A entrevista de Pinto Nogueira

Pinto Nogueira, colaborador desta Loja, dá hoje uma entrevista extensa ao Primeiro de Janeiro.

O que diz Pinto Nogueira, merece ser lido com atenção. É raro um procurador-geral adjunto, portanto um magistrado do Ministério Público, falar publicamente sobre problemas de justiça.

Mais raro ainda, é fazê-lo com desassombro e tocar em pontos sensíveis e polémicos, exprimindo opiniões, sem receios de reprimendas, abertas ou veladas - que as há! As magistraturas, como corpo fechado e cujos membros com alguma notoriedade são poucos e conhecidos de todos, são hiper-críticas das performances dos pares.

Os juizos de valor sobre este ou aquele que se atreve a escrever ou falar em público, é muitas vezes expendido com uma grande ligeireza de apreciação e segundo critérios da maior subjectividade, sem grandes fundamentos que não vão muito além do "emprenhar de ouvido" e que aliás negam, na sua própria essência, o que é próprio das magistraturas: efectuar julgamentos justos, de comportamentos alheios.

Estes julgamentos de carácter, algo frequentes na magistratura, pois toda a gente, "off the record", comenta o perfil deste ou daquele, num exercício de notável e velada hipocrisia, atingem as raias do paroxismo nas alturas em que algum dos pares ofende ou lesa a majestade de um superior de Conselho ou de Supremo. Esse "crime" que vigorou durante séculos e já expurgado dos códigos penais republicanos, continua a vigorar como ofensa, punível com grave sanção disciplinar.

O magistrado que nele incorra, começa por ser apodado, entre os pares, de "tolo". Pudera! Não há maior tolice, de facto, entre oficiantes do mesmo múnus, do que atentar contra a majestática honra de quem manda, mesmo cingido à lei.

A magistratura tem, assim, algo de importante a aprender com Pinto Nogueira, neste aspecto. A liberdade de expressão de opinião, entre magistrados devia ser um direito adquirido e pacífico. Aparentemente, não é. Poucos são os que se atrevem a pôr o nome a descoberto, depois de escreverem algo, mesmo que seja sobre a justiça ou os problemas judiciários e que não seja no âmbito de um colóquio ou de uma conferência, por isso mesmo caucionados pelo contexto.

Na televisão, vemos por vezes magistrados a falar sobre assuntos judiciários. São quase sempre os mesmos e ainda assim, parecem escolhidos a dedo, para mostrar o exemplo do que não deve ser um magistrado a comunicar sobre um assunto supostamente da sua competência.

A dificuldade em topar alguém com conhecimento, saber geral e ponderação, para não falar de imagem, é notória.

Tal fenómeno de rarefacção, atinge particularmente os escalões intermédios e superiores da magistratura.

Nunca se viu um procurador-geral distrital, de Lisboa, Porto, Coimbra ou Évora, figuras máximas da hierarquia do MP, logo a seguir ao procurador-geral, a falar na televisão; a escrever nos jornais ou a ser entrevistado. Não falam abertamente nos media. Geralmente, são citados nos jornais, mas o público em geral não lhes conhece o nome; não sabe distinguir as funções e não obtém deles os esclarecimentos que às vezes se impõem.

A imagem da PGR tem estado centralizada na PGR e na figura do PGR. Será esta a melhor forma de comunicar ao público em geral o que se passa, com assuntos que a toda a gente dizem respeito?

O secretismo deve ser a regra e a reserva o mote?

É por estas e por outras que o protagonismo de Pinto Nogueira é louvável e pelo que se pode ler na entrevista, exemplar.

Venham outros!

Publicado por josé 10:10:00  

1 Comment:

  1. zazie said...
    Muito bom! Excelente! Penalizo-me já pelo ataque às questões estéticas das ministra...isto é muito mais importante!
    Certas passagens dão que pensar...
    E é ainda mais incompreensível nos tribunais superiores quando, muitas vezes no mesmo dia, um colectivo de juízes decide a mesma questão jurídica em sentidos antagónicos. Mas aí entra o Ministério Público que pode requerer ao STJ a fixação de jurisprudência que fica obrigatória para todos os tribunais.

    Mas fica-se pela teoria, não é?
    Depois refere aquela questão de resolução sem ida a tribunal:
    É sempre preferível propor aos justificáveis um compromisso que estes aceitam do que impor-lhes uma sentença.
    mas para isso as 2 partes têm de acordar em seguir essa via, não é? Ora como se sabe que em tribunal as coisas demoram tanto tempo o que levará uma das partes (quando notoriamente culpada) a concordar?
    Não me parece que seja só uma questão de “educação”.

    E gostei ainda mais do desassombro com que colocou o “liberalismo” cá da casa no lugar: “. Este estado é marxista, no seu significado mais basista: para o futuro, sem nunca pontuar o princípio do futuro. pois é, eu costumo dizer que só pensa em poupar nos fósforos e continua a deitar pela janela fora as grandes maquias. Mas isso porque não se tocam nas questões estruturais. E aí sim de acordo que é tradição salazarista: o poupar pequenino. Aí sim!
    Excelente! A jurisprudência como uma questão de estilo.
    Parabéns.
    Como diz o José, Pinto Nogueira é louvável pelo que diz na entrevista. Venham outros!

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