Uma experiência nula...

Diogo Vasconcelos, Gestor da UMIC - Unidade de Missão Inovação e Conhecimento - escreve hoje uma mirabolante prosa no Público tentando justificar o injustificável. A UMIC vai este fim de semana estourar qualquer coisa como meio milhão de €uros numa experiência piloto sobre o "voto electrónico". Já em tempos se tinha criticado a indigência por detrás de tal medida mas a prosa de Diogo Vasconcelos justifica nova e aturada reflexão.

O responsável da UMIC termina a sua prosa com o seguinte corolário...


Para os eleitores das nove freguesias piloto, um ganho suplementar: o de saírem da assembleia de voto duplamente satisfeitos por terem expresso a sua vontade política através do sistema tradicional e o de terem contribuído activamente para que o voto se torne cada vez mais um acto natural, conveniente, acessível, recorrendo inteligentemente e com todo o rigor ao que de mais relevante o Século XXI traz consigo: a Sociedade da Informação e as suas redes.

Compare-se tal corolário com o que em tempo oportuno aqui escrevemos ...

Com o País em crise, a UMIC de Diogo Vasconcelos não arranjou nada de mais útil para fazer do que literalmente estourar 500 mil euros (cem mil contos) numa experiência pateta cuja única utilidade prática será a de todos nos podermos divertir ao ver nas TVs umas velhinhas excitadas (como se tivessem andado de avião, ou saltado de paraquedas, pela primeira vez) a dizer da emoção que sentiram por terem votado, a brincar, "electronicamente".


Acontece que esta "experiência" da UMIC, como muitas outras particularmente dispensáveis, não pode nem deve ser vista como um acto de mero novo-riquismo. Diogo Vasconcelos, cujo forte sempre foi a área do marketing e propaganda e não a "sociedade da informação", não se coíbe de partilhar com a plebe a sua visão de uma democracia de sucesso...

Não fará sentido pôr sobre a mesa a hipótese de que o fenómeno da Abstenção tenha, também, a ver com este tema da conveniência? Assim mesmo, sem mais metafísicas interpretativas, sem leituras políticas demasiado ambiciosas - que, naturalmente têm toda a legitimidade, mas que talvez não esgotem o assunto.(...)
numa sociedade de conveniência, não faltará quem se interrogue: porque é que votar há-de ser um problema, um acto inconveniente, pouco prático, preso ao chão, agarrado aos papéis, cheio de filas, recorrendo a tabulações de montinhos, com ritmos descompassados?

Discurso sedutor e, como habitualmente, redutor. Diogo Vasconcelos já tem idade para saber que a verdadeira função da tecnologia, numa sociedade democrática, não pode ser apenas a de "conveniência", é a de aproximar as pessoas e não aliena-las ainda mais.

O drama das sociedades hodiernas é que as pessoas vivem cada vez afastadas umas das outras, mais individualistas e solitárias e por consequências convivem e interagem mal em sociedade. Esta falta de interação resulta numa tabloidização dos sentidos opiniativos, logo políticos que vão e vem como modas. Nada disto é novo, e já muito se escreveu sobre a matéria.

Dito de outra forma, qualquer inplementação, que se queira séria, de voto electrónico só faz sentido, político, económico e estrategico se enquadradada numa visão e estratégia muito mais vasta já que este, o voto electrónico, não pode ser visto como mais uma forma de desumanizar ainda mais a democracia e aparticipação dos eleitores nesta... Por outro lado, e do ponto de vista das infraestruturas também a actual experiência não faz qualquer sentido.

Deveria ser, mas não é nem esta nunca o tentou, papel da UMIC racionalizar e homogenizar todo o backoffice do Estado, deveria ser papel da UMIC ter uma visão coerente e integrada, muito para lá dos chavões que se apreendem em qualquer revista de segunda categoria, sobre qual o papel da tecnologia - como um todo - no aproximar do Estado e dos cidadãos, etc, etc, etc... Infelizmente a UMIC que torta nasceu (tutela bicéfa - dependência formal de Morais Sarmento e da PCM e operacional de José Luís Asnaut) torta há-de morrer.

Não tem à frente ninguém com peso político ou sequer visão (comparar a UMIC com por exemplo a API de Cadilhe é o mesmo que comparar uma pulga com um elefante) e dedica-se a financiar uns numerozitos para pacóvio ver. O Portal do Cidadão está de facto de pé mas qual a pertinência de começar a casa pelo telhado quando para um front-office mais ou menos aprealtado temos dezenas de backoffices incompatíveis e quantas vezes mutuamente exclusivos ?

Um destes dias ficamos a saber pela voz de José Cesário que Portugal vais ter em breve um BI de nova geração com chip integrado e tudo. Já passou pela cabecinha da UMIC que essa podia ser uma excelente oportunidade, e um grande cavalo de tróia, para dar nexo a todo backoffice do Estado - um BI com um chip integrado, onde numa parcela estavam as informações com os dados biométricos do proprietário, e noutras (cada qual apenas legivel pelos sistemas do respectivo ministério) a informação que neste momento se encontra dispersa por uma infinidade de cartões?... Isso sim era uma excelente ideia.

Uma nota para finalizar - o peregrino sistema que vai ser testado este fim de semana não permite o impede o voto nulo. Ora parece óbvio que uma das aferições do grau de sucesso deste desperdício apelidado de experiência, e sendo que as cobaias votam duas vezes - uma a sério, pelo método convencional, e outra electronicamente - seria que os resultados fossem iguais pelos dois métodos.

No Brasil - electronicamente - é possível votar nulo, em Portugal, deslumbrados pela novidade, ninguém na UMIC, na CNE ou no STAPE se lembrou desse detalhe não trivial que proíbe o direito inaliénavel que cada um tem se assim o desejar de votar nulo.

E assim se estouram, repito estouram, meio milhão de €uros...

Publicado por Manuel 11:43:00  

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