O Público, o Discurso do Presidente ou porque é que Portugal é um Paí­s extraordinário ...

Ontem o DN, e à 24 horas, para vender põe na capa o Juiz Rui Teixeira, sem a sua habitual indumentária de ganga, que o caracteriza, mas com um fatiota de Super-Homem.

Embalado, talvez por essa (inocente ?) manchete, ontem ainda, o Presidente da República, resolveu traduzir por miúdos, para o povo, a sua interpretação das recentes decisões do Tribunal Constitucional.


Como consequência óbvia toda a imprensa em maior ou menor grau (com o Público em grande destaque, dado o tradicional despique com o DN) hoje inferiu do (inocente ?) discurso do PR um ataque explícito, e óbvio não só ao Juiz Rui Teixeira mas a toda a forma como o Processo está a ser conduzido e investigado.

Eduardo Dâmaso, no Público, chega ao ponto de ressuscitar a tese Dreyfus (para quando o regresso dos clones ?) e chega a afirmar:

"Os que têm dúvidas bem podem olhar para o que se está a passar em Espanha com o duplo homicídio de duas adolescentes na Costa do Sol. Os melhores polícias falharam na investigação e todo o sistema se enganou, mantendo em prisão preventiva por mais de um ano uma pessoa inocente. Será esta a justiça que queremos?"


Em suma, Jorge Sampaio, Presidente da República Portuguesa, conscientemente fez aquilo que nem o TC fez e tomou claro partido por uma das partes, na medida em que levantou a dúvida sobre a competência e mérito da outra, deixando ainda a porta aberta para que outros, como o fez Eduardo Dâmaso, levantassem a questão da boa-fé. Jorge Sampaio, tal como o TC, podia ter-se ficado por questões técnicas, de princípio e de fundo, mas não, Jorge Sampaio fez questão de deixar bem claro que se referia ao Processo Casa Pia.

Em política o que parece é, e onde Eduardo Dâmaso pula de felicidade por "o discurso do Presidente da República não poderia vir em melhor altura" outros entristecem-se porque afinal ninguém saiu mais escarecido e possívelmente o Princípio Sagrado da Separação de Poderes foi posto em causa (pelo menos na "aparência") ...

Se o Juiz sair, será por causa do PR. Se ficar, será apesar do PR. idem quanto à condenação, ibidem quanto à absolvição ...

Nada mau para que pretendia serenar os ânimos.

Veremos pois quem vai ser o primeiro causídico da Defesa a recordar numa peça processual para um Tribunal Superior, ou numa homilia televisiva, as doutas palavras de Jorge Sampaio ...

Uma nota positiva porém para a franqueza de Dâmaso num ponto :

"Magistrados, polícias, advogados, jornalistas chegaram a um ponto que não se compadece mais com falinhas mansas: todos têm permitido manipulações indecentes de factos relacionados com o processo; têm-se barricado em posiçõees que transformam o inquérito numa insuportá¡vel arena de bons e maus; têm confundido investigação criminal com um auto de fé; têm deturpado grosseiramente aquilo que é a investigação jornalística; têm mercantilizado a notícia."


Só lhe faltou dizer que é o seu Público muitas vezes o recordista absoluto a passar das marcas ...

Voltando ao Dr. Jorge Sampaio, e com a devida vénia ao José António Lima do Expresso, aplicamos abaixo ao actual PR, o tratamento que JAL periodicamente aplica ao Dr. Portas ... Pra memória futura...

Viva o Pântano !


 

"(...)
O bloqueio do sistema radica essencialmente em três áreas:
excesso de leis, burocracia e excesso de garantismo das leis de processo, desregulação da organização judiciária.

A criação de leis não pode, efectivamente, ser o modo habitual de dar resposta às interpelações do quotidiano. À parcimónia do legislador há-de, sim, corresponder a iniciativa do Executivo, no quadro e pelos meios que lhe são próprios, com a eficácia, e também os riscos, de, no caso, dizer o sim e dizer o não. E sem qualquer perigo para a democracia, sublinhe-se, desde que, em sede própria — a Assembleia da República — continue a efectivar-se, de modo cada vez mais amplo, a responsabilidade política do Governo. Só por esta via poderão os tribunais cumprir a sua função de racionalização da sociedade e deixar de tender para suprir, no quotidiano, as deficiências ou as omissões dos Parlamentos e dos Governos, com uma indesejável judicialização do político e, consequentemente, uma não menos indesejável politização do judiciário.

Mas os procedimentos instituídos são também motivo de bloqueio, e, por isso, as leis de processo terão de ser simples e expeditas.
(...)
É que se a qualidade da Justiça depende do empenho e da capacidade dos seus agentes formais, depende também, e muito, do modo como cada um, em responsável exercício da cidadania, coopere com as instituições judiciárias.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Que a cidadania vença, para que a Justiça se cumpra!"

Jorge Sampaio
Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial
Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa - 22 de Janeiro de 1997


"(...)
Não é possível - e cito apenas alguns casos - manter uma tramitação processual de complexas e sofisticadas fases e contra fases, um sistema de recursos, às vezes em triplo e quádruplo grau, para tudo o que não sejam decisões de mero expediente, uma panóplia tão larga de fundamentos de adiamento de audiências que se eternizam os processos, ou uma nova acção para fazer cumprir o direito já declarado por sentença, com tramitação tão complexa e morosa como a utilizada para fazer reconhecer o direito violado.

É preciso que convenhamos de um modo definitivo em que se é indispensável uma forte garantia de direitos, de legítimos interesses e de liberdades tão duramente conquistadas, o excesso de garantismo, tornando ineficaz o funcionamento das instituições judiciárias, retirará toda a protecção aos direitos, interesses e liberdades que afinal visava acautelar - o excesso de garantismo é a via mais rápida e perigosa para a denegação da Justiça que as próprias garantias se destinam a tutelar, criando nos cidadãos uma crescente desconfiança nas instituições e no seu papel protector.

Não admira, por tudo isto, que as instituições judiciárias, formalmente organizadas, corram o risco de entrar em desregulação, impotentes para dar resposta eficiente e rápida a uma explosão de litígios, vertida em procedimentos burocratizados e propícios a todos os expedientes dilatórios.
(...)
Para que tudo seja preservado - presunção de inocência, condições de decisão judicial e direito de informação - é necessário fundar regras claras que, gerando um indispensável espaço de comunicação e adequados limites de reserva, não transformem os media em tribunais e os agentes da Justiça em opinion makers.
(...)
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Que a cidadania vença, para que a Justiça se cumpra! "

Jorge Sampaio
Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial
Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa - 14 de Janeiro de 1998

Publicado por Manuel 16:39:00  

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