Profeta da Desgraça

Por vezes temos a tendência de enfatizarmos determinadas questões. Ou porque nos convém ou porque somos fervorosos adeptos da desgraça, quais profetas de causa alheia.

Foi esta a ideia que fiquei quando li o escrito por Vital Moreira , no Causa Nossa, relativamente às previsões vindas de Bruxelas. Das duas uma, ou Vital Moreira leu um documento diferente ou então interpretou os dados de uma forma não coerente, senão vejamos...

Refere o comissário europeu Pedro Solbes no relatório da Primavera.

“Finally Portugal seems on the way out. The deficit has been kept under 3% of GDP in both 2002 and 2003. Portugal has therefore complied with the excessive deficit recommendation addressed to it in 2002. The Commission has decided today to start preparing the decision for the abrogation of excessive deficit. The situation of public finances, however, remains fragile. But the Portuguese Finance Minister has confirmed last week-end the government's commitment to take all necessary measures to avoid the re-occurrence of an excessive deficit in 2004."

Nada de novo, certamente. Mas vamos por partes.

Crescimento da Economia Portuguesa

O crescimento da economia portuguesa passa de –1,3 % em 2003 para 0,8 % em 2004 e 2,25 % em 2005.

O crescimento real da economia será de 0,5 % por trimestre, mas dado o saldo negativo que transporta de 2003, o mesmo ficará pelos 0,8 %. Saberá Vital Moreira que as componentes que influenciam a procura agregada não diferem muito do consumo, investimento e gastos gerais do estado.

Ora com a procura interna a crescer a taxas muito moderadas, com as empresas ainda a reorganizarem os seus balanços e endividamentos contraídos, resta-nos o Estado, se encontra numa situação de consolidação orçamental, logo não poderá ser expansionista na questão do investimento.

Estou ciente das críticas que daqui poderá fazer, pois o simples facto de o Estado não se estar verdadeiramente a consolidar orçamentalmente é a maior crítica que eu mesmo faço.

A verdade, é que a nossa economia, apresenta um crescimento potenciado pelas exportações, reflectindo uma inusual forte procura externa, é a primeira boa notícia, é que dado a retracção existente nas importações, a balança comercial portuguesa poderá fechar com um défice de 7,6 % no final de 2005.

Quanto às suas previsões, felizmente estão erradas, no que toca ao facto de sermos os últimos, pois contra os 2,2 % de crescimento estimado em 2005 com base no decorrido em 2004, temos abaixo de nós...
  • Alemanha - 1,80 %
  • Itália -  2,10 %
  • Holanda -  1,6 %
  • Malta - 2,0 %
Quanto ao facto de os países que vão aderir a União Europeia, o facto de eles cresceram a taxas bastantes robustas, deve-se essencialmente aos mecanismos de pré-adesão que tal como Portugal beneficiou os estão a colocar numa rota de crescimento acelerado.

Desemprego

Falar de desemprego sem falar de inflação é, perdoe-me, um tremendo erro de análise económica. A inflação portuguesa é baixa devido a fraca pressão dos salários sobre a procura, e à já referida fraca taxa de importação. O crescimento dos salários desceu de 5,125 % em 2002 para os 2,5 % em 2005, ora deverá saber que os mesmos crescem acima da inflação. Depois deverá concordar que é incomportável ter uma economia a crescer negativamente e a manutenção de taxas de crescimento dos salários. Tal iria trazer uma inflação galopante na economia portuguesa.

O desemprego é como diz um flagelo. O facto de não sermos o pior país da EU, nesse indicador, não me consola em nada, mas a redução da inflação - que tenderá a crescer por força do crescimento da economia - esta intimamente ligada a subida do desemprego. Na governação socialista para além do empirismo empregado, tivemos uma taxa de desemprego que passou de 7,00 % em 1996 para 3,9 % em 2000. O comportamento da inflação foi de uma passagem de 2,00 % em 1996 para os 5,3 % em 2001.

Défice das Contas Públicas

Falar do défice das contas públicas da forma que o faz, revela no mínimo uma ausência de clarividência. A redução do défice foi conseguida á custa de medidas extraordinárias que eu mesmo já coloquei em questão, dada a sua exigibilidade e necessidade. A União Europeia estima um défice orçamental de 3,4 % devido ao seguinte...

“The budget for 2004 targets a general government deficit of 2.8% of GDP. The forecast takes on board the measures included in the budget, including the one-off measures planned so far for 2004 worth € 1 billion (or 0.7% of GDP). However, the Commission projects a general government deficit of 3.4% of GDP for 2004, thereby above the official target. This difference can basically be accounted for by three elements: (i) a growth estimate ¼ pp lower in the Commission’s forecast; (ii) base effects due to the significant amount of one-off measures adopted in 2003, mainly affecting the revenue side; and (iii) the partial substitution of those one-off measures i.e. from 2.1% of GDP to so far a planned value of 0.7% of GDP.”

O Pacto de Estabilidade e Crescimento – PEC – baseia-se no artigo 104º do Tratado de Maastricht, onde são definidas as bases da política orçamental na Zona Euro, tendo sido objectivo inicial do PEC , assegurar uma estabilidade orçamental na sequência da disciplina exigida na fase de convergência para a moeda única . No entanto o objectivo máximo do PEC é evitar que um país utilize a sua condição de estado-membro para extravasar o seu défice sem pagar o seu devido preço. Este comportamento conhecido como “free-rider”, permite recear uma mutualização do fardo daí resultante – em termos de taxa de juro – sobre o conjunto dos países membros, mesmo os mais virtuosos, apesar de limitada pela eliminação do risco cambial com a moeda única. Não defendo que o PEC seja perfeito, antes pelo contrário. Em 2002 também a Alemanha com um défice de 3,7 % e a França com um défice de 3,1 % foram objecto de um procedimento de défice excessivo, e com a revisão em baixa das estimativas e os efeitos negativos da política orçamental contraccionista, a possibilidade de atingir os 3 % é nula.

Estas dificuldades resultam da incapacidade que tiveram os países membros – ainda por cima tidas como as maiores economias europeias na redução dos seus défices nos períodos de abundância, onde os anos de forte crescimento – 1999 e 2000 – não foram aproveitados para redução do défice estrutural – corrigidos do ciclo – os quais atingiram no caso da França 2,2 % e 2,3 % em 1999 e 2000 e no caso da Alemanha 1,5 % e 2,1 %.

A primeira grande insuficiência do PEC é que em toda a sua literatura, em lado algum os países são aconselhados a conduzir uma política de contra-ciclo em fase de conjuntura favorável. Se por um lado o governo assume um tendência dominante na zona Euro em cortar no investimento publico e relativizar os cortes nas remunerações e efectivos nos sectores públicos, por uma questão de menor resistência destas medidas de ajustamento por outro lado importa perguntar o que é investimento público ?

O investimento público apesar de poder gerar os cash flows esperados, devido as externalidades que possuí não é automaticamente rentável nem as suas vantagens automaticamente assumidas por serem mais difusas. Foi exactamente, a falta de medidas e reformas estruturais na altura de ciclo expansionista da economia que originou que a recessão económica que o mundo atravessou, tivesse mais impacto em Portugal, as tais medidas de contraciclo que tomadas em ciclo, permitiriam reduzir o défice estrutural.


Caro Vital Moreira, a economia portuguesa não está de boa saúde mas dispensa vivamente todos os comentários que desfazados de sensatez se baseiam em interpretações económicas desviadas da sua própria complexidade.

Deveria saber melhor que eu que analisar a economia da forma simplista como o fez, leva-o a correr riscos....

Publicado por António Duarte 14:41:00  

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