"Os novos censores"


...Toda intenção ditatorial começa por calar a palavra...

Liberation, Paris.



Foi sempre assim e sempre assim será.

Pois é.

Há pouco mais de uma semana, num jornal diário, um magistrado teve, vejam lá!, a ousadia inaudita de criticar as mudanças de quadros dirigentes e intermédios da Polícia Judiciária do Porto, por entender, se bem percebi, que isso iria prejudicar a estratégia de certo processo de todos conhecido e de que não vale a pena estar aqui a referir.

O novo director prendou o público com declarações espantosas que deixaram dúvidas sobre se alguma competência e idoneidade tinha para o cargo. As televisões esbabacaram, os jornais gozaram com razão.

No dia 6 do corrente, o venerando Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), lateralizando a agenda pré-estabelecida, foi confrontado com a colocação sobre cada dos dossiers de cada um dos seus membros, de fotocópia do tal jornal em que o magistrado tivera uma minúscula entreveita.

Foi o cabo dos trabalhos! Perdeu o CSMP várias horas a discutir qual a sanção a distribuir ao magistrado: processo disciplinar como queriam os fundamentalistas (ou outra coisa?), ou mero processo de averiguações, como queriam os mais ortodoxos?

A alguns a aparição inusitada das fotocópias cheirava a esturro, era encomenda...

Bom, como mas como se impunha decidir questão de tamanha relevância para a Justiça e bom nome do MP, lá decidiram benevolamente.

O magistrado crítico e falador (que esteja mas é calado e faça processos) vai ter um processo de averiguações. Não se sabe para quê. Pois está tudo no jornal mas assim sempre se disfarça que se faz alguma coisa.

As questões minudentes de intervenções na Liga e FPF ficam para depois, dado que aí não há problemas. É futebol.

Problema é que, logo na Comunicação Social de 7 do corrente, vinha chapado nos jornais o nome e categoria profissional do magistrado.

Como é, CSMP? Não se trata de reserva, o assunto é público? Pode meter-se na imprensa a identificação de um magistrado que vai alombar com um processe de averiguações prévio a disciplinar?

O CSMP conhece ou não, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem aprovado em Portugal em 1978, conhece a Constituição da República em vigor há trinta anos. Se não conhece, devia conhecer e devia saber que, aí, se estabelece o direito de liberdade de expressão, de pensamento e de crítica e também devia conhecer a Recomendação (2000) 19 do Comité de Ministros sobre o papel do Ministério Público.

O CSMP, que tem quem por ele leia os jornais, como lhe apetece, e já lá está tempo demais, já sabe que, segundo dizem os jornais de hoje, a matéria que o magistrado tratou vai ser objecto de audição parlamentar? E se o tal maldito tem razão? Ou só lê, por encomenda, entrevistas de magistrados?

Preferiu submeter tais textos de valor universal a um artiguilho enviezadamente interpretado, como se o magistrado se tivesse pronunciado sobre qualquer processo.

Ao CSMP não lhe ficaria mal, então, que perseguisse, com processos disciplinares, ou outros, as dezenas de magistrados que, ao longo dos últimos anos, se têm pronunciado sobre certo processo. Mas esses tinham carta de autorização. Onde está ela?. No telefone? Ou na palavra "a posteriori"?

Um órgão a quem compete, superiormente, defender a legalidade democrática transformou-se num novo censor, como que dizendo se punimos um procurador-geral adjunto, atenção procuradores-adjuntos, atenção procuradores da República. O que está por detrás disso, CSMP?

Algo está.

Com os melhores cumprimentos,

Juiz de paz


Publicado por josé 09:54:00  

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