"Os Reformadores Prisionais."

Mangadalpaca está esclarecido sobre a forma como se fazem reformas legislativas em Portugal, mais precisamente neste «Jardim da Celeste».

Vem este post a (des)propósito da propalada «Reforma Prisional», encomendada pela ministra da Justiça ao Prof. Freitas do Amaral, travestido em neófito penalista e entendido em direito penitenciário.

É certo que o dito reformador, apercebendo-se da sua real incapacidade para apresentar qualquer proposta congruente numa área de que nada sabia, propôs, por seu turno, às Universidades que lhe fornecessem «sugestões» dos docentes e investigadores que, na mesma, se têm ocupado dessas temáticas.

Vai daí, agenciou várias iniciativas em Universidades do País (para onde se deslocava de avião), que contaram com os contributos valiosos, fundamentados e consistentes de verdadeiros especialistas, desde o direito penal, penitenciário e processual penal, à psicologia, psiquiatria e sociologia.

Estes, com irrecusável mérito, apresentaram propostas concretas, diagnosticaram anacronismos, bloqueios e disfunções. Entretanto, o professor-reformador ia ouvindo.

Por fim, a comissão a que presidia, lá refundiu e compendiou o que ouviu – e, se calhar, leu – num relatório de cento e tal páginas, que apresentou à entidade mandante. O dito relatório – que contém propostas, apesar de tudo, muito interessantes e estimáveis – consagra, quase na íntegra, todas as soluções que os fóruns universitários foram carreando para o «trabalho» da comissão, que, além do seu presidente, e para além de outros, integrava o Director-Geral dos Serviços Prisionais e a Presidente do IRS (Instituto de Reinserção Social).

De novo e avançado, o professor propôs a eliminação do «balde higiénico» (facto que o deve ter perturbado bastante aquando da sua vista às cadeias).

Entretanto, o reformador tem-se queixado de que lhe querem boicotar o trabalho, não fazendo aprovar a «sua reforma», a qual, por reunir um inusitado consenso, não admite que não venha a ser levada à prática.

É que a «reforma» mexe, além de temas penitenciários, com muitos outros aspectos do sistema penal ou, melhor dizendo, tem implicações de índole político-criminal, interferindo com temas como a prisão preventiva, com a descriminalização ou despenalização de condutas, com a reforma do regime de prova e de suspensão de execução da pena de prisão, com a generalização das pulseiras electrónicas a casos de cumprimento de pena, etc.

O reformador-mor quer – está-se mesmo a ver – ficar na história pátria, como o grande obreiro que livrou os reclusos do «balde higiénico».

E a vida corria serena até que, em 28 de Abril de 2004, na 1.º Comissão da A.R. o reformador-mor, entre muitas outras boutades de estarrecer, disse, mais coisa menos coisa, o seguinte ...
«Não compreendo como é que uma pessoa vai cumprir uma pena de dois anos de prisão por crime de injúria, quando podia cumprir, em vez disso, uma pena de trabalho comunitário…».

Aqui, o Mangadalpaca ficou boquiaberto.

E nenhum dos deputados presentes – legisladores com créditos firmados – lhe pediu para exemplificar essa situação com um caso que fosse, ou se insurgiu contra essa impossibilidade jurídica, antes tendo apoiado entusiasticamente a alternativa a «tão flagrante injustiça».

É que, afinal, o professor e os funcionários superiores da comissão da reforma prisional a que ele preside, e que ninguém elegeu, parece que foram mandatados para alterar o Código Penal, em vez de realizarem o trabalho que lhes foi solicitado.

Assim se fazem as «reformas» neste pobre País.

Não vá o sapateiro além do chinelo, dizia-se já na Grécia antiga.

Mangadalpaca®

Publicado por josé 11:29:00  

0 Comments:

Post a Comment