Lealdade e Crítica
quarta-feira, junho 23, 2004
..tal estrutura hierárquica nunca poderá permitir que se instale no Ministério Público uma administrativização e uma rotina, pouco consentâneas com o estatuto de magistrado...
Procurador Geral da República, discurso no 25º Aniversário do Estatuto do Ministério Público
No exercício de funções públicas o funcionário deve actuar com lealdade.
Na semântica estrutural, "lealdade" traz-nos a ideia de que se actua, no mesmo exercício, de harmonia com os compromissos funcionais assumidos, ou seja, que se cumpre rigorosamente o juramento havido no momento em que se inicia um cargo.
Não é diferente o sentido legal do conceito. De facto, segundo as normas...
...O dever de lealdade consiste em desempenhar as ...funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público...
É assim para um qualquer funcionário e é assim, por maioria de razão, para um magistrado.
A lealdade é devida à Comunidade, impõe uma certa e determinada forma de exercer as funções em que se está investido, tendo-se sempre em atenção os objectivos concretos de certo serviço, tendo-se sempre em devida conta o que se chama de interesse público.
É isto, afinal, que consta da Constituição da República, em termos muito sintéticos.
Do que se disse, tem de inferir-se que, seja por força da Constituição, seja por força da lei ordinária, a "lealdade" não é conceito que se encaixe nas relações entre superiores e inferiores hierárquicos,antes deve ser vista como exercício probo da função em prol da Comunidade - o funcionário não está ao serviço do superior hierárquico, antes ao serviço do Estado, do interesse público, dos objectivos para que foi gerado o serviço onde desenvolve a sua actividade.
Também os magistrados, designadamente os do Ministério Público, estão, como não podia deixar de ser, sujeitos ao dever de lealdade, no sentido que se traçou, muito sumariamente, supra.
Nem poderia ser de outro modo, se se tiver em conta as funções atribuídas a esta magistratura pela Constituição e respectivo Estatuto.
Sendo o Ministério Público uma magistratura hierárquica, daí decorre que os colocados em grau inferior estão sujeitos às ordens e instruções da respectiva hierarquia, quando legais e transmitidas de modo legal.
Como se passa na Administração Pública, a "lealdade" não é, aqui,aferida relativamente a nenhum superior, antes relativamente às funções que se levam a efeito. E é bom acentuar tal matéria, pois, não poucas vezes, se tem visto confundir serviço público com serviço público tal como o entende o superior hierárquico.
Serviço público é noção, para efeitos do Ministério Público, que a Constituição define, que o Estatuto define, que outras leis definem. O superior hierárquico não tem competência para o definir, tê-la-á apenas no momento em que, legitimamente, transmite uma ordem ou instrução, prevalecendo a sua interpretação sobre a do inferior hierárquico.
Verdadeiramente interligado com a lealdade encontra-se o são espírito de crítica que constitui, em democracia, não só um direito, mas, do mesmo passo, um dever. E que não fere, nem poderia ferir em nada, a tal lealdade.
Num estado democrático, as críticas devem ser benvindas, sempre que elaboradas com substância, erradas ou não, pois é da síntese de opiniões que melhor se formam os espíritos e melhor se orientam os serviços.
Criticar não pode ser visto como maledicência, como um acto inaceitável, antes como o exercício são da cidadania que, como a toda a gente, compete aos magistrados. Da própria Carta Deontológica do Serviço Público consta a promoção de "um saudável espírito crítico" entre funcionários, quanto mais entre magistrados.
De facto, mal iria uma democracia onde os magistrados se demitissem do direito de crítica, de livre expressão, de manifestar a sua opinião.
Com as restrições legais ditadas pela natureza das funções que exercem, os magistrados são cidadãos de corpo inteiro, com os mesmos direitos e deveres de qualquer outro cidadão.
Por tudo, que vem no tempo exacto a afirmação do PGR que encima o presente texto, na linha do que, há anos, afirmou Cunha Rodrigues
...diria sempre que a palavra é um instrumento que deve ser utilizado pelos magistrados...e que ninguém nos pode tirar a palavra...
Tudo, igualmente, a propósito dos 25 anos do Estatuto do Ministério Público que há dias se celebrou.
Alberto Pinto Nogueira
Publicado por josé 20:06:00
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