"Presunção de Inocência"

Há dias, um amigo mandou-me um e-mail e, fraternalmente, aconselhava: "..quando estiveres chateado, cala-te ....assinatura".

Hoje, não devia escrever, não por causa do 25 de ABRIL, ao contrário. Mas porque me atacou, ao despertar, aquela vontade invencível de disparar farpas fosse lá para onde fosse. Escolhi a presunção de inocência. Não tenho nada contra a presunção de inocência, que recebi da Constituição e que faz parte do meu ideário democrático e formação vagamente jurídica.

Mas contra o que muitos agora apregoam, sem dela terem a noção mais elementar, como se no mundo constitucional penal apenas existisse esse princípio: é assim como que um elixir para tudo e mais alguma coisa. Antes do processo da pedofilia (por que seria?) ninguém falava nela, como se não existisse na Constituição desde 1976. A oportunidade, no caso, virou oportunismo.

Num dos estados do IMPÉRIO, duas crianças de doze e treze anos estão presas preventivamente desde Dezembro de 2002, indiciadas de homícídio de um colega de dez anos. Os tribunais dos USA andam ainda a discutir se devem julgar as crianças como tal, ou se as devem julgar como adultos....Marcelo Rebelo de Sousa que é, notoriamente, um enciclopedista, e disso tenho inveja (quem me dera ter capacidade para ler aquelas centenas de livros por semana), um senador do PSD, um espécie de "gold card", há tempos apregoou da cátedra dominical que ocupa, um exemplo da celeridade e eficácia da justiça dos States: M.Jackson. Parece que ainda não foi julgado, depois de desembolsar algumas centenas de milhares de dólares de caução.

Os USA são, assim, o paradigma da liberdade e igualdade, a Guarda Pretoriana da Paz na orbe terrestre e os Guardiões da liberdade e garantias dos cidadãos americanos. Vale lá, como cá, a presunção de inocência. Por serem, presuntivamente inocentes, as crianças estão presas, o cantor aguarda, e em GUANTANAMO que, como é de todos conhecido, é uma daquelas ilhas paradisíacas onde os magnatas americanos, e não só, gastam no bacará milhões de dólares , umas tantas centenas de afegãos, igualmente presuntivamente inocentes, aguardam há anos que os julguem por crimes que ninguém sabe quais sejam.

E dito isto, eu que sou, como tenho dito e agora redigo, um gajo de mau feitio, acabo por ter de questionar o que é isso de ser presuntivamente inocente. Se sou inocente por que sou preso? Se sou inocente, a que vem que o Ministério Público dos USA ou de outro bocado da terra me acuse. A verdade é que a acusação não se limita a um conto de factos, a uma narração de argumentos. A acusação imputa-me o injustificável, o que eu não devia ter feito e que, de futuro, não devo fazer. E incrimina-me por um crime, ou crimes. Deixei de ser presuntivamente inocente para ser o contrário. Se o Juiz absorve o que a acusação diz e me pronuncia, pior ainda, fico numa posição de quase-culpado.

Em processo penal, não há, propriamente, uma autêntica presunção de inocência. Para isso, teria de haver um ónus de prova a recair sobre o Ministério Público quanto aos factos da acusação e quanto ao arguido quanto à sua defesa. Não é isso que sucede. O que sucede é que o Juiz do julgamento tem de averiguar, com ou sem Ministério Público, se os factos foram praticados, se o arguido tem razões juridicamente válidas para ser absolvido, apesar da prática dos factos. Se fica na dúvida, o juiz absolve.

Mas isto não tem que ver com presunções de inocência. Se existisse a tal presunção de inocência, como a vendem, e se o Ministério Público fosse passivo, então o arguido ficaria logo, sem qualquer actividade do juiz, absolvido. Por presunção, e não por falta de provas. Pensem nisto que não é tão herético como isso. A Constituição afirma a presunção de inocência, mas com sentido que não é a estória dos jornais. Não consagra a Constituição a prisão preventiva?

Como é que o arguido é inocente e é acusado ou pronunciado?

Ou não dizem os juízes que os acusados ou pronunciados estão mais provavelmente condenados do que absolvidos? Não é isto que, por princípio, leva à pronúncia?. Digam-me, Srs. Juízes: quando pronunciam, acham que o arguido vai ser absolvido ou condenado? Digam-me, procuradores: quando acusam, acham que o arguido vai ser condenado, ou absolvido?.Se vai ser, por presunção, absolvido, arquivem os processos, não sujeitem ninguém, ao opróbrio do julgamento.

Presunção de culpa é uma coisa, presunção da prática do crime, outra, dizem os juristas. Mas a culpa não é elemento do crime?

Agita consciências, não agita ? Pois é.

Gandalf

Publicado por josé 13:03:00  

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