"The logical song"

José Pacheco Pereira, hoje no Público, na sua crónica habitual, arremeda Lobo Antunes, na frase curta e de retrato. Falta-lhe a poesia do mestre, faltam-lhe figuras de estilo, mas a estilização do casal suburbano, reduzido ao estereotipo deprimente, sugere uma paráfrase, ao som dos Supertramp.

Cá vai...


Claro que está mais velho e divorciado. O filhos, antes educados em colégios no Restelo, onde aprendiam o francês e tentaram o piano, continuam a teclar, mas agora no comando da tv de écran de plasma de última geração, comprado na FNAC que o levou a casa do senhor doutor, lá para os lados de Caxias.

Em vez de surf nas ondas, ondulam na net e em vez da bicla, o mais velho tem agora um carro de modelo d, preto, a condizer com o ambiente das docas.

O carro foi prenda de aniversário do pai que “ensina” numa universidade moderna, bem lusíada, nos intervalos de consultor de prebendas. Foi nessas consultas que soube da máquina para o filho, num negócio excelente, de ocasião. Na altura, a EP, pública e de administração simbioticamente privada, em maré de renovação de frota, resolveu entregar os velhos BM´s , comprados três anos antes, trocando-os por reluzentes Audis, para conforto das agruras dos sacrificados administradores.

Um deles, amigo de sempre e antigo colega na distrital local, tinha-lhe telefonado, a incentivar.

Os dois amigos, muitos anos antes e munidos do cartão laranja-rosa, tinham feito parceria na concelhia, de onde ascenderam à autarquia e daí à consultadoria. De facto, “os amigos são gregários” e por isso se lembravam um do outro, nessas ocasiões oportunas e vantajosas. Alguns anos atrás, tinham concorrido a deputados em lista alargada e de eleição rápida e lograram o lugar cativo, ao lado de ávidos leitores do Record, emparceirando com eles nos votos em generalidades. Deram o lugar a outros, e foram tomando o de outros, sempre numa ascensão fulgurante de EP em EP e de conselho em conselho, até à Administração interna, numa secretaria apagada.

Também andou no Euro, e ajudou à festa, gritando “Força Portugal”, nos comícios de campanha, em jantares enjoados, a repetir frases gastas, num sacrifício preciso e de cachecol verde e vermelho, em ambientes “dos nossos”. Não sabe bem quem pagou, mas a EP ajudou. Aliás, contas, não é com ele. Todos os meses lhe caiem na sua, lá no BCP, dinheiros avulsos das administrações várias e das consultadorias passa recibo, com IVA incluído. A secretária é que sabe. Disso e do mais. E quanto ao mais, passeia para longe!

Ao fim de semana e em férias frequentes lá vai a Paris, ver o impressionismo; a Londres, a peça do Webber e a Barcelona, o Gaudí.

E cá dentro, tentando-se a livros que já não lê, mas só folheia, é com gosto que percorre em duas horas a distância até Vilamoura, no seu BMW série 5, com GPS e leitor de CD, ao som de um antigo Supertramp...


The Logical Song

When I was young, it seemed that life was so wonderful,
A miracle, oh it was beautiful, magical.
And all the birds in the trees, well they’d be singing so happily,
Joyfully, playfully watching me.
But then they send me away to teach me how to be sensible,
Logical, responsible, practical.
And they showed me a world where I could be so dependable,
Clinical, intellectual, cynical.

There are times when all the world’s asleep,
The questions run too deep
For such a simple man.
Won’t you please, please tell me what we’ve learned
I know it sounds absurd
But please tell me who I am.

Now watch what you say or they’ll be calling you a radical,
Liberal, fanatical, criminal.
Won’t you sign up your name, we’d like to feel you’re
Acceptable, respecable, presentable, a vegtable!

At night, when all the world’s asleep,
The questions run so deep
For such a simple man.
Won’t you please, please tell me what we’ve learned
I know it sounds absurd
But please tell me who I am.




Publicado por josé 15:25:00  

5 Comments:

  1. dragão said...
    Bem, penosamente, lá me arrastei até ao artigo do gajo e tentei ler o chorrilho. Não consegui aguentar até ao fim, mas deu para perceber a "ideia".
    Em contrapartida, consegui ler sem fastio nenhum o teu e a "logical song" até é um tema que aprecio. Mas tem uma coisa: O JPP já era molusco quando era pequenino. Sem esquecer que o polvo, apesar de tudo, é muito mais inteligente que uma sardinha, ou que um cherne, e até que um choco. Garantem-no os biólogos.
    josé said...
    Pois é, caro Dragão! Isso até merece a citação do Padre António Vieira, na célebre passagem do Sermão aos Peixes:

    "O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta ou desta hipocrisia tão santa, (...) o polvo é o maior traidor do mar."

    Não quero chegar tão longe, nestes quiasmos comparativos, mas que o gajo é um cretino, lá isso...
    Kamikaze (L.P.) said...
    A situação dantesca em que Portugal está mergulhado está a espevitar a verve e o engenho dos Veneráveis Irmãos. Um regresso em grande do José propriamente dito, com direito a brinde e tudo. Boa!
    josé said...
    Meu caro Elísio:

    O que tentei fazer, na "charge" ao texto do JPP, foi exactamente isto que acabei de fazer consigo...

    O texto do JPP não tem a profundidade que lhe empresta. Nem no estilo, nem no conteúdo. É uma graçola, redutora e triste, a repescar um outro texto de há dez anos, sobre o então "problema da ponte". Ele, JPP é que não percebeu o "problema da ponte": a arrogância e o autismo do Cavaco e Dias Loureiro que ele então apoiava sem reservas conhecidas.
    O DL chegou à ponte num aparato de helicóptero para destroçar um bloqueio cujas raízes estavam precisamente nessa atitude de sobranceria e autoritarismo balofo, como se viu alguns meses depois, nas eleições que o GUterres ganhou. O JPP, se viu o problema, preferiu situá-lo nas pessoas como o tal casal da pequena burguesia (?) urbana que são efectivamente a base social de apoio do partido que o sustenta( e do PS também) e lhe tem dado lugares na alta função pública.

    Por isso é que escrevi a charge procurando acompanhar o texto nas suas partes essenciais e fazer a transposição para outro tipo de classe: a dos apaniguados da partidocracia e das administrações das empresas públicas, onde se demonstra diariamente a aplicação prática do princípio de Peter.
    Era sobre esta classe particular e sobre esta fauna sociológica que eu gostaria de ver o JPP escrever, até porque é esta que o gajo conhece mesmo bem- porque convive com ela.

    O Supertramp é uma escolha perfeita para banda sonora de textos ligeiros e só me ocorreu porque a banda tem um álbum intitulado Crisis? What crisis?
    De resto , estive para intitular o texto Breakfast in America, em louvor dos viajantes...que vão de Lisboa a Pequim, passando por Sampetersburgo e ainda chegam a Manhattan, tudo a expensas do Estado...

    O meu amigo não conece ninguém assim, pois não?!

    Um abraço que isto, como diz o Grande Irmão Manuel, é um blog familiar.
    zazie said...
    na mosca, josé, na mosca!
    ";O)

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