"Prozac & Herbalife"


O controlo do défice orçamental transformou-se, para o bem e para o mal, na ‘Operação Triunfo’ do Governo.

Cortar a despesa pública, diminuir o peso do Estado na Economia, moderar fortemente os salários da Função Pública são todos, sem excepção, caminhos que vão dar a Bruxelas. E já não restam hoje dúvidas que Durão Barroso será julgado, em 2006 ou mais cedo se a economia persistir nos seus sinais recessivos, pela sua capacidade de sanear as finanças públicas e promover uma política de efectiva consolidação orçamental.

Ora, Cavaco Silva veio alertar para os riscos desta ortodoxia financeira ditada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Tal como já o fizera, antes, Jorge Sampaio.

Usando uma linguagem acessível, que não ficaria mal a um candidato presidencial, o ex-primeiro-ministro sintetizou a questão: «Se se continuar a gastar dinheiro em estádios de futebol e se a fuga aos deveres fiscais não acabar», o controlo do défice terá sido em vão.

A coincidência de pontos de vista entre Jorge Sampaio e Cavaco Silva reflecte, sobretudo, uma questão de senso comum: o espartilho orçamental imposto pela ministra das Finanças é um fim em si mesmo para recuperar o estatuto de bom aluno europeu ou é um meio que visa a consolidação orçamental e o relançamento da economia?
É aqui que reside a posição ingrata da ministra das Finanças. Criou-se a ideia, na generalidade da opinião pública, que é da acção de Manuela Ferreira Leite que depende o futuro do País e do Governo.

Essa é, porém, uma ideia falsa. Nem a ministra das Finanças terá sucesso na consolidação orçamental sem a cobertura e a coragem política do primeiro-ministro; nem a disciplina financeira imposta terá qualquer efeito sobre a economia sem a sua conjugação com outras políticas sectoriais.



Ou seja, recorrendo à linguagem médica, o País precisa, em doses certeiras, de uma terapia que lhe permita emagrecer e encarar o futuro da economia com optimismo – um misto de Herbalife e de Prozac.

Não podendo Manuela Ferreira Leite pedir, simultaneamente, contenção e moderação aos agentes económicos e empolgar empresários e investidores, esse papel terá de ser assumido por outros colegas do Governo.

Não se vislumbra, porém, no Executivo quem o faça.

Esse discurso mobilizador está ausente e asfixiado pela obsessão orçamental – que é virtuosa mas não pode ser omnipresente.

A pergunta é, pois, legítima: se Durão Barroso tiver, em 2006, o meritório saneamento das contas públicas como único trunfo para apresentar aos eleitores, o que restará da economia real? E como estará, então, o País?

Miguel Coutinho, Diário Económico 18/11/2003

Publicado por Manuel 10:03:00  

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