General Loureiro dos Santos - "Os submarinos não são uma prioridade nacional"


PÚBLICA - Foi uma boa opção para Portugal um investimento de quase mil milhões de euros em dois submarinos?

Loureiro dos Santos - O sistema de defesa de qualquer país marítimo - e Portugal tem uma posição muito influenciada pelo mar - seria sempre muito beneficiado se tiver um sistema de armas dessa natureza. Em tese, existe uma justificação razoável para que os responsáveis pela defesa, nomeadamente os responsáveis pelo sistema naval da segurança, pretendam os submarinos. Estou a falar de uma opção de natureza doutrinária.

P - Como compatibiliza o que está a dizer com o facto de, desde 1995, Portugal ter sido sempre solicitado a participar, no quadro das alianças de que faz parte, noutro tipo completamente diferente de missões, que exigem outros meios. Da Bósnia ao Kosovo, passando por Timor, pelo Iraque e até pelo Afeganistão?

R - Essa é a grande questão. O actual ambiente estratégico internacional e nacional não dá prioridade à necessidade de submarinos, mas, pelo contrário, a outras necessidades. Se houver meios financeiros suficientes para atender em tempo adequado - agora e nos próximos cinco anos - às necessidades que se colocam em primeira prioridade e, além disso, houver meios financeiros também para os submarinos e outros sistemas de armas que, do meu ponto de vista, são de segunda prioridade, então dever-se-ia comprar.

P - Se não há recursos para tudo, como é que justifica então que, face a prioridades que exigem sobretudo forças terrestres, se gaste tanto dinheiro nos submarinos?

R - Há dois níveis de definição de prioridades. O nível global, da escolha entre sectores nacionais diferentes. E aí, há muita gente, como, por exemplo, o antigo ministro Miguel Cadilhe, que considera que determinado tipo de empreendimentos, como os estádios para o Euro2004 ou os submarinos, estão fora das nossas possibilidades.

Na área da defesa, essas definições pertencem ao ministro da tutela. O que se passou é que o ministro, em vez de ter procurado agir em função de um pensamento estratégico estruturado, fez uma espécie de "bargaining", um negócio, com os três ramos, que foram apresentando as suas necessidades de acordo com os interesses específicos de cada um.

P - Está a dizer com issoque a decisão dependeu da capacidade negocial de cada ramo?

R - Sou obrigado a chegar a essa conclusão. Ou houve ramos que tiveram maior capacidade de negociação ou, da parte do ministro, uma maior simpatia relativamente às opções desses ramos. O problema não é apenas os submarinos, que dão mais nas vistas. Houve também, do meu ponto de vista, opções que foram tomadas ao nível da Força Aérea que são discutíveis. É o caso da segunda esquadra de F-16, quando nós não temos guarnições suficientes para a primeira esquadra e precisamos, além disso, de fazer o "up-grading" dessa primeira esquadra. Neste momento e ao fim de não sei quanto tempo, só temos um avião com "up-grading", dos quarenta totais. Há aqui coisas que não se entendem muito bem.

Por ouro lado, há outro programa da Lei de Programação Militar, (LPM) - os aviões "P3 - Orion", de detecção submarina -cuja prioridade é superior à prioridade dos submarinos. Detectam eventuais submarinos que andem nas nossas águas. Mas estou a falar de um cenário que não é nada provável.

P - É difícil imaginar, no actual quadro estratégico, submarinos a ameaçar a nossa costa....

R - Essa é, precisamente, a razão que se coloca para a não necessidade prioritária dos submarinos. Neste momento e num prazo previsível não é provável que haja ameaças na nossa área estratégica próxima que justifiquem a resposta de submarinos.

P - Há vários argumentos que a Marinha e o Governo apresentam para esta opção. Um deles é justamente um ataque ou uma ameaça de submarinos a Portugal. Como acabou de dizer, não é previsível. Ou então, seria num contexto que envolveria necessariamente a NATO...

R - Exactamente. Não é previsível, de modo algum. E, mesmo que fosse, a NATO tem, neste momento, material a mais para responder a esse tipo de ameaças. Mas essa hipótese nem sequer se coloca.

P - Outro argumento é que os submarinos são instrumentos preciosos para a recolha de informação em áreas de crise. Não será um método um pouco caro?

R - O submarino pode, de facto, recolher informações numa situação de conflito aberto junto do território inimigo. Mas essa situação não se prevê. A questão que se coloca é que nunca se compram submarinos com esse objectivo. Compram-se submarinos para combater esquadras. E, depois, pode tirar-se aproveitamento marginal da sua existência. Como é a questão do tráfico de droga.

P - Que é outra justificação do governo para a utilidade dos submarinos. Mais uma vez, seria a opção mais racional?

R - Também não se compram submarinos para combater o tráfico de droga. Era como se comprássemos mísseis antiaéreos para andar à caça de perdizes, ou carros de combate para fiscalizar a fronteira do Caia. É desproporcionado.

P - Outra justificação habitual é a ideia, que já mencionou, de que os submarinos corresponderiam também a uma necessidade da NATO, da qual somos membros.

R - Com a guerra no Iraque viu-se que, neste momento, todos os conflitos militares passam-se numa espécie de "campânula" criada pela capacidade área e naval dos EUA, na qual ninguém ou quase ninguém se atreve sequer a pôr um avião no ar ou um navio na água.

Isso quer dizer que se tornaram desnecessários mais submarinos. A NATO tirou as devidas conclusões e disse: nós não queremos submarinos, arranjem-nos é as coisas de que realmente precisamos...

P - Justamente o reforço das suas capacidades de reacção rápida?

R - Exactamente. E a própria União Europeia também. Se analisarmos o que se passou no Iraque, verificamos que onde houve falhas militares da coligação, não foi nem nos meios aéreos nem navais. Foi nas forças terrestres em ternos de quantidade e de qualidade.

A UE está-nos a pedir forças terrestres. Na NATO é o mesmo. Estão a circular documentos entre os aliados, promovidos pelo secretário-geral, no sentido de modificar radicalmente a natureza das próprias forças terrestres, transformando-as em forças móveis, muito rápidas e muito eficazes. Para nós e para responder a estas solicitações, a questão que se coloca em termos de equipamento é, fundamentalmente, em quatro áreas: espingardas automáticas, viaturas blindadas, comunicações e helicópteros, que são hoje uma arma de combate essencial, como se costuma dizer, "o melhor veículo todo o terreno".

P - A UE decidiu criar uma série de novas unidades de combate, pequena e rápidas...

R - Os chamados "battle groups" ("grupos de batalha"). Tenho insistido que é muito importante que Portugal tenha essa capacidade e responda a essa necessidade europeia.

P - E tem?

R - Creio que tem, desde que haja pequenas modificações na LPM, que deve ser revista em 2004, no sentido de reforçar os meios financeiros destinados aos quatro programas que mencionei, concentrando-os nos próximos anos. Porque é agora que eles são necessários, não só para cooperarmos ao nível desses "grupos de batalha" como ao nível da nova "cooperação estruturada" [para a defesa] da União Europeia - que, no fundo, vai decidir o poder dentro da UE. É essencial que estejamos lá.

O chamado "grupo de batalha" é uma força de 1500 homens capaz de entrar rapidamente em combate, que tem de ser substituída ao fim de seis meses. Ora, nessa altura, podemos não ter os meios suficientes para essa rotação. É nisso que temos de pensar.

P -Estamos em condições de responder às solicitações dos nossos aliados? Estamos em condições de substituir a GNR por tropa de combate?

R - Por um batalhão, sim. Mas não sei se teríamos condições para o manter ao longo do tempo. No Conceito Estratégico Militar está claro que o Exército deve ter a capacidade para projectar uma brigada para um teatro de operações e mantê-la lá - o que significa que são precisas três brigadas operacionais - ou, em alternativa, estar presente em três teatros de operações diferentes, com a capacidade para projectar um "grupo de batalha", o que coloca as mesmas exigências de rotação.

Mas devo dizer que esta questão se põe hoje com maior acuidade porque estamos a competir com outros países que aderiram ou querem aderir à NATO e que estão, precisamente, a tentar ganhar benefícios de natureza internacional com as capacidades deste tipo que têm. Repare na comparticipação de muitos destes países no Iraque

P - Mais significativa que a nossa...

R - Muito maior. Na UE vai passar-se o mesmo. E isso diminuiu o nosso peso específico de natureza estratégica, que hoje é um dado extremamente relevante, como sabemos.

P - Uma das razões que o ministro da Defesa invoca é que os submarinos são uma afirmação de soberania. Onde é que Portugal afirma a sua soberania? Nos últimos anos, a afirmação internacional de Portugal reforçou-se com a participação na Bósnia e no Kosovo.

R - Hoje em dia, é isso. Ao nível da defesa militar, a maior afirmação é naquilo que é escasso. É como na economia. E como o que é escasso agora são as forças terrestres, nós tiraremos muito mais benefícios em termos de afirmação de soberania no quadro internacional, se participarmos a esse nível.

P - E o argumento do espaço de interesse estratégico nacional?

R - A questão não se coloca na Zona Económica Exclusiva, porque não há aí ameaça previsível. Mas podemos pensar nos PALOP, por exemplo. Aí, pode haver necessidade de projectar poder. Mas, para além das forças terrestres, o tipo de poder naval de que podemos necessitar são as fragatas. Como aconteceu no caso de Timor. Uma unidade deste tipo permite, inclusivamente, constituir um pequeno órgão de comando a partir do qual se conduzem as operações.

Esta questão leva à necessidade - ai sim, uma primeira necessidade - de um navio polivalente logístico.

P - Que vai vir com os submarinos..

P - Pois vai. Mas repare que foi considerado, não como uma primeira prioridade em si mesma, mas apenas como ganho marginal se comprássemos os submarinos. E teve como efeito que amarrámos a aquisição do navio polivalente a todo este processo muito complexo e longo dos submarinos, levando a que esse navio vai estar pronto apenas dentro de alguns anos.

P -Como é que um país como o nosso, no quadro da suas alianças, deve colocar-se em termos militares, perante as novas ameaças do terrorismo, da proliferação dos Estados-falhados?

R - Relativamente à ameaça terrorista directa sobre os nossos espaços, devemos orientar as Forças Armadas (FA) para complementar as tarefas das forças de segurança. No âmbito naval, devemos dar prioridade ao patrulhamento dos oceanos - cujos meios deviam estar também a ser produzidos e não estão -, a aviões ligeiros de tipo "Aviocar" para funções de para fiscalização. No que respeita à proliferação de tecnologias de destruição maciça, devemos colaborar internacionalmente com meios navais e aéreos na fiscalização desse movimentos. E, depois, devemos estar preparados para operações de "nation-building", de "peacekeeping", humanitárias...

P - No "nation-building", não seria uma área em que tínhamos boas condições para contribuir positivamente?

R - Exactamente. As nossas FA têm capacidade, experiência e doutrina. É um "nicho de mercado" que deveríamos explorar. E também o combate, com as forças de reacção rápida.

P - A GNR tem condições para a missão que está a desempenhar no Iraque?

R - A GNR não existe para fazer operações de combate. Até agora isso não tem acontecido - está remetida ao quartel, quase como se fosse um alvo... Está lá mais como peça política do que como peça de natureza militar. Mas, neste momento, pode vir a ser chamada a fazê-las.

Penso que deveríamos aproveitar esta fase de transição [da soberania no Iraque, no dia 30 de Junho] para observar como as coisas evoluem e para ponderar as decisões a tomar. Nenhum cenário deve ser excluído - fazer regressar a força, substitui-la por uma unidade militar ou integrá-la numa unidade militar.

Mas, insisto, é preciso ter cuidado para que os elementos da GNR que estão no Iraque não se envolvam em acções para as quais não estão preparados - ou porque recebem ordens para isso ou porque assumem eles próprios essa iniciativa. Isso poderia originar alguns problemas. Mas julgo que há instruções rigorosas nesse sentido


Publicado por Manuel 10:17:00  

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