Um cronista na pele de jornalista

O Público tem ao seu serviço um "jornalista" que costuma "escrever" nas páginas do jornal, sobre questões de Justiça.

Supõe-se que esteja minimamente habilitado para o fazer e pelo menos tarimba deve ter, pois há vários anos frequenta Congressos de Magistrados, de caneta e papel na mão, solícito e empenhado na recolha de opinião.



Suspeita-se, porém, que tais convívios de pouco lhe tem servido para o exercício do múnus que deveria distinguir-se um pouco mais da atitude subjectiva e militante de um cronista de opinião ou de qualquer outro barnabé.

Hoje, o jornal, pela sua pena periclitante na objectividade e enviesada no preconceito, destaca na primeira página, a notícia...

“Souto Moura Quer Suspender Processos Contra Testemunhas da Casa Pia

Um leitor de escaparate, olha, lê e fica sem saber o que quer dizer semelhante “notícia”.

Porém se se aventurar na procura da página, o que encontra em título?

“Souto Moura "Protege" Testemunhas “

A notícia que se pretende dar sobre uma “circular” do Procurador Geral da República a que o Públicoteve acesso”, é falha no mais elementar que o jornalismo exige:

Ao relatar o quem, o quê, quando, onde, como e porquê, ficamos a saber o porquê, dado por assente na visão do escriba.

No caso, o manhoso do procurador-geral quer subtrair processos a quem de direito, ou seja aos seus imediatos inferiores hierárquicos, uma vez que tal prerrogativa, lhe está evidentemente negada pelas normas estatutárias, conforme sugere o escriba sabedor.

O Procurador, para isso e com esse turvo objectivo agora descoberto pelo inteligente escriba ...

“definiu regras especiais para o tratamento a dar, pelo Ministério Público, às queixas por denúncia caluniosa apresentadas por figuras públicas”.

E mais adianta a “notícia”...

A tentativa do procurador-geral da República para subtrair a outros magistrados a avaliação dos fundamentos da investigação de uma situação que foi controlada no último ano pelos três procuradores por si nomeados não é inédita.

E ainda mais ...

Este eventual cerceamento da capacidade de actuação de magistrados do MP no escalão máximo da carreira e com um currículo superior ao dos procuradores do Departamento de Investigação e Acção Penal”

Ficamos assim a saber que há por ali manobra, para os lados da Escola Politécnica. Que evidentemente foi descoberta pelo escriba "sabedor" e "sagaz", que já deu provas de ser capaz de citar juristas sem os nomear e normas legais sem as indicar.

Por isso, ficamos sem saber de que circular se trata, a quem foi dirigida e quando, como foi veiculada e principalmente qual o seu verdadeiro conteúdo e contexto.

Tudo isso ficou no tinteiro do escriba. E no jornal não há ninguém que lhe mostre o manual de jornalismo onde se distingue uma notícia de uma crónica ou de um texto de opinião.

A menção, parcial e desconexa, que o escriba transcreveu, do texto da circular - "O prosseguimento regular dos inquéritos [contra algumas testemunhas do processo da Casa Pia] poderia redundar em decisões contraditórias e inconciliáveis, por se virem a considerar simultaneamente indiciados crimes de abusos sexuais de menores e crimes de denúncia caluniosa ou difamação decorrentes da imputação dos factos integradores dos abusos." - deveria bastar para o obrigar a informar-se um pouco mais.

Palpita-lhe porém que a circular se destina a obviar “a preocupação do procurador-geral da República quanto a eventuais ondas de choque negativas geradas pelo facto de algumas testemunhas do processo da Casa Pia serem ouvidas como arguidos num processo por calúnia ou difamação

E ficamos assim com esse palpite e a opinião avalizada do escriba sobre a intenção do procurador geral.



Para isto, é preferível ler o Luís Delgado.



Adenda em tempo de comentários(28.2.04-12h 45m)

O jornalista visado neste blogpost, aparentemente e a acreditar na fidedignidade da identidade, comentou-o.
Quanto à primeira parte do comentário, não faço comentários.
Quanto á segunda, escreveu:
“O que importa é saber se há ou não interesse público na divulgação da intenção do PGR de suspender o inquérito numa fase em que ele mal começou. Ou se teria de esperar pela acusação ou/e pela abertura da instrução. Ver artigo 7º -3 do CPP”

A resposta óbvia, não deve relegar para o esquecimento, a questão aqui colocada neste blogpost: onde estão os factos relatados na “notícia” ? Onde está o teor da “circular” para o leitor avaliar por si, a suspeita intenção que é atribuída ao procurador geral? Porque não deixar os leitores fazerem a sua própria interpretação, sem a muleta prestimosa do cronista-jornalista? Outros jornalistas o fizeram, por exemplo a SIC, sem buchas ou muletas interpretativas.

Isso, para não falar já do modo como a circular terá sido obtida- que não é obrigação do jornalista esclarecer, mas é legítimo que nós, leitores, nos interroguemos como e de onde veio e prinpipalmente com que finalidades. Se veio do MP, como obviamente tudo indica, ainda há uma outra consideração a fazer: há alguém na estrutura hierárquica que, pelo menos neste processo, tem sido desleal ao procurador geral. E, isso sim, é que é a grande notícia! Contudo, como pode o jornalista transmiti-la se ele próprio se torna protagonista, malgré lui?

Por outro lado, a menção ao artigo 7º nº 3 do CPP é novidade- geralmente os artigos assinados pelo jornalista especialista em questões jurídicas são omissos nas citações legais, apesar de os chimpar com pinceladas atestando ilegalidades flagrantes ou colisões irremediáveis com a lei processual. Os anátemas, para além disso, costumam vir embrulhados em sumários quanto doutos pareceres de juristas a quem não é dado o nome.
Sobre questões de processo penal, concreto e prático, será bom lembrar ao jornalista que Souto Moura , que tenho defendido apenas por me parecer que nestes assuntos tem tido razão, é um jurista que terá a noção exacta das colisões e dos estragos que elas provocam. Nem todos concordam e isso vê-se a cada passo, nas romagens anunciadas e nas entrevistas generosamente concedidas para impedir estragos que se anunciam e serão, esses sim, irremediávei- para eles.
Segundo tudo indica, o jornalista do Público resolveu dar eco a esses agravados. É pena , porque a noção que tenho de jornalismo impediria que se escrevesse, por exemplo “João Guerra cometeu um erro de cálculo” ; “(...) tentativa falhada do procurador João Guerra para sonegar a alguns queixosos”.

Para além disso, a “análise” intitulada “Colisão com o Código Processo Penal”, está eivada de inuendos e processos intencionais que passam perfeitamente nos blogs, como este, mas nos jornais de grande circulação exigem pelo menos o aval de quem perceba do assunto. Manifestamente, não é o caso do jornalista. Que me desculpe a franqueza, mas é a opinião fundada naquilo que tenho visto escrito no jornal que leio ( e compro) regularmente, desde o primeiro número. E, pelos comentários, não sou o único a pensar assim.

Por outro lado, saúdo a interacção, mesmo a título de comentário. É saudável debater ideias, principalmente entre diletantes. E eu nunca disse que era outra coisa.


Publicado por josé 13:09:00  

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