"Sem Fé Nenhuma"
segunda-feira, dezembro 01, 2003
Não costumo parar muito para pensar, no que o acto tem de olhar para trás, esforço-me apenas por nunca cometer o mesmo erro duas vezes. Mas há momentos em que vale a pena mesmo parar para pensar.
Vivemos numa sociedade cada vez mais individualista e preocupada com o seu umbigo, as pessoas vivem fechadas em caixas de fósforos, vulgo torres com cada vez mais andares, e na maior parte das vezes nem os vizinhos conhecem. Vivemos numa ditadura dos shopping centers, temos a maior número per capita da Europa, as pessoas agora já se conhecem e iniciam namoro pela net, e pelas salas de chat, na América já é assim com 40% dos jovens.
Cultura, qual cultura ? É a roupa de moda, os assuntos fúteis bué do momento e claro as causas chiques.
De quando em vez lá aparece algo que nos faz pensar, parar para olhar e reflectir se é este o mundo que queremos. O que é conhecer uma pessoa ? Qual é a fronteira entre a superficialidade e a verdadeira intimidade ? O que é viver em sociedade ? O que é hoje a Sociedade ? O que é o sucesso ? e a felicidade ?
Hoje por mero acaso fui aterrar a um blog fabuloso. Fabuloso pelo nome, Gato Preto, fabuloso pelo grafismo e sobretudo espantoso pelo conteúdo. Até podia ser fake, uma experiência de engenharia social, mas que faz pensar faz.
Um extracto :
Sem fé nenhuma
Devia tê-la, mas não consigo. Todos os dias perco um pouco de fé nas pessoas. Gostava de acreditar nos comentários que aqui deixam, que vou arranjar amigos, e pessoas que gostem de se dar comigo, que me compreendam e que me queiram ouvir, mas nunca vai acontecer. Todos os dias tenho menos fé, e sinto que falta muito pouco para a perder toda. Quando isso acontecer...nem sei.
As pessoas são todas iguais. Cambada de cínicos. Só falam comigo quando lhes convém, e isso destroi-me por dentro. E reflecte-se por fora. Não tenho vontade de trabalhar, nem de me aplicar na escola. Nem vontade de viver tenho, e não consigo sair deste estado. Os outros não me deixam. Já não consigo ouvir as pessoas dizerem-me que se preocupam comigo, ou que têm saudades, ou que estão lá para me ouvirem se for preciso porque é mentira. Foi sempre mentira. O pior é que eu estive lá sempre, mas invariavelmente isso nunca conta para nada. Porque sou um chato de merda. Não tenho culpa, mas sou feio e estúpido e pouco interessante. Sou um frustrado de merda porque me iludo há anos a pensar que tenho amigos que afinal até nem tenho. Estou farto que arranjem desculpas esfarrapadas para não falarem comigo.
Eu já não levo a mal. Sinceramente eu também não me queria ter como amigo, muito menos aturar as minhas conversas de merda. Sei o que valho: nada!
Mas isso deixa-me triste. E zangado. Porque sei que os outros não têm culpa, e não posso cobrar as vezes em que foi preciso eu lá estar a ninguém. Mas deixa-me triste aperceber-me disto tudo, e fico zangado comigo próprio. Devia deixar de ser ingénuo e estúpido, porque nunca vou ter amigos, nunca vou ter pessoas que se importem. Nunca ninguém vai ver-me em baixo e perguntar-me o que eu tenho, porque ninguém se importa. E eu sei que isto são problemas de merda, afinal até nem tenho uma vida tão má como isso, mas há muita coisa que eu trocava para poder ouvir um "Como é que estás?". Eu dava tudo para que os outros me tratassem como eu os trato mas mais uma vez iludo-me.
Nunca vai acontecer, e eu fico zangado comigo proprio porque consigo escrever isso, mas não me consigo convencer. Fico com esperança que as pessoas me julguem importante, e quando descubro que é exactamente o contrário fico triste. Fico quase morto, quase destruido, porque a parte que resta ainda continua com o sonho impossível que algum dia, alguém me vai por como nº1 na sua lista de prioridades, como eu faço para tanta gente.
Gostava de ser capaz de me vingar. Gostava de ser capaz de me estar a cagar para os outros como os outros fazem comigo. Mas nem isso consigo. Não consigo ser como os outros e se calhar é por isso que me sinto tão mal. Gostava de conseguir não ligar quando as pessoas passam por mim e não me dizem nada, e gostava de conseguir não ligar quando me desprezam. Se calhar o meu problema é não ter mais ninguém. Se calhar se eu também tivesse outras pessoas, também me estava a cagar para vocês todos.
A net como derradeiro confessionário, como derradeiro escape, como derradeira fronteira.
Viver e morrer na net já não é uma mera e longíncua metáfora de um de um existenZ , de um qualquer Matrix, ou de um dos contos de Philip K. Dick, é uma realidade, se é a noite ou o inicio de um novo amanhecer é o que se vai ver ... ou será que já somos máquinas e ainda não demos por nada ?
Fui até à varanda, de um sexto andar, está a chover, disso tenho a certeza ...
Publicado por Manuel 01:46:00