"Justiça Popular"

O Correio da Manhã noticiou que um dos arguidos do processo Casa Pia requereu a intervenção de tribunal de Júri, no processo e para o julgamento do seu caso. Segundo escreve o jornal, foi o arguido Francisco Alves quem o fez.

Este tribunal de júri, está previsto na lei- artigo 13º do Código Processo Penal e Dec. Lei nº 387-A/87 de 29 de Dezembro.

É sabido que aquele processo se encontra em fase de instrução e por isso, o eventual requerimento efectuado por esse arguido, de acordo com o artigo 13º nº 3 do Código de Processo Penal, deveria ser apresentado...

“no prazo de oito dias a contar da notificação da pronúncia”.

Tal facto gera alguma perplexidade porquanto também é sabido que ainda não foi proferido despacho de pronúncia ou não pronúncia...

Por outro lado, o tribunal de júri, neste caso concreto da Casa Pia, só intervirá se algum dos arguidos for acusado (ou pronunciado) por crime a que corresponda em abstracto pena de prisão superior a oito anos. Diga-se que, o artigo 172 nº 2 do Código Penal contempla a pena de prisão de 3 a 10 anos...
“se o agente tiver cópula ou coito anal com menor de 14 anos”


Além disso, o artigo 177º do mesmo Código Penal permite em certas circusntâncias, a agravação de um terço no máximo das penas correspondentes a alguns outros crimes sexuais que são punidos com prisão até oito anos.

Desconheço se assim é, no caso concreto.

Porém, objectivamente, verifica-se uma restrição legal à intervenção deste tribunal de júri, a muitos casos em que eventualmente poderia ser muito útil - por exemplo, nos julgamentos por crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos, em que a constituição de tal tribunal não é admissível.

Passando por estes considerandos, talvez seja útil apontar as referências do tribunal de júri, em Portugal.

O Decreto Lei que o regulou, em 1987, foi publicado a par do novo código de Processo Penal e na introdução do diploma, escreveu-se a propósito da selecção dos jurados...
“Várias eram, em teoria, as soluções disponíveis para tal efeito: ou a electividade dos jurados, o que se rejeitou pela inelutável politização que introduziria no funcionamento da justiça, ou a sua designação através de uma comissão de homens de confiança, como acontece na República Federal da Alemanha, o que não foi aceite pelo burocratismo e subjectivismo que naturalmente implicaria, ou o puro sorteio com base no recenseamento eleitoral, como sucede em França desde 1977 e está vigente no nosso país (...)

a escolha dos membros do júri efectiva-se em audiência pública, onde são largamente concedidos aos intervenientes processuais os meios de arguição das razões que impediriam, a serem aceites, a designação dos membros leigos do tribunal.”


A leitura do diploma - DL 387-A/87 de 29 de Dezembro - que regula a selecção dos jurados elucida bem o cuidado que foi posto para evitar a designação de alguém que possa vir a ser designado e que não decida ...
“segundo a lei e o direito"

e que por isso mesmo ...
“não estão sujeitos a ordens e instruções”

... no dizer do artº 14 do diploma.

Para além de várias incompatibilidades para se ser jurado, ainda há possibilidades de afastamento de alguns escolhidos por sorteio e dos visados pedirem escusa, por motivos facilmente invocáveis e atendíveis.

Portanto, ficamos todos cientes de que os jurados são autênticos juizes! Decidem em matéria de facto e de direito!

Os tribunais de júri são compostos por três juizes de carreira, de tribunal colectivo e por quatro jurados efectivos, mais quatro suplentes que assistem ao julgamento. Estes jurados são sorteados, segundo um processo que pode demorar algumas semanas, de acordo com critérios minuciosamente regulados naquele diploma e que fundamentalmente se socorre dos cadernos eleitorais, para a selecção inicial.

Na sentença, no final do julgamento, os juizes e jurados assim designados...
“enunciam as razões da sua opinião, indicando, sempre que possível, os meios de prova que serviram para formar a sua convicção”;


Perante isto, que dizer da situação concreta?!

A avaliar pelos comentários à notícia do Correio da Manhã, a maioria das pessoas desconhece como funciona o tribunal de júri e alguns desconfiam abertamente da sua função e apostam em conjuras malévolas para safar indiciados notáveis.

Não comungo desta opinião e acho mesmo que se há processo em que o tribunal de júri pode ser útil para uma melhor aplicação da justiça, será este.

É compreensível que o desconhecimento destas matérias gere alguma desconfiança e por isso, a visibilidade deste caso concreto, mesmo com todos os iniciais erros de comunicação que poderá suscitar, talvez possa contribuir para um melhor conhecimento do instituto do tribunal de júri e do funcionamento da justiça em geral.

Um parceiro de blogosfera, o António Balbino Caldeira, do Do Portugal Profundo, comentou a notícia do Correio da Manhã e apresentou requerimento a esta Loja para emitir opinião.

Aqui fica a resposta, com a sugestão de que nestas matérias, talvez lhe útil fazer outras Incursões...

Publicado por josé 14:07:00  

2 Comments:

  1. Manuel said...
    Cara Prima,

    A não fiabilidade do CM está mais do inerente nas entrelinhas do post acima. No entanto (vide Technorati) já que se pediram esclarecimentos a esta Venerável Loja sobre o que é um "júri" aproveitou-se e fez-se serviço público...
    António Balbino Caldeira said...
    José

    Muito obrigado pelo comentário.

    Continua a prestar um serviço público que não vejo mais ninguém em Portugal fazer. As instituições jurídicas entendem não ser necessário o esclarecimento... Por outro lado, verifica-se que independência tem menos adeptos do que a adesão aos acusados disfarçada de presunção absoluta de inocência. É mais fácil engrossar o esquadrão de defesa dos grupos atingidos e sinalizar ao mercado a predisposição para tudo defender, até o sórdido.

    Confio no seu conhecimento e experiência. No entanto, temo os efeitos da pressão neste caso. É que a dimensão dos interesses, personalidades e entidades afectados é do tamanho de um... terramoto.

    Todavia, entendo que, se possível, e o José sugere que não parece, seria uma grande lição de democracia. Já agora, é notável a sua referência à imunidade dos políticos perante o juízo popular...

    Fiz a incursão que me aconselhou. Gostei do que vi e passarei a frequentar. Mas... fiquie curioso: será que o seu conselho tinha a ver com o post sobre as secretas?

    Um abraço de amizade.

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