Pior é impossível, ou Lacão no seu labirinto
terça-feira, março 09, 2004
Alerta (amarelo) sobre um ante-projecto de Código de Processo Penal
O grupo parlamentar do PS apresentou para debate público, um ante-projecto de reforma (?!) do Código de Processo Penal. Pode ler-se por aqui.
Definitivamente, não é só a estupefacção e a incredulidade que caracterizam a reacção do Mangadalpaca, que o andou a ler com algum detalhe.
Tecnicamente, a redacção do documento é do mais confrangedor que se tem visto (a começar pelo título do documento «código do processo penal» e por aí em diante, recorrendo a conceitos desconhecidos e doutrinais, como por exemplo, «dimensão interna do segredo de justiça» sem os definir, para terminar em aspectos de índole claramente regulamentar, que passariam a ficar consagrados num instrumento legal estruturante, como deve ser o CPP, etc, etc, etc).
O conteúdo, bem... o conteúdo, é a leitura invertida (e pervertida) do processo Casa Pia.
Todas as propostas de solução apresentadas impediriam, pura e simplesmente, a investigação que foi feita no referido processo.
Desde a desresponsabilização do MP – que, se não conseguir terminar o inquérito em prazos irrealistas, se vê substituído nessa tarefa pelo juiz de instrução – à funcionalização do juiz – que passa a substituir o MP na investigação criminal, em desrespeito da constituição e do princípio do acusatório – até à impunidade geral dos delinquentes da criminalidade verdadeiramente relevante, o objectivo parece ser, apenas, o de destruir as possibilidades de investigação criminal.
Tudo coroado pela possibilidade de o arguido, nos casos de crime particular, ter o direito potestativo – pasme-se – de pedir o arquivamento do processo, caso se tenham excedido os prazos.
Como foi possível ao PS (e não uma sua facção) chegar tão baixo? Um partido com vocação e prática de poder devia ter-se inibido de tornar pública uma proposta que atenta contra princípios constitucionais consolidados e contra concepções estruturantes de um processo moderno e europeu.
Os portugueses deviam esperar que o PS não se limitasse a entregar a elaboração de documentos tão sensíveis e relevantes a neófitos ou amadores. Tanto mais quando não estão de boa-fé e apenas visam apenas reagir a procedimentos com consagração legal (processual penal) que, num caso concreto, não favoreceu um dos seus militantes de maior projecção.
O «ante-projecto» mais parece um projecto apócrifo, redigido por um aprendiz de feiticeiro.
Qualquer autor que se reclame como medianamente entendido na matéria processual penal teria certamente vergonha de apresentar semelhante proposta. Por razões de mera técnica legislativa e sistemática.
O documento é assustadoramente confuso e contraditório, desnecessariamente complexo e tortuoso, deliberadamente atentatório de uma tradição e de um acquis longamente sedimentado de tutela equilibrada face à ponderação dos direitos de defesa e das prerrogativas de investigação.
A sanha e o espírito de révanche é tal que, a título meramente ilustrativo, se refere por diversas vezes o PGR, que surge avulsamente mencionado, como se de um interveniente processual se tratasse (como se o PGR despachasse processos?!), responsabilizando-o pessoalmente por actos alheios.
Tudo feito ou dirigido pela mão do deputado Lacão, presuntivo candidato a juiz do Tribunal Constitucional, que, de uma penada, rasga a tradição de um código apresentado anos antes pelo seu colega António Costa como um dos melhores e mais avançados da Europa e todo o respeito que entretanto granjeou internacionalmente, ao ponto de merecer de Mireille Delmas-Marty (uma das mais autorizadas especialistas em processo penal na Europa) o elogio de se tratar do modelo mais próximo do que é por si concebido como ideal. Deita para o lixo os contributos que muito boa gente deixou durante mais de um ano na 1ª Comissão da AR, que se preocupou em realizar dezenas de audições de entidades interessadas e conhecedoras.
Neste cenário, como reagem as forças políticas e os sectores académicos ligados à matéria? O improvável acontece - consta que não há grandes divergências...desde a inenarrável Odete Santos, até franjas do PSD e sectores envergonhados do PS. Os outros, andam baralhados.
Ah! Que é feito d´os lentes penalistas da Faculdade de Direito de Coimbra? Será que não reagem por estarem comprometidos em pareceres dados e juntos ao dito processo?
Esperava-se uma qualquer reacção, nem que fosse relativamente à ostensiva indigência dos aspectos técnico-formais, para não aludir já à derrocada integral da peça jurídica estruturante que ajudaram a edificar.
Se é verdade que diziam que «a lei era boa, as práticas é que eram más», pelos vistos, como a lei, apesar de boa, permitiu «desmandos intoleráveis», toca a mudar a lei.
E então, senhores professores? Não se lhes oferece dizer nada?
Os émulos e sequazes dos parad(i)ogmas dos «processos justos e equitativos» e dos «direitos fundamentais das personalidades» (que não de personalidade), como os Lacões, os Garcia Pereira, os Pinto Ribeiro, os Marinho Pinto, os Luís Delgado, as Clara Ferreira Alves e quejandos, poderiam finalmente exultar - lograriam, enfim, um processo penal ao melhor nível do Burundi (que me perdoem os habitantes deste país).
Evidencia-se que, por outro lado, para além de se tratar de uma desesperada e até patética reacção de penalização de toda uma magistratura, é preocupante como, a pretexto de erros judiciais num dado processo – inexistentes uns, porventura existentes outros, mas com hipótese de correcção por via de recurso, sempre invocados com o único intuito de descredibilizar a respectiva investigação – se iria inviabilizar totalmente o combate ao crime grave, ao crime económico, à corrupção e aos diversos tráficos, com soluções irrealistas, desajustadas, ineficazes e iníquas.
É certo que a actual direcção do PS elegeu a descredibilização do processo Casa Pia (com a tese a «cabala») como «a luta da sua vida». Está tudo dito.
Provavelmente, o PS nunca mais será o mesmo. Provavelmente, o País precisa de outro PS.
Mangadalpaca©
Definitivamente, não é só a estupefacção e a incredulidade que caracterizam a reacção do Mangadalpaca, que o andou a ler com algum detalhe.
Tecnicamente, a redacção do documento é do mais confrangedor que se tem visto (a começar pelo título do documento «código do processo penal» e por aí em diante, recorrendo a conceitos desconhecidos e doutrinais, como por exemplo, «dimensão interna do segredo de justiça» sem os definir, para terminar em aspectos de índole claramente regulamentar, que passariam a ficar consagrados num instrumento legal estruturante, como deve ser o CPP, etc, etc, etc).
O conteúdo, bem... o conteúdo, é a leitura invertida (e pervertida) do processo Casa Pia.
Todas as propostas de solução apresentadas impediriam, pura e simplesmente, a investigação que foi feita no referido processo.
Desde a desresponsabilização do MP – que, se não conseguir terminar o inquérito em prazos irrealistas, se vê substituído nessa tarefa pelo juiz de instrução – à funcionalização do juiz – que passa a substituir o MP na investigação criminal, em desrespeito da constituição e do princípio do acusatório – até à impunidade geral dos delinquentes da criminalidade verdadeiramente relevante, o objectivo parece ser, apenas, o de destruir as possibilidades de investigação criminal.
Tudo coroado pela possibilidade de o arguido, nos casos de crime particular, ter o direito potestativo – pasme-se – de pedir o arquivamento do processo, caso se tenham excedido os prazos.
Os advogados da Mafia não teriam proposto melhor
Como foi possível ao PS (e não uma sua facção) chegar tão baixo? Um partido com vocação e prática de poder devia ter-se inibido de tornar pública uma proposta que atenta contra princípios constitucionais consolidados e contra concepções estruturantes de um processo moderno e europeu.
Os portugueses deviam esperar que o PS não se limitasse a entregar a elaboração de documentos tão sensíveis e relevantes a neófitos ou amadores. Tanto mais quando não estão de boa-fé e apenas visam apenas reagir a procedimentos com consagração legal (processual penal) que, num caso concreto, não favoreceu um dos seus militantes de maior projecção.
O «ante-projecto» mais parece um projecto apócrifo, redigido por um aprendiz de feiticeiro.
Qualquer autor que se reclame como medianamente entendido na matéria processual penal teria certamente vergonha de apresentar semelhante proposta. Por razões de mera técnica legislativa e sistemática.
O documento é assustadoramente confuso e contraditório, desnecessariamente complexo e tortuoso, deliberadamente atentatório de uma tradição e de um acquis longamente sedimentado de tutela equilibrada face à ponderação dos direitos de defesa e das prerrogativas de investigação.
A sanha e o espírito de révanche é tal que, a título meramente ilustrativo, se refere por diversas vezes o PGR, que surge avulsamente mencionado, como se de um interveniente processual se tratasse (como se o PGR despachasse processos?!), responsabilizando-o pessoalmente por actos alheios.
Tudo feito ou dirigido pela mão do deputado Lacão, presuntivo candidato a juiz do Tribunal Constitucional, que, de uma penada, rasga a tradição de um código apresentado anos antes pelo seu colega António Costa como um dos melhores e mais avançados da Europa e todo o respeito que entretanto granjeou internacionalmente, ao ponto de merecer de Mireille Delmas-Marty (uma das mais autorizadas especialistas em processo penal na Europa) o elogio de se tratar do modelo mais próximo do que é por si concebido como ideal. Deita para o lixo os contributos que muito boa gente deixou durante mais de um ano na 1ª Comissão da AR, que se preocupou em realizar dezenas de audições de entidades interessadas e conhecedoras.
Neste cenário, como reagem as forças políticas e os sectores académicos ligados à matéria? O improvável acontece - consta que não há grandes divergências...desde a inenarrável Odete Santos, até franjas do PSD e sectores envergonhados do PS. Os outros, andam baralhados.
Ah! Que é feito d´os lentes penalistas da Faculdade de Direito de Coimbra? Será que não reagem por estarem comprometidos em pareceres dados e juntos ao dito processo?
Esperava-se uma qualquer reacção, nem que fosse relativamente à ostensiva indigência dos aspectos técnico-formais, para não aludir já à derrocada integral da peça jurídica estruturante que ajudaram a edificar.
Se é verdade que diziam que «a lei era boa, as práticas é que eram más», pelos vistos, como a lei, apesar de boa, permitiu «desmandos intoleráveis», toca a mudar a lei.
E então, senhores professores? Não se lhes oferece dizer nada?
Os émulos e sequazes dos parad(i)ogmas dos «processos justos e equitativos» e dos «direitos fundamentais das personalidades» (que não de personalidade), como os Lacões, os Garcia Pereira, os Pinto Ribeiro, os Marinho Pinto, os Luís Delgado, as Clara Ferreira Alves e quejandos, poderiam finalmente exultar - lograriam, enfim, um processo penal ao melhor nível do Burundi (que me perdoem os habitantes deste país).
Evidencia-se que, por outro lado, para além de se tratar de uma desesperada e até patética reacção de penalização de toda uma magistratura, é preocupante como, a pretexto de erros judiciais num dado processo – inexistentes uns, porventura existentes outros, mas com hipótese de correcção por via de recurso, sempre invocados com o único intuito de descredibilizar a respectiva investigação – se iria inviabilizar totalmente o combate ao crime grave, ao crime económico, à corrupção e aos diversos tráficos, com soluções irrealistas, desajustadas, ineficazes e iníquas.
É certo que a actual direcção do PS elegeu a descredibilização do processo Casa Pia (com a tese a «cabala») como «a luta da sua vida». Está tudo dito.
Provavelmente, o PS nunca mais será o mesmo. Provavelmente, o País precisa de outro PS.
Mangadalpaca©
Publicado por josé 01:18:00
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