Um pianista português, exilado das oportunidades

No Expresso desta semana, uma crónica de Duarte Lima, sobre um virtuoso do piano - Domingos António.


“Há dois anos que o Domingos António, de 26 anos, vive em Bragança, onde não tem um piano próprio. Duas vezes por semana é autorizado a ensaiar no piano do Centro Cultural, quase sempre com funcionários por perto a realizarem as mais diversas tarefas. Senhor de uma memória prodigiosa, exercita no tampo de uma mesa horas a fio.

Um grupo de amigos ligados à rádio e à música clássica pediu-me há um mês para ouvir o Domingos António durante meia hora. Tinham a vaga esperança de que um “político no exílio” como eu, com fama de não ter desprezo pela música e pelas coisas do espírito, ainda pudesse abrir uma porta, modesta que fosse, que desse a conhecer o talento de alguém que não teve a sorte de conhecer “ as pessoas certas”.

O Domingos António tocou no meu piano não durante meia hora, mas durante cerca de três horas, e percebi desde os primeiros minutos estar perante alguém que não é apenas mais um pianista, mas um artista prodigioso.

Senhor de uma técnica absolutamente fora do comum, toca sem pauta cerca de trinta compositores, num repertório que abrange mais de duas centenas de peças. Pedi-lhe ao acaso que interpretasse determinadas peças de Scarlatti, Bach, Chopin, Schubert, Beethoven, Schumann, Liszt, Prokofief, Tchaikowsky, Rachmaninov, Mussorgsky, Vianna da Motta, e a reacção foi sempre igual, como se tudo estivesse combinado entre nós há muito tempo: tocava ao de leve com os dedos no peito ou na testa, fechava os olhos durante algusnm segundos, curvava-se então sobre o teclado e uma torrente imparável brotava sem falhas do piano.

O Domingos António viveu toda a sua vida fora do país, é um desenraizado que não frequentou o “ mainstream” onde tudo acontece, e onde até para poder dar a conhecer um talento invulgar é necessário forçar barreiras. Infelizmente, o nosso Portugal é cada vez mais o Portugal dos milhões de patrocínio para o futebol e dos tostões para a arte, sobretudo para a mais sublime das artes que é a música.
O Domingos António não foi ainda tocar à Gulbenkian nem ao CCB, as catedrais dos concertos portugueses. Tenho a certeza de que irá, mais cedo ou mais tarde.

Entretanto, os poucos amigos que rapidamente fez – e que acham que a responsabilidade social não é um exclusivo dos poderes públicos- decidiram organizar com ele dosi concertos que terão lugar no dia 21 de Março, em Lisboa, na Escola Secundária Maria Amália. 21 de Março é o aniversário de Bach e Mussorgsky, os dois compositores que ele tocará, num Steinway de Grande Concerto, cedido por Miguel Almeida Mendes, da CCP.

Verão que tudo o que escrevi peca por defeito.”

Amém.

Também ouvi o virtuoso Domingos, há poucos dias. O texto copiado é da autoria de um verdadeiro connoisseur da arte dos sons eruditos.

Subscrevo tudo.

Publicado por josé 20:10:00  

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