Sevícias em salmoura

A crónica de Vasco Graça Moura, hoje no DN. é notável no estilo e sinuosa no tema.

Pegando no caso que já é escândalo à escala mediaticamente mundial, o cronista de fibra, afinfa-lhe o inevitável adjectivo: são nojentas, as sevícias dos americanos!

Podia ficar por aí, nesse senso comum esterilizado, mas isso sabe-lhe a pouco e contrições de opções guerreiras não o demovem, porque já escreveu sobre a opção global, da guerra sem quartel, ao infiel sarraceno.

Como desta vez, as provas irrompem pelos salões e já há inquirições, adivinha-se o estrago e por isso se preparam munições - para as eleições.

Na ausência do remédio providencial de um desmentido em directo, como em tempos já houve, e as imagens não mentem e a defesa é nula, o nosso poeta desvia o assunto e adocica o nojo, sem pejo, apoucando-o depressa num outro nojo.

A cura é conhecida na mordedura de cão, mas para a prosaica graça dum Vasco cronista, é táctica batida - pois um cravo tira outro e por aí se fica.

E assim vem à memória do já egrégio avô, um relatório esquecido, do tempo dos afonsinhos do nosso PREC portuga e também referido e documentado no Abrupto oportuno.

É memória de 30 anos, num requisitório alargado e agora lembrado, e por motivos de nojo transformado em labéu.

É da história que o corpo do delito, embora indiciado, nunca foi julgado. É da história que os ofendidos não apareceram. É da história que entre arguidos, conhecidos, só temos um: o de um Major, destituído na altura por causa do PREC e que ficou sem galões e mesmo assim foi para a Assembleia, lançar trovões.

Não é da história, mas é da memória que factos passados, graves como são, deveriam ter sido antes lembrados, por quem agora se sente acossado por factos de ontem e não de antanho.

Há uns bons dez anos, em perguntas concretas, ninguém se lembrou do Relatório maldito da Imprensa Nacional e que até já esgotou.

Contudo, em entrevistas bem feitas, nos 20 anos da Revolução, ninguém recordou factos tamanhos nem as sevícias impunes.
E falaram de tudo, mesmo do tempo em que o tal major, já afastado, punha e dispunha na Polícia Militar, ou seja, o lugar dos delitos, agora lembrados com rigor de retórica e pormenor de parágrafo.

Entre os “zés- ninguém” entrevistados pelo Público em 1994, havia o Melo Antunes e o Fabião; A Isabel do Carmo e o Alpoim Calvão; o José Miguel Júdice e a Avillez; e até um tal José Pacheco Pereira lá teve a sua vez, para contar a sua vida pós-revolucionária, de tese frustrada; e depois a escrita em jornais e as aulas liceais.

Do relatório, ninguém se lembrou! Ninguém apareceu a interromper prescrições! E vem agora um Vasco cronista, poeta e tradutor, transformar um requisitório escrito de relatório, em libelo acusatório e nem sequer hesita em julgar os factos como “selvajaria”.

E na embalada, apontar o dedo aos

“militares e civis alinhados com o PCP e a UDP no rutilante Portugal dos cravos de 1974-75”.

E aqui, a meu ver, lhe falece a razão que porventura já tinha. A acusação é dele e de fundamentação leve. Assim, não serve.

Provas, indícios, presunções, direitos de defesa, tudo fica embrulhado e transitado em julgado, no requisitório agora apontado. O processo é volumoso nas suas 148 páginas (embora ao volume do Vasco cronista, poeta e tradutor, parece que faltam aí, 5 páginas...)!

Como é de preceito e o Vasco cronista, poeta humanista, não se esqueceria - e não falaria se assim não fosse!- , lá deve constar a matéria de acusação, agora transcrita no plural das centenas de detenções, que duraram meses a fio!

É de esperar que lá venham os nomes dos detidos e a descrição pormenorizada e não a eito e a esmo, dos malefícios sistemáticos, sofridos na pele, pelos ofendidos. Estão certamente identificados pelo nome, morada e número de BI. Será fácil saber quem são e por isso se esperou que aparecessem a reivindicar justiça que não estivesse prescrita.

Útil seria, saber quem relatou tão grande processo, e lhe afinou tão grande labéu. Para fazer paralelo com processos modernos e se fazer justiça às leis que já temos!

Mas se concluirmos que foi a própria história a não querer recordar episódios tamanhos, para quê relembrá-los, em relatórios em vez da lembrança como facto notório e já passado?!

Só vejo um destino nesse labéu peregrino, atiçado por Vascos e alguns Zés: chatear barnabés!

É talvez miserável, no objectivo, perante o contexto e algo desonesto, no meio empregue.
Repescar misérias com trinta anos para fazer frente a alguns desenganos, com o propósito já confessado, de abafar guinchos, não faz sentido se não for coerente e a matéria não estiver, muito bem assente.

Mas ainda que esteja, como é que se encontra um paralelo, entre esses nojos, se o de agora ainda está fresco, nem sequer congelado e o outro jaz, há muito enterrado e se calhar, já sem cheiro?!

Esquecem os Vascos cronistas e alguns Zés, as amnistias de 1975 e por ali fora, em número seguido e repetido!

E o Vasco cronista e grande poeta, em 75, então advogado já promovido a secretário de Estado, ajudava em governos, já agora... de quem?! – pois, é...é isso mesmo: do homónimo Vasco e do grande Cunhal, em pasta pesada da Segurança Social!

Falou ele então,ou mesmo depois, em condenação, nas sevícias fatais?!

Não sabemos bem; e se tal sucedeu, ficamos à espera de vir a saber mais novidade. Se não o fez... pois esperamos bem que se cale de vez.

Para já ainda o lemos a comparar guerras. Argélia com Vietnam e Iraque com... sevícias do major Tomé!

E eu nunca pensei, em vir defender, um Barnabé...

Publicado por josé 18:27:00  

1 Comment:

  1. António Balbino Caldeira said...
    José

    Prova admirável, na forma e na substância, como de costume.

    Vasco Graça Moura foi ao caixote do lixo dos marxistas buscar papéis meio desfeitos para apontar incoerências. Um desperdício. Bastava o presente. Que, no entanto não desculpa os abusos do desnorte no Iraque e Cuba...

    A indignação é selectiva na escolha dos factos: indignamo-nos com os outros, esquecemos as nossas faltas. Mas há ainda outra indignação selectiva: a indignação selectiva temporal. Factos relativamente aos quais só mais tarde nos indignamos. Porque na altura, quando era necessário, útil e mais difícil, calámo-nos...

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