" As dificuldades da acusação nas sessões de julgamento."

via Carvalhadas on-Line...


As cenas dos próximos capítulos surgirão em breve, no processo mais mediático que o País conheceu nos últimos anos, o processo Casa Pia. Há igualdade de armas entre a acusação e a defesa. O jogo é limpo. Mas a acusação, representada pelo Ministério Público e pelos assistentes, terá certamente muitas dificuldades, perante as regras processuais de valoração da prova.Para que seja deduzida a acusação que, uma vez aceite pelo juiz, conduza à marcação do julgamento, basta que durante a fase de inquérito tenham sido «recolhidos» indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o agente (art.º 283.º do Código de Processo Penal).

E os indícios consideram-se suficientes sempre que deles «resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».Mas trata-se apenas de uma «possibilidade razoável», ou seja, uma probabilidade. É um juízo provisório sobre matéria que consta no inquérito, baseado numa lógica de probabilidades. Significa isto que se pode ser arguido, sujeitando-se a julgamento, e ser absolvido no final. Como sucede frequentemente.

Ora, muitos dos elementos de prova que constam do inquérito e que serviram para o Ministério Público deduzir a acusação não poderão ser utilizados no julgamento e não serão considerados. Com efeito, «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência» (art.º 355.º, n.º 1, do referido Código). Apenas se ressalvam provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, o que naturalmente é muito limitativo.

Assim, as declarações prestadas pelos arguidos e pelas testemunhas durante a fase do inquérito não servirão de meio de prova. Tal como não servirão de meio de prova muitos documentos recolhidos durante a investigação.Claro que os juízes não deixarão de ler os extensos volumes do processo, a exigir um índice, tal como sucede com qualquer livro ou documento extenso. Mas, sob o ponto de vista legal, só poderão tomar em consideração as provas produzidas ou examinadas me audiência (princípio do contraditório e da imediação da prova). É como se tais elementos de prova não existissem.

E como incumbe à acusação provar em sede de julgamento os factos, já que o arguido se presume inocente, a prova terá de ser reproduzida, com todas as contingências inerentes. Mesmo que as sessões decorram à porta fechada, não vai ser fácil conseguir que as testemunhas deponham no tribunal da mesma forma que o fizeram na fase do inquérito.O constrangimento de relatar o que se terá passado, a consciência de que a comunicação social não deixará de dar relevo aos depoimentos, a vergonha pelo que se passou, fará com que ofendidos e testemunhas se inibam, podendo remeter-se ao silêncio ou escudando-se no simples « não me lembro».Muitas vezes, há a tendência de transformar os queixosos em arguidos, invertendo os papéis. Há alguns anos, apresentei uma queixa-crime por difamação, contra determinado indivíduo. Arrependi- me de o ter feito, pois verifiquei que o arguido era tratado com a maior deferência, o mesmo não sucedendo com o ofendido. O simples facto de o arguido já não se chamar réu (quando em processo civil se mantém essa nomenclatura) é revelador da inversão provocada pelo garantismo (excesso de garantias) que a defesa beneficia, nos países com legislação mais « avançada», como é o caso de Portugal.

Daí que uma absolvição não signifique, necessariamente, que um arguido seja inocente. Muitas vezes, apenas significa que não se fez prova.Note-se que não se está a formular nenhum juízo de valor sobre os arguidos deste caso mediático nem sobre o próprio processo, que, aliás, desconhecemos. Este comentário é genérico e abstracto.


Edgar Valles
Advogado.

Publicado por Manuel 19:55:00  

0 Comments:

Post a Comment