O bloguista, o professor e o cronista.

Vital Moreira é um lente de Direito da Universidade de Coimbra. Para além do mais, nessa Universidade, orienta um curso de pós-graduação de Regulação Pública (Direito Público de Economia). Saberá certamente do assunto, já que a sua teses de doutoramento é sobre Auto-Regulação profissional e administração autónoma (A organização institucional do vinho do Porto). Coimbra, ed. aut., 1997, p. 1997, Mai., 16

É co-autor de uma obra base do direito Constitucional Português, juntamente com Gomes Canotilho, outro lente excelentíssimo de Coimbra e que é a Constituição Anotada da República Portuguesa, obra de referência para quem quiser conhecer o nosso direito constitucional.

Parta além desse currículo de garboso mérito, ainda escreve regularmente no jornal Público, à terça-feira, sendo um dos motivos que me levam a ler o jornal nesse dia e no causa-nossa, em posts curtos e certeiros de português irrepreeensível e afinados pela ideologia que o consome - a nostalgia da esquerda e dos amanhãs que para ele deixaram de cantar mesmo em cima da queda do muro.

Não é um dos certinhos e apagadinhos que se adornam no Instituto Jurídico, empoeirando-se nas estantes, à procura do nirvana de ideias peregrinas e recolhendo-se ao pôr do sol no remanso caseiro. É tipo que escreve, dá opiniões e palpita recados aos poderes de facto. Um deles - a Igreja Católica - deve fugir das suas catilinárias como o diabo da cruz. Como ele, sobre o assunto, só houve um paralelo em Portugal e já está morto - Raul Rego. À vista da sotaina, espumava. Os dois, no Vaticano, teriam derrubado as colunas da cristandade e comido os cacos.

Tudo isto para dizer que apesar desse currículo intelectual e prestígio insofismáveis, também dislata, com frequência regular - o que aliás, se me afigura saudável.

Hoje, na sua coluna regular do Público, atira-se ao “jornalista, ao polícia e ao procurador”! É obra. Em nome de quê e de quem?! Talvez seja altura de lhe perguntar, mas quanto a mim, é em nome de uns certos heróis - Ferro Rodrigues e a direcção do PS!

A linhas tantas, diz que

A indignada revolta do visado (Ferro Rodrigues), exigindo da Procuradoria-Geral da República um desmentido da informação do jornal não produziu mais do que um fruste comunicado da assessoria de imprensa de Souto Moura declarando que Ferro não tinha sido informado do teor dos depoimentos de qualquer testemunha, mas sem infirmar a existência, nem a credibilidade, desses alegados depoimentos (os quais, a existirem, não poderiam deixar de ser indignos de qualquer crédito).

Para Vital Moreira, lente de Direito, os “alegados depoimentos” de três testemunhas que incriminaram Ferro Rodrigues em factos muito graves e atentatórios da determinação sexual de crianças, contam zero em credibilidade. Assim, tal e qual e à partida. Se me competisse investigar os factos, teria certamente convocado Vital Moreira, para me esclarecer e eventualmente instaurar logo um processo por denúncia caluniosa contra as testemunhas “indignas de crédito, pois Vital Moreira, sabe, desde já, como suspeito que o soube desde sempre, que o seu correligionário Ferro Rodrigues está inocente e limpo de qualquer dessas imputações que só podem ser miseráveis e indignas de qualquer crédito.

Presume-se por isso que Vital Moreira teve acesso ao processo ou pelo menos falou com as três testemunhas e, por ele mesmo, sem ser através de outrém ou de cor, tirou aquela conclusão definitiva acerca da indignidade do depoimento das mesmas.

Porém, como não consta que Vital Moreira esteja no rol dos polícias ou dos procuradores ou até mesmo dos advogados, deveremos concluir que falou com as testemunhas. Só pode. Um lente tão brilhante não se atreveria a escrever o que escreveu se assim não fosse. Ou então, se foi, é uma pena, porque nem chega a ser dislate.

Depois, a seguir, também não poupa o jornalista...
Tampouco era manifestada qualquer intenção (da PGR e no comunicado supra indicado) de investigar a flagrante violação do segredo de justiça por parte do jornal e das suas fontes, sendo manifesto que os elementos que poderiam estar na base das pretensas informações só poderiam ter origem nos meios policiais ou do Ministério Público com acesso aos autos. O pouco que já se conhece sobre o conteúdo dessas gravações revela que entre essas fontes estava o próprio director da Polícia Judiciária, bem como a assessora de imprensa do procurador-geral da República, que subscreveu pessoalmente quase todos os muitos comunicados de imprensa saídos do Palácio Palmela sobre o processo Casa Pia desde o seu início! O caso já fez rolar a cabeça do chefe da Polícia Judiciária. Resta saber o destino do procurador-geral da República.

Ora bem. A PGR tem dito e redito e tornado a dizer que as violações sucessivas do segredo de justiça estão a ser investigadas, num único processo, do qual está encarregado um magistrado (um procurador-geral adjunto) a tempo inteiro. Aqui, parece-me que já há dislate! O cronista Vital Moreira, não se pode dar ao luxo de desconhecer isso, porque tem acompanhado o caso e já escreveu algumas vezes sobre o segredo de justiça e a sua violação, em termos que me pareceram então dúbios, motivando reparo e que o mesmo se aprestou a esclarecer.

Para quem não saiba, Vital Moreira é da linha dura, dos que defendem que o jornalista que publica informações sobre o processo em segredo de justiça, comete o crime, sem mais. Debalde lhe pode ser dito que as violações do segredo foram tantas e tantas que às tantas, a regra já era a violação e a excepção o comedimento e o segredo. Aferra-se no artigo 86 do C. Processo Penal, interliga-o com o artº 371 do Código Penal e a Constituição, artº 20 nº 3 – e não sai dali.

Não interessa que tenha sido preciso fazer nova lei, ainda há pouco, para tornar inequívoca a incriminação dos jornalistas, e por isso em boa lógica, poder perguntar-se - se já estavam incriminados com a lei antiga para quê uma nova?! Não será esse o melhor argumento para os que defendem o contrário?

A seguir, Vital Moreira entra nas atribuições dos procuradores e polícias - a investigação criminal. Para os castigar com denúncias de inoperância e exigir responsabilidades. Muitas responsabilidades exige Vital Moreira! Como ele, o José Pacheco Pereira do Abrupto, sempre pronto, também ele, a exigir responsabilidades...

E desta vez então, afoita-se ao múnus de polícia...

O mínimo que se exigia era que o Ministério Público procedesse sem demora a uma análise das referidas gravações e à abertura dos necessários inquéritos. O facto de elas não poderem servir como prova penal, por terem sido feitas ilicitamente, não apaga os ilícitos que elas revelam e que possam ser provadas por outros meios. Os que foram vilipendiados, a começar pelo ex-secretário-geral do PS, têm um direito básico a saber quem participou na sua crucificação pública.

Vital Moreira sabe, deve saber, que uma investigação sobre violação de segredo de justiça, não se destina a lavar a honra de alguém. A lavagem da honra, faz-se em sede de procedimento criminal por crime de naturesa particular, ou quando muito que depende de queixa. Não parece ser esse o caso, nas duas situações. E se não é, porquê tanto afã? Porquê tanta vontade declarada na destituição de alguém que ainda ontem disse ser um dever o tratamento de todos, por igual, perante a lei?

Vital escreve...

No lamentável comunicado da PGR do dia 9 passado sobre o assunto - o qual curiosamente não aparece subscrito, como habitualmente, pela assessora de imprensa -, Souto Moura apressar-se a declarar que "o suposto material das gravações em causa poderá revelar-se inócuo como prova dos crimes que possam ter sido cometidos com as conversas que hajam sido gravadas ilicitamente". Embora se acrescente que "tal não impede que (...) venham a investigar-se todos os comportamentos relacionados com o caso que tenham relevância penal, daí se retirando as devidas consequências", a verdade é que esta retorcida fórmula deixou muito a desejar quanto à determinação de proceder à investigação que a responsabilização penal dos implicados pela divulgação ilícita de dados processuais reclama.

Que quereria Vital Moreira? A constituição de uma task force para investigar estes dois factos, relativos à gravação de conversas pelo jornalista? Vital não deve ignorar que o crime em causa, é quase uma bagatela penal - punido com pena de prisão até um ano ou multa. O mesmo que conduzir sem carta! A gravidade objectiva é essa! E depende de queixa! Não se podem matar moscas com canhão, nem a lei deixa. Nestes casos não são autorizadas buscas ou escutas telefónicas... e a instrução dos processos resume-se geralmente a ouvir pessoas. Se é isso que se fez sempre, por que razão se faria agora de modo diferente? Por estarem em causa notáveis?

Desgraçadamente, parece que sim. É o próprio PR a apontar a gravitas do assunto, secundado pelo inefável Almeida Santos e por uma corte de outros notáveis que pedem notoriedade e vigor à investigação do crime de lesa-majestade. Parce-me que é exactamente disso que se trata - um crime de lesa-majestade!

Bem, perante isto apenas me resta deixar uma pequena reflexão sobre um aspecto que aparentemente Vital Moreira não se terá dado conta - o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

Diz assim...

Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

Na sua anotação de 1993, na 3ª edição da CRP anotada (comprei-a, caro Professor...) diz isto...

Ao determinar a igualdade dos cidadãos perante a lei , a Constituição acolhe a versão históricamente adquirida da fórmula clássica do princípio da igualdade: a igualdade no plano do direito (...) proibindo a diferenciação das pessoas em classes jurídicas distintas, com diferentes de deveres, de acordo com o nascimento, a posição social, a raça, o sexo, etc.

Mas não fica por aí o alcance da protecção constitucional (...)Ele é hoje um princípio disciplinador de toda a actividade pública nas suas relações com os cidadãos

Por muitas voltas que se dê ao texto e por muita tergiversação jurídica com que se possa acometê-lo, sobrará sempre a noção base da igualdade e que significa tão só o seguinte...

Ferro Rodrigues ,o Pedroso ou outro político qualquer, mesmo sendo do PS, não tem que ter um tratamento diferenciado e melhorado, no que se refere ao princípio da legalidade do direito penal.

É igualzinho a qualquer josé ou vital que tenha o azar de se cruzar nas teias da lei.

Foi também isso que o PGR José Souto Moura ontem reafirmou e que poucos ouviram. Vital Moreira parece não lhe ter prestado atenção, mas é pena, porque se calhar não pediria tão afoitamente o afastamento. Souto Moura tem respeitado como muito poucos o fizeram, aquele princípio basilar da democracia.

Gostava que quem é um grande professor, e por quem muitas vezes tenho admiração, também se lembrasse dessa lição que deixou para os outros lerem.

Publicado por josé 21:38:00  

14 Comments:

  1. Anónimo said...
    É obra. Este José deve ter estado horas, HORAS a escrever. E para quê?

    Tente responder a esta questão. Se você, e o Manuel, fossem acusados por um par de jovens de os terem abusado sexualmente, entre Janeiro e Dezembro de 1999, algures num apartamento da Foz, o q
    Anónimo said...
    É obra. Este José deve ter estado horas, HORAS a escrever. E para quê?

    Tente responder a esta questão. Se você, e o Manuel, fossem acusados por um par de jovens de os terem abusado sexualmente, entre Janeiro e Dezembro de 1999, algures num apartamento da Foz, e se os depoimentos desses jovens fossem abundantemente transcritos pela imprensa, rádios, TV's e Blogs, o que fariam?

    Responda só a essa questão, e depois reflicta sobre a merda que escreveu este tempo todo, perguntando-se: porquê?
    josé said...
    Anónimo:

    Eu não sei se o Ferro é culpado ou não. Já disse isso aqui muitas vezes e quem me lê sabe que é verdade.

    O que escrevo, tem a ver apenas com a vontade irreprimível de demonstrar que alguns escribas notáveis da nossa praça e que são líderes de opinião, também o não sabem, mas usam sofismas e manipulam a ignorância alheia para tentar demonstrar o indemonstrável. É só isso.
    Sobre a matéria em causa, a saber, será Ferro culpado, mesmo que não seja possível processá-lo, acho que ninguém a não ser o próprio, na intimidade da sua consciência e quem o acusa, é que saberão.
    Eu não me imiscuo nesse reduto de consciência, se reparar bem.
    Tento apenas jogar com os argumentos dos que afirmam sem dúvidas que ele está inocente e que a "acusação" é uma ignomínia completa e as regras do processo penal e da lei que temos. Releia o que escrevi, se entender, e verá que é assim e sempre foi- para além de umas tiradas sarcásticas e ás vezes a rondar o mau gosto- mas é o meu estilo- hélas.

    Quanto ao tempo que por aqui passo: tem toda a razão. isto já é insano e viciante. Estou aqui horas, de facto, enquanto trabalho noutras coisas.
    Não é a escrita que me demora. É o vício de espreitar o que está escrito noutros lados e a tentação de comentar.
    ~
    Pode crer e agradeço-lhe até o reparo- que vou fazer uma pausa nesta insanidade. É demais, de facto.

    ALém disso, é inútil tentar convencer com os meus argumentos: isto é quase como no futebol. O clubismo é que conta e até espíritos inteligentes, como os que tenho vindo a comentar, deslizam para o fanatismo e o tendenciosismo.

    Parafraseando o CAA do Blasfémias, I rest my case.

    Obrigado pelo aviso.
    Luís Bonifácio said...
    Ó José não compare o Lente Vital Moreira com um "menino" que queria ser padre, mas como os padres viram que ele não tinha jeito ele foi para a Maçonaria (Como costuma acontecer nestes casos).
    Agora já não há boinas para roubar no Parlamento. Esta é a única grande falta que Raúl Rego faz à Democracia Portuguesa
    Anónimo said...
    Ó Escriba Lacónico, embora mais "lacónico", o seu comentário é tão bom quanto o post, perdoe-me o José. Que tirada! Gostava de ter esta clareza e síntese de argumentos.

    Por outro lado, não desapareça demasiado, José. Porque uma pessoa (normal!) não pode ficar entregue à comunicação social (quase toda!) e à pandilha de comentadores.
    Por exemplo, o Dr. Mário Soares falou ontem pelo país e disse que todos nós não confiamos no PGR.
    Pois nele é que eu não confio nele nem muito menos lhe confiava os meus filhos...
    josé said...
    Sobre o Mário Soares, ando com muita vontade de aqui copiar um artigo que sobre ele ( e não só) o advogado António Marinho escreveu há poucos anos, num jornal do Centro...É revelador da indulgência com que essa figura esquisita tem sido tratada pela opinião publicada, ao longo dos anos.
    Anónimo said...
    Caríssimo irmão José, por curiosidade, onde foi que confirmou a informação de que foram 3 as testemunhas que implicaram o nome de Ferro Rodrigues?
    Leu no processo ou na publicação de algum excerto deste?

    João
    josé said...
    João:

    Não se faça de ingénuo..

    Veio profusamente nos jornais: no Independente; no Portugal Díário e noutros.
    O próprio Ferro Rodrigues disse, segundo o Portugal Diário:

    "No entanto, no passado sábado durante a reunião da Comissão Nacional do PS, Ferro Rodrigues declarou (e não foi oficialmente desmentido): «Ponham-se no meu lugar. O que aqui está em causa é a solidariedade política e quem tiver dúvidas que tenha a coragem de manifestá-las. Não foi apenas o Paulo Pedroso que foi incriminado. O meu nome também apareceu nos depoimentos [das testemunhas] e foram levantadas contra mim suspeitas criminosas. Aqueles que coordenaram estas calúnias foram os mesmos que fizeram a divulgação das escutas».


    Deixe-se de muitas dúvidas...
    N.P. said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    N.P. said...
    Fique V. Ex cia ciente que no término e sustentado nos mesmos factos que arrolou, ou noutros que, voluntarioso, podia ter recolhido no dito artigo de opinião -- ou noutros factos comummente aceites de "factualidade" "factual" --, as conclusões que retirou e que demoradamente expôs -- não vá alguém não concluir o mesmo -- podiam ser completamente outras, inclindo o oposto daquela que esforçadamente atingiu.

    Um abraço,
    N.P. said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    josé said...
    Quer Vª X.ª dizer, portanto, que eu ando a ver copos meio-cheios, onde outros os vêem meio-vazios?!
    Pois, se for assim, prefiro.
    A sofreguidão da bebida, inebria demasiado e tira o bestunto.
    Anónimo said...
    Carissimo "irmão" José. Obrigado epla resposta, mas não esclareceu a minha dúvida. Como soube que eram 3 e não 2 ou 1 o nº de testemunhas que implicam Ferro Rodrigues?
    Do que me sobra de memória, confesso que não consultei agora informação da época, teria sido confirmado que uma testemunho o citava, e "haveria" outras 2.
    Ora, este jornalistico haveria cheira-me a esturro quando as fontes não são citadas. Não há uma confirmação oficial no sentido positivo ou negativo? Era isto que, sinceramente, gostava dee ver esclarecido.
    João
    Anónimo said...
    Carissimo "irmão" José. Obrigado epla resposta, mas não esclareceu a minha dúvida. Como soube que eram 3 e não 2 ou 1 o nº de testemunhas que implicam Ferro Rodrigues?
    Do que me sobra de memória, confesso que não consultei agora informação da época, teria sido confirmado que uma testemunho o citava, e "haveria" outras 2.
    Ora, este jornalistico haveria cheira-me a esturro quando as fontes não são citadas. Não há uma confirmação oficial no sentido positivo ou negativo? Era isto que, sinceramente, gostava dee ver esclarecido.
    João

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