"Ousar", ou a vez da terceira via
sexta-feira, julho 02, 2004
Que "Roma não paga a traidores" e que "são muitos poucos os generais que morrem às mãos do inimigo" são ensinamentos que todos deveriamos ter retirado da História. Mas não aprendemos.
Aquilo que até há bem pouco tempo era impensável aconteceu num ápice. Guterres - que já não é mais o fugitivo - tem tudo para ser o próximo Presidente, Santana já é Presidente do PSD e parece inevitável que vá ser o próximo Primeiro-Ministro. Ninguém se indigna, ninguém se espanta pelo que deve ser normal.
Não é, mas como muito bem aponta Vasco Pulido Valente é natural que as coisas assim aconteçam. Afinal os motivos que levaram o mesmo Pacheco Pereira, que ontem assinou no Público um dos melhores textos da vida dele, a não "reparar" ou achar relevante mencionar previamente na óbvia inadquação do Lopes a ser primeiro vice-presidente do PSD e mesmo Presidente da Câmara de Lisboa num congresso que nem há dois meses ocorreu não são diferentes dos que esta noite levaram a esmagadora dos conselheiros nacionais a ovacionar Santana. realpolitik pura e dura.
Com Santana Lopes não é sequer o fantasma do populismo que está em causa, é pior, infinitamente pior.
Santana não existe, acreditem. É um excelente orador, e tem um ego maior que a dívida da Madeira ao Continente, mas não tem uma única ideia própria, num debate com gente séria e a sério, sem cartas marcadas, ia ao tapete em três tempos.
Mas Santana não debate, discursa, ou declama. É o prótotipo do político "ideal", uma mera fachada.
As suas "ideias", boas ou más, são as daqueles que o "acompanham" num dado momento, no more no less. Santana Lopes é como aquelas "louras burras" da meterologia, fica sempre bem porque quem lhe faz o script não é ele... E é esse o verdadeiro perigo de Santana.
Ninguém sabe o que ele pensa, porque Santana não pensa, pensam por ele, ninguém sabe o que ele quer, porque, aparte estar à tona nem Santana sabe o que quer, outros querem por ele. Em bom rigor Santana Lopes, com congresso ou sem congresso, com ou sem eleições, não passa de um boneco telecomandado.
A espantosa agregolação de interesses divergentes que subitamente se agregaram em volta dele só é possivel porque Santana não existe, Santana representa. Representa um papel e terceiras partes que não se sabe quem são, nunca são escrutinadas nem nunca vão a votos.
Santana é o "fantoche" puro, a mais perfeita "marioneta", e é feliz assim porque só o palco lhe interessa. A peça, o guião, os detalhes, os outros que se arranjem, que se entendam, que negoceiem entre sí, que ele "representa".
Nunca a moderna Democracia portuguesa esteve tão ameaçada - de um lado um PS com um líder eternamente refém dos seus próprios fantasmas do passado, do outro um PSD literalmente telecomandado por entes anónimos.
Mas nunca houve uma tão grande oportunidade (Sá Carneiro teve-a mas faleceu prematuramente) para refundar verdadeiramente o sistema político português como agora. Como aponta, e bem, Vasco Pulido Valente, o centr(ã)o parece hoje um deserto.
Talvez seja uma fatalidade ou a oportunidade de uma vida, resta saber se a vamos desperdiçar. É tão fácil apontar para os outros, para os que estão acima ou ao lado, para os mais jovens e frescos e descartar responsabilidades...
É mais díficil falar verdade, dar a cara, ainda por cima aquando numa aparente minoria, pedir sacríficios, pedir para fazer reformas a sério com sacríficios, é ainda mais complicado enfrentar interesses poderosos, daqueles que se fazem cobrar a 50€ por minuto, mas não é de todo impossível.
Às vezes para as coisas acontecerem basta mesmo acreditar. Acreditar e ousar lutar por elas e por um país que é de todos nós.
N.A. Uma última nota para a absoluta desfaçatez de Barroso com Ferreira Leite. "É política" dirão uns, mas não é! É uma pura canalhice reveladora do carácter, estirpe moral como agora se diz, do personagem e simplesmente digna de um bom par de tabefes...
Publicado por Manuel 03:52:00
2 Comments:
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- Gomez said...
10:27 da manhã, julho 02, 2004Venha a terceira via!- JVC said...
11:00 da manhã, julho 02, 2004Como pormenor num óptimo post, não concordo com o "ninguém se indigna". É só ver o que aí vai pelos blogues.