"Irlanda"

«Para desenjoar da choldra portuguesa não há nada como passar uns dias na Irlanda, esse pequeno país da Europa que estava também na cauda da Europa e que agora está entre os mais ricos e com maior taxa de crescimento.

A Irlanda apostou nas novas tecnologias, na educação, poupou o dinheiro que recebeu da Europa em vez de o desbaratar, investiu na saúde e no bem-estar dos seus habitantes, bateu-se pelos direitos humanos no mundo (através do papel desempenhado pela sua ex-Presidente, a senhora Mary Robinson), usou com frugalidade e inteligência os seus recursos e impediu que o turismo selvagem e de pé descalço desse cabo do seu país.



A beleza do país de James Joyce e de vários Prémios Nobel de Literatura, o último dos quais o poeta Seamus Heaney, permanece intocada e bravia, um grande plano cinematográfico com água e céu e vento, e uma terra verde-lavanda, cor indefinida como só a natureza consegue criar. A Irlanda não tem má arquitectura, condomínios privados, favelas, televisões privadas, lumpen, telejornais imbecis. Não tem estradas novas, nem estádios novos, nem rasgões na paisagem. A educação é o seu objectivo essencial, educação universal e gratuita, educação qualificada, que não arredou os escritores e a literatura dos currículos. Na Irlanda, a memória literária é poderosa, impõe respeito.

O progresso e desenvolvimento terceiro-mundista que deram cabo da paisagem portuguesa não se apresentam ali, e a classe dos novos ricos, se existe, vive com discrição e recato e segundo as regras do bom gosto. As pessoas lêem livros e jornais de qualidade e a televisão é uma coisa dispensável.



Não espanta que tantos europeus nacionais de outros países tenham decidido «exilar-se» na Irlanda, desde o jornalista da BBC John Simpson ao escritor francês Michel Houellebecq. A Irlanda tornou-se um lugar que escapa ao ruído e vulgaridade contemporâneas. Um lugar conservador, conservado, com algumas semelhanças com Portugal. Eles são um pequeno povo de poetas e de bêbados e nós também. Mas, eles são corteses e civilizados e nós somos brutos e desbragados. Olhar a Irlanda e os irlandeses é olhar o que Portugal podia ter sido se tivesse tomado as decisões certas sobre o seu modelo de crescimento. Somos mais do que eles e podíamos ter sido melhores do que eles, tínhamos tudo para isso, incluindo o clima ameno que eles não têm. Tornámo-nos nisto.»



«Os Dubliners», Clara Ferreira Alves, crónica publicada no Diário Digital.


Publicado por André 14:49:00  

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