Pia a pega e papagaio...

Ao abrigo de recente protocolo, transcreve-se aqui um post, publicado algures num outro blog já referenciado nesta Grande Loja-precisamente o blog  porta da loja:

“O Direito é uma aldrabice secante. O povo até tem razão, em grande parte é aldrabice. Sabe-se pouco, conhece-se mal, os juízes não têm tempo para estudar, os advogados estudam pouco. Aquilo que se diz nos tribunais é contraditório, está em grande parte ao sabor do poder.”

Orlando de Carvalho, grande professor de Direito, da U. Coimbra, em entrevista ao Público de 22.10.1997, pouco antes da sua morte.

Esta sabedoria do Prof. O.Carvalho vinha envolta em amargura por ver alguns dos seus ensinamentos rechaçados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. Contudo, para quem sabia o que ele sabia, a opinião não tem o mesmo peso daquelas que por estes dias vamos vendo, ouvindo e lendo e não podemos, por isso, ignorar.

O processo dito da Casa Pia, começou há muito tempo. Contudo, os procedimentos que o determinaram e lhe deram origem começaram ainda há mais tempo: há longos anos! Longos nas malfeitorias e impunidades.

O Expresso deu a notícia, repescando um caso já com vinte anos em cima e sequelas várias, concerteza.

A SIC deu-lhe continuidade e ampla cobertura noticiosa. Foi essencialmente investigado, no início, por uma das poucas jornalistas de investigação que temos: Felícia Cabrita, a autora de uma mini biografia burlesca e antológica, desse expoente do futebol ligueiro que dá pelo nome de Valentim Loureiro.

O caso é relativo vários crimes sexuais em que são vítimas menores de há vinte anos e possivelmente outros, ainda menores, actualmente. Não é um caso menor, certamente. Mas não é por estarem envolvidos menores: é porque cheira a sangue político, artístico e mediático; só por isso. É um caso a recender a hipocrisia, portanto, uma vez que os menores, aqui, têm sido assunto menor.

E a lei penal, como olhará ela para tais factos?



Let´s look at a
trailer...

Em 1980
, vigorava um Código de Penal de 1886. Os crimes sexuais estavam todos capitulados como "crimes contra a honestidade". O crime de "Atentado ao pudor" , de que se falou inicialmente, mesmo na televisão e que se previa no artº391 definia-se como ...

"todo o atentado contra o pudor de uma pessoa de um ou outro sexo, que for cometido com violência, quer seja para satisfazer paixões lascivas (atentem na linguagem!), quer seja por outro motivo, será punido com prisão"

Um acórdão de 1936 do STJ dizia que

"a cópula consentida ou não com menor de 16 anos, quando não constitua crime de estupro ou violação, constitui crime de atentado ao pudor..."

Também em 1980 se previa o crime de corrupção de menores, para aquele que ...

"...favorecer ou facilitar a devassidão ou corrupção( atente-se na linguagem!) de qualquer menor de 21 anos, para satisfazer os desejos de outrém, será punido com prisão de três meses a um ano e multa, e suspensão de direitos políticos por cinco anos ( curiosa, esta, mas que tem de ser devidamente contextualizada na época ...)".

Todos estes crimes dependiam de queixa; ou seja, era necessária a prévia denúncia do ...

"ofendido, ou dos seus pais, avós, irmãos, tutores ou curadores" salvo se os ofendidos fossem menores de 12 anos; fossem "miseráveis" (sic)

... ou estivessema a cargo de estabelecimento de beneficiência. Em 1.1.1983, enter the Super One: o novo Código Penal, inspirado por Eduardo Correia, de Coimbra que escrevera nos anos sessenta uma obra maestra: Direito Criminal, manual para estudo de gerações de juristas; o código, gizado por Figueiredo Dias, também de Coimbra, com outros colaboradores, bebeu e comeu confessadamente, no direito alemão, onde aquele mestre se doutorou.

Foi aprovado em 1982 por Meneres Pimentel, com uma filosofia entranhada de conceitos alemães ligados à recuperação e ressocialização de malandros, amplamente publicitada na época, como sendo o último grito da moda sociológica.

Se os factos denunciados inicialmente pela SIC e Expresso são anteriores a essa data, forget it: só a lei antiga se lhes arrima e era aquela que se aponta: as penas ridículas e a filosofia ainda do sec. XIX (veja-se o conceito de honestidade...)

Mas, já agora que se entrou no assunto e se está com as mãos na massa, o C. Penal de 1982 (a vigorar desde 1.1.1983), chama a estes crimes o que eles são: crimes sexuais e introduz no artº 207, um crime desconhecido até então: o de "homosexualidade com menores" e fala em "prática de acto sexual contrário ao pudor" restringindo-o a actos com menores de 16 anos. A pena de prisão, máxima, era até quatro anos, sendo o mínimo de um mês (normalmente, os tribunais não aplicavam o máximo, aliás, porque o critério debatido em inúmeras decisões jurisprudenciais, era partir do meio da pena e calcular a medida exacta...geralmente para baixo). O autor, Eduardo Correia, escreveu na altura, a propósito destes assuntos que ...

"o Código devia ser especialmente parcimonioso nas suas intervenções na vida íntima das pessoas, que só deve cair nas malhas da lei penal quando as suas manifestações adquirem um significado social"

O crime de atentado ao pudor, para pessoas "exercendo funções ou trabalhando" em "...escolas, colégios ou casas de educação ou correcção" , previsto no artº 209 , espadeirava a pena de prisão de 6 meses a 3 anos (com critérios de aplicação idênticos aos apontados).

Até 1995, ano glorioso do primeiro governo guterriano, foi este o quadro penal.

Mas, um pormenor, nada despiciendo nestas coisas, em 1986, a A. R. aprova uma amnistia generosa e que deu um trabalho carregado de interpretação, aos legal falcons/doves, com destaque para os forçados dos tribunais e que deixou de fora estes crimes, mas perdoou um ano de prisa a todos os crimes.

A generosidade da A.R. voltou a manifestar-se em 1991, larga e candalmente,  e safou contrabandistas de toda a espécie, particularmente os tabaqueiros de Aveiro, com uma outra amnistia geral.

Também não incluiu crimes sexuais, é certo, mas voltou a perdoar aos malandros em geral, um anito, no mínimo.

Em 1994, mais um bundle, aqui, cuidadosos ou avisados, os ilustres deputados excluiram da amnistia, o perdão de mais um anito, para esses crimes; mas só se os malandros tivessem sido condenados em penas superiores a três anos (já vimos como era difícil...)

Em 1999, último regabofe, uma amnistia "limitada" em que se perdoa mais um anito de prisa, nas condições de 1994, aos reclusos e inclusos.

Em 1995, outro Código Penal, novinho em folha, mas que deixa intactos os conceitos fundamentais. É por isso uma revisão que Figueiredo Dias, presidente, mais uma vez, da respectiva Comissão Revisora, em entrevista ao O Diabo de 24.6.1997, refere que ...

Não se pode dizer que a reforma de 1995 tinha uma inflexão das opções politico-criminais de 82, elas eram praticamente as mesmas, mas procurou que essas opções fossem efectivamente levadas à prática. Só isto justificava a reforma.”

As penas dos "crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual", aumentam e diversificam, tornam-se mais especiosos.

Só agora , há pouco mais de meia dúzia de anos!, o artº sobre "coacção sexual" fala em acto sexual de relevo e arrima-lhe com prisão de 1 a oito anos!

O artº 166 que reproduz aqueloutro sobre as pessoas ligadas a estabelecimentos de educação arrima-lhe com prisão de 1 a oito anos, para o coito anal, mas reduz para cinco anos se for apenas outro "acto sexual de relevo".

O artº 172, sobre "abuso sexual de crianças", arrima-lhe com prisão de 3 a 10 anos para o coito anal com menor de 14 anos e em 1998, uma lei avulsa (Lei nº 65/98, de 2 de Setembro) torna a cousa mais precisa e inclui no rol também o coito oral...

Qualquer um destes crimes requer uma queixa dos ofendidos, nos termos do artº 178 do C. Penal.

Contudo, por força do nº 2 desse artigo que diz...

“(...) quando o crime for praticado contra menor de 16 anos,pode o MºPº dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser, o curador não tem outro remédio senão dar andamento aos papéis, no caso de as suspeitas se revelarem fundadas e minimamente consistentes."

Se os ´putos` tiverem mais de 16 anos...no case!

Já não são menores...

... e deve ser esse o caso de alguns notáveis que foram certamente encalacrados e não protestaram inocência. Valha-lhes isso!

Mas uma pergunta se impõe:  um gajo maduro que anda por aí à procura de adolescentes do mesmo sexo para...tem direito a ser herói nacional, mesmo que na televisão?! Será moralmente aceitável e socialmente irrelevante, tal conduta?! O gajo não terá vergonha de o admitir publicamente?! A homosexualidade com adolescentes é crime previsto no artº 173 com uma peneca (até um ano) que não tem expressão e qualquer dia ainda acaba despenalizado. Porém, ainda não está! Por isso, quem a pratica, não deve, a meu ver, ufanar-se da vida que tem...nem armar-se em bobo da corte, a quem quase tudo é permitido!

Será isto demasiado moralismo?!

Publicado por josé 19:40:00  

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