José António Lima no online do Expresso ...
quarta-feira, dezembro 17, 2003
A TRAPALHADA de versões, rectificações e desmentidos que saíram oficialmente do PSD a propósito da eventual descriminalização do aborto serviu, entre outras finalidades, para comprovar uma evidência: Durão Barroso, que passa cada vez mais tempo no estrangeiro e cada vez menos tempo em Portugal, não controla o Governo nem comanda o partido. E o suposto núcleo de coordenação política do PSD e do Governo, que deveria demonstrar capacidade e autoridade para suprir as ausências e omissões do primeiro-ministro, ou revela uma incipiência próxima da nulidade ou contribui mais para complicar do que para resolver os problemas. É o chamado descomando político e partidário à distância.
As contradições do PSD quanto ao aborto, com o porta-voz Pedro Duarte, Ana Manso e Leonor Beleza de um lado, a dizerem uma coisa, e Guilherme Silva com o CDS do outro lado, a afirmarem o seu contrário, vieram tornar pública a incomodidade de amplos sectores do centro-direita perante o drama social que o aborto clandestino continua a constituir em Portugal. E que o referendo de 1998 não resolveu, fechando as portas à liberalização da interrupção voluntária da gravidez e, ao mesmo tempo, impedindo a alteração da severa moldura penal a que continuam sujeitas milhares de portuguesas que, anualmente, se sentem forçadas a optar pelo recurso ao aborto.
As palavras corajosas e heterodoxas do bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, ou a abertura à tolerância de Pedro Duarte, Ana Manso e Leonor Beleza confirmam que, no espectro ideológico e social do centro-direita a clandestinidade a que permanece remetida a questão do aborto é ainda um problema mal resolvido. E incómodo.
Mas o espectáculo de descoordenação política que o PSD deu, por estes dias, aos portugueses, na praça pública, expressando as mais díspares posições sobre o tema da descriminalização do aborto, tornou claro um outro problema mais fundo: a desorientação e falta de liderança política em que vive a maioria laranja. Este episódio segue-se a muitos outros, ainda recentes, como a salsada em que se converteu o processo da revisão constitucional (com avanços e recuos ao sabor do populismo dominante), o folhetim inacreditável da substituição do comandante da Brigada de Trânsito da GNR, manutenção semiclandestina de Tavares Moreira ou do deputado Cruz Silva nos cargos político-partidários em que representam o PSD, o insustentável e incongruente alinhamento ao lado da França e da Alemanha pelo incumprimento do PEC, a incompreensível e inconsequente política económica do Governo (com dossiês estratégicos como os da GALP, EDP ou Portucel sem linha de rumo nem fim à vista), com a permanente desautorização de Durão Barroso na questão das presidenciais, etc., etc. É o retrato de uma maioria sem rei nem roque.
Percebe-se que Durão Barroso, tal como já acontecera com Cavaco Silva e António Guterres, passe mais tempo a correr mundo do que a governar Portugal. E bastam as múltiplas e exigentes solicitações da União Europeia, com reuniões, cimeiras e contactos bilaterais, para que qualquer primeiro-ministro veja enormemente reduzida a sua disponibilidade para as questões internas.
Acresce que habituados a tratar com os grandes da Europa e do mundo de questões tão decisivas e globais como o alargamento da EU, a futura Constituição da Europa ou a guerra no Iraque, os primeiros-ministros portugueses em exercício sentem cada vez menor vontade e paciência para se ocuparem e preocuparem com problemas caseiros e minudências tão irrelevantes, à escala europeia ou planetária, como a Fundação Minerva ou um qualquer comandante da GNR. O que agrava o seu distanciamento do país e do próprio partido.
E obriga, para evitar o défice ou mesmo o vazio de liderança a que qualquer primeiro-ministro constitua, em estreita ligação consigo e em permanência de funções, um núcleo de direcção político-partidária sólido e eficaz onde estejam os melhores, não só para o aconselhar mas também com capacidade de decidir e liderar nas suas ausências.
Cavaco formou esse «núcleo duro» com Dias Loureiro, Fernando Nogueira e Marques Mendes, entre outros. Guterres, na fase inicial dos seus governos, tinha em S. Bento um núcleo de peso, onde avultavam Jorge Coelho, Pina Moura, José Sócrates, António Costa e António Vitorino. Perdeu-o (e deixou o Governo e o partido à deriva…) quando se viu obrigado a colocá-los em ministérios-chave.
Sendo conciso e factual, a verdade é que Durão Barroso nunca teve um tal núcleo de direcção política e partidárias. Pela falta de qualidade política da maioria que o rodeia e por incapacidade própria. É esse, cada vez mais, o problema central do actual Governo.
Publicado por Manuel 10:05:00
0 Comments:
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)