"Humilhação"

Enquanto não chegamos a acordo com o autor sobre o cachet, aqui se copia uma prosa notável carregada de ironia e lucidez...


Em Lisboa, dois taxistas foram condenados por terem cobrado um preço superior ao legal aos clientes, ou seja, por terem cometido, cada um deles, um crime de especulação.

As sentenças tornaram-se notícia já que, para além das penas normalmante aplicáveis, foi imposto aos arguidos que afixassem, nos respectivos táxis, cópias das sentenças.

Para António Marinho, controverso comentador das lides judiciárias, foi uma “sanção acessória exemplar e pedagógica”. No mesmo sentido, foi a opinião de Carlos Pinto Abreu, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados.

direitos
ficou admirado com a posição assumida por estes dois causídicos defendendo uma imposição que está para além da culpa de cada um dos arguidos. A exigência de exibirem nos veículos o teor da condenação afigura-se uma forma de humilhação. As exigências de prevenção não devem sobrepor-se a uma reserva mínima de dignidade que, em cada caso, cabe ao arguido.

Sempre desconfiei das justiças exemplares. E do populismo que a elas anda associado. O que diriam esses dois causídicos se, em pena acessória, alguns pedófilos fossem obrigados a trazerem na roupa uma inscrição da qual constasse que tinham sido condenados por violação de menores? Bem, e não se quer fazer ironia, talvez dependessse do estatuto social dos arguidos.


Publicado por Manuel 00:01:00  

1 Comment:

  1. josé said...
    Não li a sentença, não conheço os fundamentos.

    Mas apetece-me contextualizar.
    Em 1984, havia grande tendência inflacionária em Portugal, na sequência das grandes aventuras colectivizantes e despesistas dos Governos de então.
    A legislação sobre infracções á economia parte desses pressupostos ( basta ler o preâmbulo da lei em que se menciona expressamente a intervenção do Estado na economia e o "combate" às "práticas especulativas" e às "práticas comerciais restritivas e seus reflexos sobre os preços".
    Escreveu-se até o seguinte:
    " Aliás, é da própria natureza desta área do direito penal atender essencialmente à reprovação das condutas em si mesmas lesivas dos valores fundamentais do ordenamento sócio-económico, só se considerando a qualidade ou condição dos autores em casos especiais ou para efeitos especiais."

    Não sei se foi este o espírito que presidiu à aplicação da sanção acessória que a lei - artº 8º - diz que "podem ser aplicadas". Porém, não estamos em época inflacionista acentuada e por isso a sanção acessória de publicidade da decisão, aplicada de modo sui generis e eventualmente desproporcionada, não terá qualquer efeito de prevenção geral, e a meu ver nem sequer especial, pois a actividade especulativa dos taxistas ficou a dever-se a um acontecimento circunstancial e restrito no tempo: o Euro que já acabou!

    Se a ideia era a prevenção geral dos outros taxistas, acho que a autuação e a condenação- que foram rápidas - seriam suficientes: os colegas taxistas ficaram a saber que se especulassem nos preços poderiam apanhar pela mesma medida.
    A publicação da sentença no táxi parece-me que não vai mais além deste objectivo e nem é essencial ou sequer proporcional, para a finalidade supostamente visada.

    E parece-me ainda mais:
    os tribunais, neste caso, quiseram associar-se à euforia do Euro e contribuir também para o civismo que se impunha socialmente e nada melhor para mostar isso do que aplicar sentenças...populistas.
    Noutra altura, se calhar, não o fariam, o que só demonstra que o recuo e a ponderação dos tribunais é um atout imprescindível á boa administração da justiça e a pressa, o voluntarismo e a ideia de ser mais uma Maria a ir com as outras do governo ou das televisões, às vezes conduz a uma justiça que não o será de todo, porque corre o risco de não ser adequada e proporcional à lesão do interesse colectivo em causa.

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