O segredo dos deuses-contributos
quarta-feira, janeiro 14, 2004
De um jornal, Terras da Beira, transcreve-se com a devida vénia, um magnífico editorial de... 1996!
Segredo de Justiça
Virgílio Mendes Ardérius
Recentemente reuniram-se em Lisboa, na Torre do Tombo, responsáveis da magistratura portuguesa com jornalistas de vários países. Em debate estiveram questões de grande interesse tanto para os juristas como para os jornalistas. Despertou especial interesse a polémica à volta do "segredo de justiça". Para o chefe de redacção do "Le Monde", Edwy Plénel, deve ser abolida aquela forma jurídica uma vez que afecta de forma negativa a presunção de inocência dos indivíduos julgados. «As partes envolvidas no processo judicial não podem falar, mas a imprensa pode relatar os factos sem qualquer problema, pois não está abrangida pelo segredo de justiça».
O jornalista e advogado José Carlos Vasconcelos diz mesmo que o segredo de justiça tem um efeito contrário ao pretendido, transformando o réu em «presumível culpado». A mesma posição foi assumida por Óscar Mascarenhas, presidente do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas.
O segredo de justiça faz aumentar o clima de suspeição, quando os indivíduos julgados estão em prisão preventiva. «As pessoas pensam que quem está detido é automaticamente culpado». Daqui resulta a necessidade de os agentes «prestarem informação regular em relação aos presos neste regime», dizendo que um determinado preso é ainda um «presumível inocente».
Cunha Rodrigues, Procurador Geral da República, discordou desta posição defendendo a importância do segredo de justiça para protecção da investigação. Não podemos esquecer, porém, que a missão do jornalista é informar e guardar segredo será obrigação de outras instâncias.
O chefe de redacção do "Le Monde" ultrapassou a questão deixando a pergunta: «Como é que a Justiça pode desempenhar o seu papel dentro da democracia e qual a função da comunicação social neste processo?».
Outra questão em debate foi a distinção entre vida privada e vida pública dos cidadãos. Aquele jornalista francês defendeu que «a conquista do espaço privado é uma conquista da democracia, pois protege os indivíduos do Estado» e quando um jornalista viola esse espaço e entra na intimidade está a ser cúmplice de «invasão totalitarista do Estado».
«Enquanto jornalista», afirmou, «não tenho o direito de fazer aos outros aquilo que não quero que me façam».
Do debate parece ter resultado a necessidade de uma comunicação social mais «auto-regulada» e tribunais e juristas «mais comunicativos».
Tornar-se-ia positivo um esforço de entendimento entre as duas classes que, na expressão de Cunha Rodrigues, há-de ser feito ao nível da cooperação, mas também, «daquela cumplicidade que é natural em democracia».
Virgílio Mendes Ardérius
Recentemente reuniram-se em Lisboa, na Torre do Tombo, responsáveis da magistratura portuguesa com jornalistas de vários países. Em debate estiveram questões de grande interesse tanto para os juristas como para os jornalistas. Despertou especial interesse a polémica à volta do "segredo de justiça". Para o chefe de redacção do "Le Monde", Edwy Plénel, deve ser abolida aquela forma jurídica uma vez que afecta de forma negativa a presunção de inocência dos indivíduos julgados. «As partes envolvidas no processo judicial não podem falar, mas a imprensa pode relatar os factos sem qualquer problema, pois não está abrangida pelo segredo de justiça».
O jornalista e advogado José Carlos Vasconcelos diz mesmo que o segredo de justiça tem um efeito contrário ao pretendido, transformando o réu em «presumível culpado». A mesma posição foi assumida por Óscar Mascarenhas, presidente do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas.
O segredo de justiça faz aumentar o clima de suspeição, quando os indivíduos julgados estão em prisão preventiva. «As pessoas pensam que quem está detido é automaticamente culpado». Daqui resulta a necessidade de os agentes «prestarem informação regular em relação aos presos neste regime», dizendo que um determinado preso é ainda um «presumível inocente».
Cunha Rodrigues, Procurador Geral da República, discordou desta posição defendendo a importância do segredo de justiça para protecção da investigação. Não podemos esquecer, porém, que a missão do jornalista é informar e guardar segredo será obrigação de outras instâncias.
O chefe de redacção do "Le Monde" ultrapassou a questão deixando a pergunta: «Como é que a Justiça pode desempenhar o seu papel dentro da democracia e qual a função da comunicação social neste processo?».
Outra questão em debate foi a distinção entre vida privada e vida pública dos cidadãos. Aquele jornalista francês defendeu que «a conquista do espaço privado é uma conquista da democracia, pois protege os indivíduos do Estado» e quando um jornalista viola esse espaço e entra na intimidade está a ser cúmplice de «invasão totalitarista do Estado».
«Enquanto jornalista», afirmou, «não tenho o direito de fazer aos outros aquilo que não quero que me façam».
Do debate parece ter resultado a necessidade de uma comunicação social mais «auto-regulada» e tribunais e juristas «mais comunicativos».
Tornar-se-ia positivo um esforço de entendimento entre as duas classes que, na expressão de Cunha Rodrigues, há-de ser feito ao nível da cooperação, mas também, «daquela cumplicidade que é natural em democracia».
Também respigado de outro local, uma passagem sobre esta temática, extraída de um texto apresentado numa conferência na Universidade do Minho, em 1999:
"Detenhamo-nos agora no segredo de justiça.
Os códigos penais de fisionomia europeia continental consagram-lhe particular importância, construindo-se, deste modo, um modelo que se afasta radicalmente da realidade anglo-americana onde o processo é público desde uma fase muito recuada.
Em Portugal, o segredo de justiça vai até à decisão instrutória, ou, no caso de não haver instrução, até à data em que pode ser requerida. A inserção do segredo de justiça no processo tem, na sua génese, uma procura de protecção da investigação judicial, sendo mais tarde - com o movimento de constitucionalização do processo penal e de aprofundamento dos direitos fundamentais ¿ colocado ao serviço dos direitos arguidos.
De natureza conflitual, o segredo de justiça irrompeu no sistema penal português quando ainda não havia entre nós uma tradição na mediatização de assuntos judiciais. Num momento em que tudo o que está oculto suscita particular atenção dos jornalistas, esta questão não deixa de se constituir como uma pressão para os profissionais da comunicação, principalmente quando estes insistem em ignorar normativos ético-legais que orientam a sua actividade.
Evocando a conhecida afirmação de Alexandre Dumas Filho sobre o casamento ¿ citada por Francis Casorla ¿ segundo o qual ¿as cadeias do casamento são tão pesadas que são necessários dois para as suportar; às vezes três¿, Cunha Rodrigues (1999: 50-51) assegura que ¿o número de pessoas que em Portugal transporta as cadeias do segredo de justiça é demasiado grande para que não seja legítimo desconfiar da presença e intromissão de estranhos¿. "
Os códigos penais de fisionomia europeia continental consagram-lhe particular importância, construindo-se, deste modo, um modelo que se afasta radicalmente da realidade anglo-americana onde o processo é público desde uma fase muito recuada.
Em Portugal, o segredo de justiça vai até à decisão instrutória, ou, no caso de não haver instrução, até à data em que pode ser requerida. A inserção do segredo de justiça no processo tem, na sua génese, uma procura de protecção da investigação judicial, sendo mais tarde - com o movimento de constitucionalização do processo penal e de aprofundamento dos direitos fundamentais ¿ colocado ao serviço dos direitos arguidos.
De natureza conflitual, o segredo de justiça irrompeu no sistema penal português quando ainda não havia entre nós uma tradição na mediatização de assuntos judiciais. Num momento em que tudo o que está oculto suscita particular atenção dos jornalistas, esta questão não deixa de se constituir como uma pressão para os profissionais da comunicação, principalmente quando estes insistem em ignorar normativos ético-legais que orientam a sua actividade.
Evocando a conhecida afirmação de Alexandre Dumas Filho sobre o casamento ¿ citada por Francis Casorla ¿ segundo o qual ¿as cadeias do casamento são tão pesadas que são necessários dois para as suportar; às vezes três¿, Cunha Rodrigues (1999: 50-51) assegura que ¿o número de pessoas que em Portugal transporta as cadeias do segredo de justiça é demasiado grande para que não seja legítimo desconfiar da presença e intromissão de estranhos¿. "
Para terminar e como se falou em Cunha Rodrigues, aqui fica a opinião do indivíduo sobre jornalistas. Expressa numa entrevista, em forma de mesa-redonda, em Macau , há uns anos aliás, muito interessante.
"JCR - Nunca mais desaparece. Os jornalistas são das classes menos abertas, menos acessíveis ao diálogo. É uma classe com quem se fala muito bem, um a um. Mais do que isso é complicadíssimo. Há uma teia de interesses, há um mercado de fontes. É dos mais auspiciosos no nosso país: devia ter cotação na Bolsa. Hoje, uma das principais preocupações estratégicas das grandes potências é o controlo de conhecimentos. "
E já agora, uma opinião do mesmo sobre as elites, vinda do mesmo sítio:
"JCR - Isso leva a um conceito de democracia ateniense que não é o que temos hoje. O grande problema das sociedades ocidentais é o das elites. E este é também o grande problema de Portugal. Toda a política feita nos últimos 20 anos foi no sentido de destruir as elites. A única que é existe é a elite política. Destruíram a universidade, os grupos económicos, as forças armadas, as magistraturas....
LSC - Essa, felizmente, é a única que resiste.
JCR - Não, desculpe, enquanto elite foi destruída. Hoje um professor universitário é um pária. Só tem valor se for subserviente a um certo partido político. Como instância crítica, reflexiva e de ciência independente não tem valor no nosso país. "
LSC - Essa, felizmente, é a única que resiste.
JCR - Não, desculpe, enquanto elite foi destruída. Hoje um professor universitário é um pária. Só tem valor se for subserviente a um certo partido político. Como instância crítica, reflexiva e de ciência independente não tem valor no nosso país. "
Desde há anos que andamos "nisto"...
Publicado por josé 13:06:00
0 Comments:
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)