Vasco Pulido Valente - "Mudanças"


Não se deve levar excessivamente a sério o respeito que Santana exibe pelo Presidente e pela Assembleia da República. Como não se deve levar a sério a paixão que Portas constantemente proclama por instituições, do seu próprio partido ao Exército português. Basta olhar para o Governo para perceber porquê. O Governo tem representantes de interesses (muito específicos), que pesam, ou aspiram a pesar, decisivamente na economia do País; tem representantes da Igreja e, dentro da Igreja, do lado mais conservador e militante; tem representantes do CDS e do PSD e de facções, que se detestam, do CDS e do PSD; e tem os favoritos dos chefes, que nada ainda representam mas querem agora a sua fatia do bolo. Ainda por cima, o primeiro-ministro pediu o apoio, e é apoiado, pelos caciques das câmaras, todos com a sua conta no bolso e a sua conhecida voracidade. Além disto, já impressionante, Santana e Portas resolveram distribuir bocados do Governo por Portugal inteiro, mandando seis secretarias de Estado para Coimbra, Santarém, Faro, Évora, Braga e Aveiro. Esta «deslocalização» serve sobretudo para envolver o poder central na pequena política da província e para dividir e manipular as forças locais. Para cúmulo, o próprio Santana, num claro apelo ao regionalismo, parece que pretende instalar um «Gabinete» no Porto. Em resumo, à revelia da Constituição cresce no Estado um regime de «feudos». Cada um com a sua influência e a sua gente. O Governo deixou de ser um Governo regular e clássico. Já não é uma autoridade nacional ou racional, é uma corte, onde os senhores dos «feudos» irão continuamente disputar o favor de um príncipe populista. A desordem favorece Santana, porque só ele ocupa um ponto fixo e só ele, em última instância, decide. Fora a cerimónia e a fachada, a democracia está a caminho do Limbo. Na prática, vamos viver numa «anarquia feudal», à sombra de uma figura «carismática».

in DN

Publicado por Manuel 01:45:00  

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