora, enquanto a política está a banhos, mimar os barões locais. Preciso de ter a meu lado estes tiranetes das cidades, vilas e aldeias. Os maiorais do PSD que se lixem. E os outros também. Por ora, prefiro não falar das minhas aventuras amorosas. Ainda me lembro do que aconteceu a um tal Alan Clark quando se conheceu o conteúdo do seu diário. Em Portugal, é preciso manter as aparências. Por isso me comportei tão bem durante a missa do aniversário do nascimento de Sá Carneiro.
Maria Filomena Mónica in Público
Publicado por Manuel 07:33:00
1 Comment:
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E não compreende que o facto de 80% do país morar no litoral é o motivo para que a prioridade dos investimentos e actividades seja para o interior, para que a população os siga e o barco se equilibre. O Krugman na epígrafe do "Age of Diminishing Expectations", pela boca do sábio hindu é que tinha razão sobre os sociólogos... Enquanto não saiem da tríade do cruzamento da sexo, grau de instrução e rendimento, não passam além do bê-á-bá da análise da vida.