"traceback"

Nem de propósito, há dias em amena cavaqueira com um amigo, acho que ele não se importa por eu o tratar assim, veio à baila o mediático advogado Ricardo Sá Fernandes, e dizia-me ele que o grande drama de Sá Fernandes era não saber envelhecer.

Hoje, à distância, percebo verdadeiramente o alcance dessas sábias palavras.

Ricardo Sá Fernandes, como Cunha Rodrigues, como Almeida Santos, Mário SoaresMarcelo e tantos outros acham-se verdadeiramente de uma casta especial, de uma élite escolhida para nos guiar a nós tristes plebeus...

Nessa qualidade tudo lhes é permitido, tudo podem dizer porque eles, e eles, é que sabem. Só eles é que sabem o que deve  ser a Verdade, o que deve ser discutido, o que pode ser publicado e, claro, só eles sabem o que é bom ou mau para aqueles que podendo votar não consideram cidadãos de pleno direito porque não percebem, porque não tem a grandeza necessária as grandes questões realmente em jogo.

Ontem, na SIC, Ricardo Sá Fernandes disse coisas assombrosas mas que ele certamente acha naturalíssimas, e não me refiro às provas demolidoras, que se espera não incluam fenómenos tão curiosos como compras sempre no mesmo supermercadomúltiplos jantares no mesmo dia ou sequer  feitos miraculosos do género estar num sítio a pagar em cash uma portagem (apresentando o respectivo talão) e instantes depois, estar bem distante, a pagar outra portagem desta vez via multibanco, embora Ricardo Sá Fernandes, Jorge Van Krieken e toda a equipa de defesa de Carlos Cruz, tenham o direito de, enquanto estratégia de defesa, acharem que toda a gente é parva.

Ontem, Ricardo Sá Fernandes afirmou taxativamente urbi et orbi que Carlos Cruz não podia cometer os crimes que lhe são imputados, não por causa das 10.000 provas apresentadas (do calibre das acima citadas) mas porque através dos dados fornecidos por uma operadora móvel foi possível reconstruir "geograficamente" todos os passos de Carlos Cruz, o que demonstraria que ele não podia estar onde a acusação e as testemunhas o afirmam.

Nas palavras do ressuscitado Van Krieken, que já coloca Carlos Cruz na categoria de preso político (!) ...

(...) As provas foram conseguidas graças ao sistema de traceback, que permite saber de que locais se fazem as chamadas pelo telemóvel. (...)

Ora, segundo a comunicação social, os crimes que são imputados a Carlos Cruz referem-se ao periodo de 1999-2000 pelo que essa operadora móvel (a Vodafone) terá quer ter guardados pelo menos desde essa data não só os dados de taxação mas também os de georeferenciação do tráfego de todos seus clientes ...

A lei base que rege os dados de tráfego  é a Lei nº69/98 de 28/10 e no artº 6º diz que esses dados devem ser apagados após a conclusão da chamada. Só devem manter-se os dados necessários à facturação e que vem definidos no nº 2 desse artigo ...

Artigo 6º
Dados de tráfego e de facturação
  1. Os dados do tráfego relativos aos utilizadores e assinantes tratados para estabelecer chamadas e armazenados pelo operador de uma rede pública de telecomunicações ou pelo prestador de um serviço de telecomunicações acessível ao público devem ser apagados ou tornados anónimos após a conclusão da chamada.

  2. Para finalidade de facturação dos assinantes e dos pagamentos das interligações, podem ser tratados os seguintes dados:

  3. a) Número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante;
    b) Número total de unidades a cobrar para o período de contagem, bem como o tipo, hora de início e duração das chamadas efectuadas ou o volume de dados transmitidos;
    c) Data da chamada ou serviço e número chamado;  
    d) Outras informações relativas a pagamentos, tais como pagamentos adiantados, pagamentos a prestações, cortes de ligação e avisos.

  4. O tratamento referido no número anterior apenas é lícito até final do período durante o qual a factura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.

  5. Para efeitos de comercialização dos seus próprios serviços de telecomunicações, o prestador de um serviço de telecomunicações acessível ao público pode tratar os dados referidos no n.º 2 se o assinante tiver dado o seu consentimento

  6. O tratamento dos dados referentes ao tráfego e à facturação deve ser limitado ao pessoal dos operadores das redes públicas de telecomunicações ou dos prestadores de serviços de telecomunicações acessíveis ao público encarregados da facturação ou da gestão do tráfego, da informação e assistência a clientes, da detecção de fraudes e da comercialização dos próprios serviços de telecomunicações do prestador e deve ser limitado ao que for estritamente necessário para efeitos das referidas actividades.

  7. O disposto nos números anteriores não prejudica o direito de as autoridades competentes serem informadas dos dados relativos à facturação ou ao tráfego nos termos da legislação aplicável, para efeitos da resolução de litígios, em especial os litígios relativos às interligações ou à facturação.

Por outro lado, segundo a Constituição, toda a gente tem o direito de saber os dados que lhe digam respeito.

Artigo 35º da Constituição

l - Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam nos termos da lei.

A legislação acima citada encontra-se acessível no site da Comissão Nacional de Protecção de Dados aquí

Já no Instítuto de Comunicacações de Portugal, aquí, vem que  as operadoras de comunicações devem trimestalmente providenciar ...

10. Informação sobre o tráfego total cursado na rede

Discriminar, independentemente do serviço a que diz respeito:
  • tráfego originado na rede do operador e destinado à própria rede
  • tráfego de passagem na rede do operador
  • tráfego originado na rede do operador e destinado a redes de outros operadores (nacionais e internacionais)
  • tráfego originado na rede de outros operadores (nacionais e internacionais) e destinado à rede do operador

    (Unidade: minutos, bps ou Erlang, consoante o tipo de rede e serviços suportados. Importará definir a unidade aplicável em cada situação)
Voltando a Ricardo Sá Fernandes, o que ele taxativamente afirmou foi que, pelo menos a Telecel, tem a capacidade de saber com uma precisão notável, que em meios urbanos é comparável ou superior à de sistemas GPS, onde esteve fisicamente, o telemóvel de cada um dos seus clientes, o que  note-se não significa necessariamente que seja o mesmo sítio onde o cliente tenha estado (basta que se tenha esquecido, ou emprestado, ou desligado o aparelho) pelo menos desde 1999.

Essa informação, que não tem qualquer interesse para efeitos de facturação e cujo arquivamento não consta que seja pedido pela Lei, a não ser com mandato judicial, a fazer fé em Ricardo Sá Fernandes está na posse da defesa de Carlos Cruz.

Assim, das duas uma, ou Ricardo Sá Fernandes está a mentir, e o serviço de assistência a clientes da Vodafone, na pessoa do Sr. Filipe Lourenço, diz que está, já que este afirmou, quando questionado esta noite por mim enquanto cliente, que a Vodafone não guarda os percursos efectuados pelos seus clientes e nesse caso aguarda-se um desmentido rápido e firme da  empresa liderada por António Carrapatoso, ou não contaram a missa toda ao Sr. Filipe Lourenço e nesse caso a Vodafone pura e simplesmente espia os seus clientesimpõe-se, desde logo saber com que fins, já que o armazenamento desses dados, de todos os clientes, durante um tão longo periodo de tempo custa dinheiro, que não é pouco...

Isto é tanto mais grave quando foi esta troupe de advogados que fez a chincana que fez acerca das escutas telefónicas e que agora não se coibe de usar e publicitar com grande estrondo dados que a existirem foram colectados de forma ilegal, inconstitucional e à mais completa revelia de um Estado de Direito.

Mais, a ser verdadeira a existência de tais dados outra pergunta se impõe ? E foram fornecidos à(s) defesa(s) apenas os de Carlos Cruz ? Não terão sido também fornecidos os de outras pessoas ? (porventura agora vítimas de pressões vulgo palmadinhas nas costas ?)

Aguardam-se esclarecimentos de quem de direito ...

UPDATE: António Arnaldo Mesquita
, tradicionalmente intímo das defesas, afirma taxativamente no Público de hoje ...

A empresa operadora de telecomunicações forneceu ao arguido a localização dos retransmissores (BTS) usados nas centenas de chamadas feitas, permitindo à defesa reconstituir itinerários e dar consistência à versão apresentada perante Rui Teixeira de que, em vez de estar em Elvas, como sustenta o Ministério Público, Carlos Cruz encontrar-se-ia noutros locais, envolvido em actividades profissionais, participando em eventos sociais ou mesmo no estrangeiro.

Os dados da localização das células dos retransmissores accionadas pelo telemóvel foram fornecidos pela operadora de que é cliente Carlos Cruz, que os remeteu ao juiz de instrução e os seus advogados usaram-nas nas alegações escritas.


Publicado por Manuel 01:14:00  

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