Azares...

Na vida, como no jogo, se o sucesso surge ele advém do mérito caso contrário foi o azar. Se nos países que se regem segundo o Islão, os jogos de sorte ou azar, são proibidos e dão direito a prisão, nas sociedades ditas modernas os mesmos fazem parte do quotidiano.

São os jogadores de casino que se envolvem nas escolhas sempre difíceis entre o "vermelho" e "preto" e que como por artes mágicas, perdem sempre e para isto só há uma justificação - foi o azar.

São os alunos que depois da prova de Matemática, dizem que foi azar ter saído aquela pergunta. Foi a selecção portuguesa que na final do Euro'2004, teve azar em sofrer aquele golo. Depois foram os incêndios que deflagraram por azar.

Esta pequena teoria transporta-nos claramente, para um grande problema que existe em todas as cidades de Portugal mas com mais incidência no Porto e em Lisboa. Os prédios devolutos e em risco de queda.

Ontem em Lisboa a derrocada de um prédio na zona de Campo de Ourique levantou de imediato a questão sobre as obras, a sua responsabilidade e os efeitos nefastos que tal situação provoca quer nos moradores quer na cidade.

A questão é por si só complexa, uma vez que deve ser vista sobre três pontos de vista, o do inquilino, do proprietário, e da autarquia.

Os inquilinos, muitos deles, residentes em prédios em "ruínas" espalhados por essas cidades fora, pagam rendas que se encontram desactualizadas face ao valor de mercado. A lei protege em demasia os inquilinos, e coloca toda a responsabilidade do lado dos proprietários dos imóveis a quem compete executar toda e qualquer obra de melhoramento no prédio.

O proprietário, muitas vezes herdeiro do primeiro proprietário, sabe que as rendas que mensalmente recebe e quando as recebe não chegam sequer para pagar as contas da água, luz e limpeza quotidiana do imóvel. Por várias razões entre elas a sucessiva falta de coragem em vitalizar o mercado de arrendamento urbano por parte dos governos que tem passado por cá, o que leva nalguns casos a rendas com preços de 1970. Ainda que se proceda a obras de restauro, a lei permite que se suba as rendas até 8% face ao valor praticado até então. Se estivermos a falar de rendas na casa dos 30 euros, rapidamente se perceberá que 8% não chega a um aumento líquido de 3 euros.

A autarquia, a quem compete fazer cumprir a lei em vigor e em promover programas de reconstrução e requalificação urbana como é o caso do programa RECRIA, onde uma parte substancial é suportada pela autarquia e a outra remanescente pelos proprietários.

A lei é clara e dá poderes a autarquia de avançar com as chamadas obras coercivas, colocando os imóveis em questão sobre gestão camarária.

Ora em 5 de Janeiro de 2002, logo após a tomada de posse, Pedro Santana Lopes, dizia assim...


Decidimos fazer, até 15 de Janeiro, um inventário exaustivo dos prédios devolutos e degradados. A seguir far-se-á uma intimação colectiva para os proprietários entaiparem os prédios. Se não o fizerem, a câmara irá fazer esta empreitada e depois debitar-lhes os custos

O inventário, realizado chegou à conclusão que havia 1404 prédios devolutos e degradados a exigir intervenção urgente e 3021 edifícios afectados em menor grau e total ou parcialmente habitados e numa primeira fase a autarquia, através de um edital assinado pelo então presidente, deu 15 dias aos proprietários para emparedarem as portas e janelas dos prédios devolutos e em perigo e ordenou a demolição ou beneficiação de edifícios que ameaçam ruína.

Mais tarde percebeu-se que a própria autarquia também tinha imóveis em avançado estado de degradação, e seis meses depois, apesar de ter enchido as ruas com cartazes tapando as fachadas de prédios estrategicamente colocados, com " Obras Coercivas" , a verdade é que a mesma autarquia do Lopes, ainda não tinha emparedado os seus próprios imóveis em risco.

O caso assume enorme gravidade por duas razões...

  • A Protecção Civil tinha evacuado na véspera todos os habitantes do prédio por risco iminente de queda.

  • A Autarquia de Lisboa havia notificado várias vezes o proprietário para realizar obras, em Outubro de 2003, foi realizada uma vistoria da autarquia e aberto um concurso municipal para a realização de obras. Ora a responsabilidade pelo sucedido ontem está num edital afixado na junta de freguesia dos Prazeres onde a Câmara Municipal de Lisboa responsabilizou-se pelo edifício e pelas suas obras de recuperação. A vereadora Eduarda Napoleão determinou, através de um despacho, tomar posse administrativa do edifício para execução das obras de conservação e no mesmo documento os moradores receberão uma notificação para passarem a depositar a renda na Caixa Geral de Depósitos. Mas, apesar do edital ter sido afixado no mês de Maio, os moradores até hoje não receberam qualquer informação nesse sentido.

Se por um lado existem esperanças dos proprietários que as rendas aumentem para que se possa pagar as obras e do lado dos inquilinos que exigem obras que justiquem o aumento das rendas, a realidade assume contornos demasiado duros...

  • Num imóvel com 10 fracções, e com obras totais em média na casa dos 75.000 Euros, é difícil que o aumento das rendas compense o custo da obra.

Por isso a nova lei do arrendamento, não poderá estar apenas do lado do inquilino, mas também terá que dar alguns benefícios e poderes aos proprietários.

Mas não se pense que os proprietários são as vítimas deste problema, nada disso. Lembram-se que no princípio deste artigo termos falado de sorte ou de azar ?

Pois bem, e como a lei o permite, o proprietário do imóvel que ruiu ontem recebia mensalmente perto de 500 euros mensais de rendas provenientes de 12 fracções. Tal rendimento se aplicado em obras, permitiria pagar as obras em 20 anos sem incluir o custo do recurso ao financiamento bancário. Com a queda do imóvel irá certamente surgir um projecto para um condomínio de luxo na zona chique de Campo de Ourique aprovado com pompa e circunstância pela autarquia, que ainda afirmará que...

Estamos a mudar Lisboa

Os proprietários esses tiveram sorte, pois o prédio ruiu, não gastaram dinheiro nenhum em obras como era sua obrigação, e agora realizam uma mais-valia interessante na venda do terreno, e se souberem negociar ainda levam uma fracção no novo imóvel.

E o azar ? O azar foi o prédio ter caído. Ora tal afirmação vinda de um incauto munícipe seria constrangedora mas aceitável, mas vinda de Carmona Rodrigues, actual presidente da autarquia, levanta questões importantes ao nível da responsabilidade ou melhor da irresponsabilidade com que se governa.

A posse administrativa só é feita a partir do momento em que se faz a consignação da obra e estávamos a uma semana de a fazer. Foi azar mas já podíamos ter começado se o primeiro concurso não tivesse ficado vazio.

Ora perante isto, eu mesmo não sei se foi azar, ou sorte a mais, o prédio não ter caído antes. Se foi azar Carmona Rodrigues ter chegado a presidente da autarquia sem ter passado pelas mesas de votos.

O que sei é que independentemente da sorte ou do azar, os políticos não podem justificar-se no jogos de sorte ou de azar para justificar os seus próprios erros, sob pena de um dia, os eleitores terem que escolher se votam no azar ou na sorte, no "preto" ou no "vermelho", isto porque, uns de uma maneira outros de outra, todos quando chegam à hora de justificar, tem apenas uma palavra...o azar !


Publicado por António Duarte 11:15:00  

2 Comments:

  1. Rui MCB said...
    Bela "posta".

    Mas enfrentando o problema - da nova lei - temos um bico-de-obra. Espreita o artigo de opinião do FSCabral no DN hoje. O último parágrafo revela bem o dilema.
    António Duarte said...
    http://dn.sapo.pt/cronica/mostra_cronica.asp?codCronica=7840&codEdicao=1189

    Por FS Cabral...

    Mas liberalizar as rendas pode ser fatal para as famílias pobres. Há duas soluções, há muito previstas: exclui-las da liberalização; e subsidiar as rendas que essas famílias virão a pagar. Ora, como saber quem são os realmente pobres (quando ricos declaram no IRS o salário mínimo) e como arranjar dinheiro do Estado para subsidiar mais de cem mil famílias? Daí dependerá virmos a ter, ou não, uma reforma a sério.

    Nem Mais

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