"Vaga, no azul amplo solta"


Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.



O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

Fernando Pessoa


Publicado por Manuel 18:33:00  

2 Comments:

  1. Red Boys ESTAÇÃO said...
    Grande poema.
    Muito bom gosto.
    Escolha acertada.
    Ainda bem que o li agora.
    Anónimo said...
    Este Pessoa sabia bem o que escrevia. Magnífico.
    Também se chora de saudade, de saudade de quem se ama e não se pode tocar.
    Boas férias para todos.
    Gabriela Arez

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